Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

O exemplo de Waldemar Fernandes: “A fé sem obras é morta”

Edição nº 1724 - 24 de Abril de 2020

Porque tive fome, e destes-me de comer;  tive sede, e destes-me de beber;  era estrangeiro, e hospedastes-me;Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.  (Mateus, 25:31-46)

 

O aposentado Waldemar Fernandes da Silva completa 88 anos no próximo dia 1º de Maio.  Nascido na fazenda do pai, na região de Jaguarinha, ali cresceu, estudou até o 4º ano e viveu até os 60 anos, quando veio com a esposa Sebastiana Alves morar na cidade. Viúvo há 13 anos, mora hoje em uma edícula no fundo da casa de um dos três filhos, Luizmar (Eliana), , no bairro Maria Rosa. Os outros dois filhos são Iron (Maria Aparecida) e Clevismar (Gasparina), que lhe deram seis netos e 10 bisnetos e todo o apoio para o trabalho social que realiza.

 Desde que chegou à cidade, incentivado por uma força interior, decidiu viver na plenitude as palavras citadas no Evangelho de São Mateus, através de um trabalho que soma 24 anos de amor ao próximo. Espírita desde os tempos da Jaguarinha, onde frequentava o Centro da Ponta Grande, de Antenor Sena, na cidade frequenta semanalmente as três comunidades espíritas da cidade. “De segunda a quarta, cada dia estou numa, no Batuíra, na Casa Fraterna Corina Novelino e no Colégio Allan Kardec”, revela, sem reconhecer um motivo.

“Na verdade, não sei bem o motivo porque comecei esse trabalho. Mas faço isso há 24 anos e, desde o princípio com muito amor. Quando chegamos aqui na cidade, esperei um tempo e um dia falei pra Sebastiana que iria fazer uma visita à Santa Casa. Ela logo perguntou quem eu iria visitar, pensando que fosse algum conhecido. Expliquei que iria visitar os doentes do hospital e ela ainda duvidou. Saí e fui”, recorda Waldemar, prosseguindo. 

“Na Santa Casa havia duas meninas na portaria, conversei com elas, mostrando minha intensão, mas elas me disseram que as visitas eram liberadas só a partir das 6h da tarde. Como era pouco mais de meio-dia, voltei para casa, mas às 5h estava lá de volta. As meninas autorizaram minha entrada e, a partir desse dia até hoje lá se vão 24 anos, que considero uma forma de caridade, de amor ao próximo”, conta o voluntário, lembrando a participação do médico Milton Skaff, de saudosa memória, que intercedeu por ele junto à direção da instituição para que pudesse fazer as visitas mais cedo. “Deu certo, desde então, minhas visitas foram liberadas para qualquer hora”. 

O voluntarismo de Waldemar sempre teve o reconhecimento da provedoria da Santa Casa e das irmãs da Congregação de S. Joseph de Cluny, Ir. Tereza, Ir. Juliana e tantas outras que administravam à época aquele nosocômio. “Tinha amizade com todo mundo. Sempre fui muito bem tratado por todos, sinal do reconhecimento pelo meu trabalho, creio eu. Me lembro muito de Ir. Tereza, Ir. Juliana, das enfermeiras...”, diz mais, recordando uma passagem engraçada com a enfermeira Nininha. 

“- Em uma dessas visitas, eu levei de presente um frango para a Nininha. Ela colocou o frango numa caixa de papelão, levou para o seu quarto e esqueceu... No outro dia, já à noite, ela entrou no quarto e o frango voou. Foi um Deus nos acuda!! Muito susto”. 

 

Palavras de conforto

De acordo com Waldemar, não importa quem seja o paciente internado num dos quartos da Santa Casa, a visita é a mesma. “Levo uma palavra de conforto, de consolo, força, ânimo para que superem suas enfermidades.  A gente conversa, dá até risada e eles acham muito bom. Para alguns, a visita é remédio, eles falam isso e me perguntam se vou voltar no dia seguinte. Agora, aqueles que não se importam, não ligam. Quando vou saindo, aviso que voltarei no dia seguinte. Aqueles que ficam mais dias internados sentem falta. Ás vezes, atraso um pouquinho, quando chego, vejo que ficam felizes. Eles se sentem bem com a visita e eu me sinto melhor por poder fazer essa caridade. E todos me acolhem muito bem. Dou graças a Deus”. 

Bem distante de sua casa, Waldemar não tem um carro próprio, nem utiliza o transporte público para chegar, diariamente, à Santa Casa. Nos seus belos e bem vividos 88 anos, vai de bicicleta, uma Monark que não lembra mais o ano de fabricação, sem marchas. “Na volta já não dou conta de subir o morro. Da Santa Casa vou para o Lar S. Vicente, também pedalando, mas dali até alcançar a avenida do Presídio vou empurrando”, ressalva o voluntário, também conhecido como 'Waldemar da bicicleta'.  

Além da visita aos doentes na Santa Casa, Waldemar visita também o Lar dos Idosos São Vicente de Paulo e o Presídio de Sacramento. Em ambos faz o mesmo, leva sua palavra de conforto e de amizade, bate-papo, jogando conversa fora, como é próprio do bom mineiro. “Lá no asilo tem até conhecido meu. Eu vou, sento lá com eles, contou causos, ouço histórias e vamos passando o tempo”.   

“Na cadeia é um pouco mais complicado, porque eles me recomendam alguns cuidados, mas nunca tive problemas. Eu fico de fora 30 cm da grade e eles lá de dentro. Eles me tratam muito bem. Nos primeiros dias me acompanhavam durante a visita, hoje, não mais. Ali converso com um, com outro, conversas amenas, a gente não vai lá pra dar lição de moral, nem pra julgar ninguém, mas refletir sobre a vida, conversar. Tenho a confiança da direção do presídio, que me autorizou a visitar os presos uma vez por semana”, diz. 

 

 

E de repente teve de parar com as visitas

Em tempos de Coronavírus, Waldemar teve de se submeter à quarentena e confessa, que já sente falta, a ponto de ter a pressão alterada. “Hoje mesmo, fui mais cedo ali na UBS medir a pressão. Estava a 17. Tudo por conta dessa preocupação, sabe? Agora já está 13”, diz no meio da entrevista, lamentando a pandemia.

Aos quase 90 anos, recorda que nunca viu nada igual. “Estou parado por causa dessa doença e isto está me fazendo falta. Sinto falta de sair, conversar, parece até que minha pressão descontrolou. Essas visitas são para mim um remédio, porque estão me fazendo muita falta. Fico inquieto. Ninguém gosta de ficar em casa. Se Deus quiser, não vejo a hora de normalizar, quero voltar a fazer tudo de novo, afirma, ressaltando que sempre teve o apoio da saudosa esposa Sebastiana e dos filhos. 

“Sempre tive apoio da família. De minha esposa, com quem fiquei casado 53 anos e dos três filhos, que continuam me apoiando. Sem falar do reconhecimento da cidade. Da Câmara Municipal, recebeu em 2019, a Comenda do Mérito Legislativo Dr. Clemente Vieira de Araújo, por indicação do vereador Marcos Pires.

Podemos fechar a matéria retornando ao final da mensagem do evangelho de São Mateus, à epígrafe, quando Cristo é questionado: 

“- Mas, Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber, estrangeiro e te acolhemos, ou nu e te vestimos, doente ou na prisão e fomos te visitar?

E a resposta de Jesus foi fantástica:

 

“- Na verdade, vos digo. Toda vez que fizestes isso a um desses mais pequenos dentre meus irmãos, foi a mim que o fizetes!”.