Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Pe.Gilberto Paiva: Por uma Igreja mais participativa

Edição nº 1127 - 09 Novembro 2008

É sempre bom rever amigos, melhor ainda é receber a bênção e o carinho de um missionário redentorista, que sempre chega cheio de saudades e de novidades do mundo religioso. Foi assim com padre Gilberto Paiva, 44, sacerdote seguidor de Afonso de Ligório há 18 anos. “Gosto de Sacramento, do povo sacramentano, e sempre que posso venho por dois motivos: visitar os amigos - e nunca dá tempo de visitar todos - e consultar o Reginaldo Afonso dos Santos, meu dentista há 26 anos. Mas já passei até quatro anos sem vir, por falta de tempo”, conta com simpatia, na casa da família de Antenor Manzan, quase na hora de ir embora. 

O jovem Gilberto Paiva residiu em Sacramento em 1981 e 1982, cursando o segundo e terceiro anos do ensino médio, na Escola Coronel. “Foi um tempo muito bom aqui, tínhamos um trabalho muito profícuo, fazíamos pastoral com dona Julia, dona Blandina e dona Laércia, era um envolvimento muito grande com as famílias. Fazíamos um trabalho grande na zona rural com a Oralda e a equipe. Era muito bom, uma formação e tanta! Tive dez anos na minha formação a partir do Colegial e posso dizer com tranqüilidade que os dois anos em Sacramento foi um dos melhores”, diz recordando os nomes de alguns professores, dona Célia, dona Sílvia, Walmor, Angélica, Salete, Ivone e tantos outros.

Naqueles dois anos respondiam pelo Seminário do SSmo. Redentor, os padres Dionísio Foltram e Elias Guimarães e, como vigário, Pe. José Marques Dias. “Cada vinda a Sacramento dá vontade de ficar mais, mas todos sabem que a nossa convivência com o pároco local não é das melhores. Ao retornar da Itália em 1999, depois de três anos de estudos vim a Sacramento, fui cumprimentá-lo na sacristia e ele ignorou, assim como outros confrades são ignorados. Ontem eu fui à Igreja Matriz rezar e vi a galeria dos párocos anteriores. Sobre este não acolhimento, infelizmente - ele deve saber - eu sendo padre e ele também, é exemplo de um grande testemunho de desunião para o povo, porque as pessoas ficam ansiosas para que possamos celebrar com elas nas igrejas”, afirma. 

 

Doutor em História da Igreja

Há nove anos residindo na casa de Pesquisas Religiosas na cidade de São Paulo, Padre Paiva é um dos seis professores de Teologia, e ele atua na área de História da Igreja. A sua formação superior iniciou-se na PUC de Campinas, onde cursou Filosofia; Teologia, no ITESP; História, em Lorena (SP), mestrado e doutorado em História da Igreja, em Roma. 

 

Os trabalhos são inúmeros nos 18 anos de vida sacerdotal. Começou na formação de redentoristas em Aparecida e Goiânia; diretor do Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás. Como professor, trabalhou no Seminário Bom Jesus, da arquidiocese de Aparecida; no Instituto de Filosofia em Goiás; e Faculdade Católica de Pouso Alegre (MG) e, lecionou 9 anos no ITESP e, atualmente no campus Pio XI do Centro Universitário Unisal, em São Paulo, além de ser capelão do Colégio Boni Consilii, onde uma sacramentana, Ir. Rosa de Lima foi diretora, saindo para ser provincial, em São Paulo. 


A história redentorista no Brasil

A Província Redentorista de São Paulo 1894 – 1955' foi o tema da tese de doutorado de padre Paiva na Universidade de Roma. “Os Redentoristas chegaram a Sacramento em 1959, o que é assunto para um segundo livro. Nesse primeiro volume, a história vai de 1894, data da chegada dos primeiros redentoristas, a 1955. São mais de 12 mil cartas escritas e hoje traduzidas. Li todas. Os redentoristas chegaram ao Brasil, à região de Goiás e Aparecida e escreviam para a Alemanha dando conta de todo o trabalho feito aqui, do que viam, a fauna, a flora, as desobrigas de Goiás, do clima, enfim, de tudo. 

As cartas originais estão em alemão gótico. Com a dificuldade em se ler o gótico, os padres fizeram a transcrição das cartas para o alemão, já datilografado, e, mais tarde, alemães que viveram no Brasil e brasileiros que estudaram na Alemanha, traduziram para o português. Hoje temos as três cópias na Província de São Paulo, são 12 mil cartas, fantásticas”, explica, mostrando o volume de 564 páginas, publicado pela Editora Santuário.

Segundo Pe. Paiva, a tese agradou os membros da comissão julgadora e também à congregação no Brasil, por isso foi transformado em livro. “O livro ajuda a compreender o tempo e o espaço em que se deram o início e o desenvolvimento do trabalho apostólico da congregação no Brasil e faz uma análise do contexto eclesial socioeconômico do país, quando da fundação e expansão da missão bávara em terras brasileiras” – resumiu.

 

'A província redentorista de São Paulo...' não é o primeiro livro de padre Gilberto. Por ocasião dos 50 anos de fundação da Rádio Aparecida fez um trabalho de pesquisa nos arquivos da rádio, o que acabou se transformando num trabalho de base dos meios de comunicação. “A minha dissertação de mestrado foi publicada na revista Fragmentos de Cultura, de Goiânia, coordenada pelo querido Gil Barreto em três artigos. E agora a tese de doutorado defendida na Universidade Gregoriana dos Jesuíta, em Roma, também vira livro. Vou fazendo de tudo um pouco”, diz mais. 

 

O Papa Bento XVI

“O papa Bento XVI é um dos grandes teólogos do século XX. Foi perito do Concílio Vaticano II e é um dos grandes nomes dos teólogos da Europa. Na função de prefeito para a Congregação para a Doutrina da Fé, ele foi como um ' cão de guarda' da cúria', vigiou, fiscalizou, sobretudo, o nascimento da Teologia da Libertação na América Latina.

Eleito Papa, ele está na Europa, preocupado com a Europa e falando para a Europa, infelizmente, que vive uma grande crise. Com a cabeça européia e sem experiência pastoral, não tomou consciência ainda de que a Igreja na Europa está quase morta e muito viva na Ásia e na África. Eu diria, fazendo uma comparação, a Igreja na Europa está na menopausa, na América Latina, está na juventude e na Ásia e África, na puberdade. 

 

O papa Bento XVI está preocupado com o secularismo hodierno na Europa e parece não ver o outro lado do mundo. Falta visão de mundo, de Igreja de 3º Mundo para a Cúria Romana. 

 

A realidade brasileira

Falando da realidade da Igreja no Brasil, argumenta Pe. Paiva que a CNBB não é mais aquela de dom Ivo Locheider, Luciano Mendes. “Mas não podemos viver no saudosismo. As coisas mudam e, com essa mudança, temos 260 dioceses no Brasil, com uma igreja vivíssima, 400 bispos, cerca de 18 mil padres (seculares e religiosos) e 30 mil religiosas.

 Aí eu pergunto: E os leigos, que é o que forma a Igreja? O leigo tem cada vez menos participação. Nesse sentido, o da valorização da figura do leigo na vida eclesial, há uma regressão, um retrocesso.

Exemplifico com Sacramento, quando cheguei em 1981, havia quatro padres na paróquia, mais dois no seminário que ajudavam, mais os seminaristas na pastoral e um grande número de leigos no trabalho. 

Hoje, a cidade de Sacramento triplicou, o mundo moderno avançou e Sacramento tem dois sacerdotes apenas. Já passou da hora de se criar uma segunda paróquia, mas como não somos o poder de decisão... (risos) 

 

E o papel do leigo? E o planejamento de pastoral? Igreja com centralização é a igreja do medo. Uma religião que causa medo não é uma religião que liberta, é uma religião que oprime. Padre que só diz 'não' e se esquece do 'sim' não fala evangelicamente ao povo. Ai entra o velho jargão marxista: 'o ópio do povo'. Aí a Igreja regride. O Brasil precisa de uma Igreja mais viva...”

 

Proposta do Celam

A V Conferência do Episcopado Latino Americano - Celam, realizada em 2006, segundo Pe. Paiva, ainda não saiu do papel. “A proposta da Celam foi uma missão continental, entretanto é um pouco ilusório e genérico pensar numa missão do México ao Chile. Suriname fala uma língua, o Caribe fala várias línguas e o Brasil que ocupa a metade do continente sul-americano fala português. Vejo que os bispos não conseguiram amarrar ainda uma proposta concreta, mesmo com o método 'Ver, Julgar e Agir'. 

O que se percebe no Brasil é que a Igreja está perdendo adeptos, há estado que conta com apenas 55% de católicos. Tudo por conta do jeito que a Igreja trata os seus fiéis, que estão acordando e buscando outros meios de se realizar religiosamente. Se há perda, é porque não sabemos cuidar do rebanho”, afirma. 

Para o missionário redentorista, o Brasil precisa de uma política religiosa concreta efetivada na pastoral. “Se muda bispo, muda tudo, se muda padre, muda tudo e o povo como é que fica?. Vira povo de missa, que é um sacramento e a consciência pastoral? Para fazer 'Igreja Comunidade', o valor do voto é igual para todos. Falta essa coordenação da CNBB para que se organize a Igreja no Brasil e onde exercê-la. Faz 30 anos, que a Igreja no Brasil não consegue falar para os grandes centros urbanos, faz 30 anos que a nossa Igreja não consegue falar com os jovens. Padres não visitam famílias, não tem contato... ficam esperando o horário da missa, rezam e depois?

Não existe pastoral e ritos sacramentais. Falta base e conteúdo para formação clerical que se apresenta sem raiz e sem consistência. Algumas dioceses, são dois para o estudo de filosofia e três anos para a teologia. Pouco estudo, e padres preocupados com liturgia e dízimo... É aquela coisa: 'Eu sou o padre, eu mando, eu quero assim”, mas isso não é Igreja. A formação religiosa no Brasil é de padre de altar, que quer ser autoridade, seguir carreira”.

Sobre a formação redentorista. “Nossa formação redentorista que é de nove anos a partir da conclusão do ensino médio, poderá passar para dez anos, acrescentando-se mais um ano com intervalo ou após a Teologia, um ano de trabalho pastoral antes da ordenação”. 

 

Pe. Paiva lembra que a década de 50 foi a década de ouro para a Igreja no Brasil. “A Igreja se desvencilhou do governo, ganhou vida, foi para os bairros, para o meio do povo. O pontificado de Pio XII favoreceu  a renovação catequética, bíblica e litúrgica. Aí vem o Vaticano II, levou a Igreja a enxergar o mundo. João XXIII, pediu para abrir as janelas para o mundo. Logo veio a Conferência de Medelín, em 1968, (o ano que não terminou.... e começou o jornal o Estado do Triangulo... parabéns) que traduziu o Vaticano II para a linguagem do povo  e fez acontecer a Igreja do povo, com as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs e, na assessoria, a Teologia da libertação, um encontro feliz. A ação era movida pela fé. Veja em nossa diocese, o espaço que dom Alexandre Amaral, à sua maneira, deu à Igreja povo. Dom Benedito Ulhoa, depois, todos fizeram um grande trabalho na época. De repente, de 1980 pra cá as coisas esfriaram. É preciso reavivar as Igreja, fazer uma Igreja mais participativa, mais dinâmica, mais atrativa”.