Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Irmãs querem valorizar avó

Edição nº 1683 - 12 de Julho de 2019

Maria Rosalina Martins da Silva, a Doquinha, esteve na redação do ET, acompanhada da irmã, Maria de Fátima Martins, filhas de Maria Aparecida de Jesus e Benedito Martins, pais de outros seis filhos,  Zizico,  Antônio José, João Batista, Luiz Bendito, Carmensilva e Carlos Roberto, todos netos de 'Tia Joana, na verdade, Joana Princesa do Brinco da Rainha de Portugal  Virgem Teodora do Amor Divino, assim registrada no livro de Batismo. 

De acordo com as irmãs, os pais vieram para Sacramento, ela, Doquinha, segunda filha do casal, tinha dois anos.  Hoje, beirando os 70, residindo em Botucatu, sempre que pode vem a Sacramento.  “Amo Sacramento de paixão, se eu não tivesse meu marido família, viria morar aqui. Quem toma água do Borá... Mas venho sempre, apesar da distância. Só este ano estive aqui três vezes”.

Doquinha brinca, que “não faço nada”, mas na verdade faz muito. Ela trabalha com artesanato para doação. “Faço bonecos reciclados com tampinhas de garrafas para doação para instituições, creches, escolas. Já fiz mais de dois mil bonecos e fui parar nas páginas do jornal da cidade”. 

Aqui,  a vida não foi fácil. Lembra Doquinha que estudou no Grupão, (EE Afonso Pena Jr, até o quarto ano e depois foi trabalhar. “Com sete anos eu já trabalhava na catação de café, no seu Eugênio. Saía da escola e ia trabalhar para ajudar em casa. Lá eles me chamavam de Pelé. Comecei como pajem, cuidando de crianças... No Hotel do Comércio, cuidei do Adriano da dona Nancy.  Estive também em casa de famílias, olhei o Cacildinho Bonatti, o Júlinho César Araújo. Foi a mãe dele, a dona Cida, que me ensinou a cozinhar e saí de lá para casar”. 

Como dizem lá os portugueses, Doquinha é uma casadoira... Está no terceiro casamento, “feliz da vida”, diz ela. O primeiro marido foi Paulo Geada, filho do João Geada. “Nós nos casamos e mudamos para Sõ Paulo, onde nasceram minhas únicas duas filhas, Paula Cristina e Jaqueline, que nos deram duas netas.”

Depois de 10 anos de casados, Doquinha e Paulo se separaram e ela foi à luta com as filhas. “Morei em São Paulo 40 anos e lá conheci meu segundo marido, Luiz Marcolino da Silva, que morreu depois de dez anos de casados. Fiquei sozinha durante seis anos, em São Paulo, até que mudei com as filhas para Botucatu. E foi lá que conheci meu atual marido, Hélio Alves da Silva, com quem vivo na maior felicidade”, diz dando uma boa rizada ao lado da irmã, Fátima, mais calada, mas revelando também um pouco de suas andanças. 

“Como a Doquinha, fiz o primário no Grupão e tão logo apanhei idade, ainda criança, fui trabalhar, também no Hotel do Comércio, como ajudante de cozinha. Depois  fui para a chácara da Japonesa, onde fiquei até me mudar para Ribeirão Preto. Fui acompanhando a Mizinha, filha da Da. Maria e Onobuge, quando ela foi fazer faculdade. E eu fui cuidar dela. Já formada, ela veio embora e eu fiquei”, relata Maria de Fátima, recordando os anos na cidade. 

“- Em Ribeirão fiz minha vida. Fui morar com a Dulce, que também morava numa chácara, até que arrumei trabalho na cidade. Me mudei para a casa dos patrões e lá fiquei até conhecer o meu marido, Augusto, com quem tive cinco filhas, que nos deram sete netas e uma bisneta. Hoje, separada, retornei a Sacramento, para a casa da minha avó Joana, a Princesa, Rainha do Congo”.

 

Para Maria de Fátima, que está prestes a se aposentar, retornar a Sacramento, e morar no bairro Chafariz onde passou a infância com os pais e irmãos, e na casa da avó, a Joana Princesa, na av. Conego Julião Nunes, 412, é tudo de bom. “Sempre quis voltar”, confessa. E canta a música de R.C.: “Eu voltei, agora pra ficar, porque aqui, aqui é meu lugar...” 

 

 

O orgulho da avó... 

Tia Joana, conforme Doquinha, veio do Desemboque, na leva dos escravos libertos e foi morar na Mumbuca. “Era a Rainha do Congo. O pessoal do Congo saía da Mumbuca, descia cantando e dançando até Sacramento e encontrava com o pessoal ali na Igreja de Na. Sra. do Rosário, a Igreja dos Pretos. Naquela época ainda existia a coroa original, a verdadeira coroa de ouro, que foi roubada. Sabe-se lá por quem. Essa coroa ficava guardada na Igreja do Rosário e era colocada na cabeça dela no dia da festa. Ela usava duas capas, uma azul de São Benedito e a vermelha, de Nossa Senhora do Rosário. E a gente era criança e saia na Congada também.  Minha avó era rezadeira de terço, uma mulher atuante na política, ligada ao grupo político do Dr. Juca, com quem mantinha muita amizade, não saía da casa deles. Sempre que venho a Sacramento faço uma visita a sua filha, a Hebe. Ficamos lá conversando sobre aqueles tempos”, recorda.

Doquinha, Fátima e toda a família carregam uma mágoa. O maior sonho de Joana Princesa do Brinco da Rainha de Portugal Virgem Teodora do Amor Divino era construir a Igreja de São Benedito no Largo do Chafariz, onde morava e onde estava também concentrada a população negra da cidade. Chegou a erguer os alicerces... E que o Largo do Chafariz levasse seu nome. Nem uma coisa nem outra. Nem a praça levou o nome de 'Praça da Joana Princesa', nem a Igreja foi concluída. Tia Joana foi homenageada com uma rua no Alto Boa Vista e o Largo do Chafariz levou o nome de Eulógio Natal.

Pelo orgulho que têm da avó, as irmãs acreditam que ela deveria ser mais valorizada. “Gostaríamos que ela fosse mais lembrada, nos eventos da comunidade negra, por exemplo, no 13 de Maio, no Dia Nacional da Consciência Negra (20/11), nas festas da Congada, nem tocam no nome dela. Ela foi a primeira rainha do Congo na cidade. A verdadeira Rainha. Ela traz essa marca no nome”, frisa Doquinha, lembrando de um desfile do Congado que passou pela praça sem nenhuma manifestação dirigida a ela. 

“Eles passam ali na praça, sabendo que é dedicada a ela e não fazem nada. Aqui só falam em Carolina, minha avó também tem história. Ela faz parte da história da cidade”, reforça Doquinha, completada pela irmã Fátima: 

“- É verdade, na época que morávamos ali na praça do Chafariz não havia nada. Nossa avó batalhou por aquilo ali, só não construiu  a Igreja de São Benedito  por falta de apoio. Ela chegou a fazer o alicerce, aí ela morreu e destruíram tudo.  Mas ela é parte da história da cidade, foi criada aqui, batalhou por isso aqui”.