Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Orlando da Lojinha: Morre um gigante do comércio local

Edição nº 1189 - 22 Janeiro 2010

Morreu Orlando da Lojinha, uma referência histórica do comércio local. Na tarde do dia 19 a cidade ficou mais triste. No velório, um grande número de amigos, empresários e políticos, esteve presente. Seu corpo foi encomendado, à noite, pelo Pe. Vanderlei Izaumi, e,  na quarta-feira, pelo irmão da Casa de Oração, Olavo  Luiz Miguel, seu contra-sogro. 

Pela sua tradição e exemplo no comércio local, numa justa homenagem, a Associação Comercial Industrial e de Prestadores de Serviços de Sacramento -  Aciapss solicitou o fechamento do comércio das 9h30 às 10h30, para que todos pudessem participar de seu enterro, às  10h00, no cemitério S. Francisco de Assis. 

Orlando Silva:  85 anos de uma vida de exemplos

Orlando da Lojinha (Orlando Augusto da Silva) nasceu no Desemboque, em 8 de agosto de 1924, filho de Agustinho José da Silva e  Maria Francisca da Conceição e cresceu ao lado de mais nove irmãos, entre os povoados de Desemboque, Guaxima e Bananal. No trabalho começou cedo nas lides da roça. Depois, o pai abriu na zona rural um loja de tecidos, iniciava ali aquela que seria a profissão de Orlando até o último dia de sua vida. Por três anos apenas, afastou-se do balcão, quando foi servir o exército en-tre 1944 a 1947, em Itajubá. Eram os tempos da 2ª Guerra Mundial. 

Retornado às origens, casou-se com aquela que seria o grande amor de sua vida e companheira por 62 anos, Euripedina Maria da Silva, carinhosamente chamada por ele, de Euripa. Com a esposa, Orlando muda-se para Sacramento em 1948 e abre sua primeira loja, a Casa Vitória, que o povo consagrou como  ‘Lojinha’, e ele tornou-se o Orlando da Lojinha.  “Ali, na praça Getúlio Vargas, onde morou o Sussu, tinha uma portinha, onde abri a loja, Casa Vitória. Só que todos chamavam de ‘lojinha’, a ‘Lojinha dos Canhotos’, porque eu e meus irmãos que trabalhavam comigo, éramos os três ca-nhotos. Um dia retirei a placa da Casa Vitória e ficou “A Lojinha’ e nunca mais pus uma placa. Esse nome , A Lojinha, Deus abençoou, pois vendi pano demais nesses 57 anos’, disse em entrevista  publicada em 15.01.2006, quando o ET o homenageou com o título de Personalidade do Ano. 

A partir de A Lojinha, que mudou de  endereços ao longo dos anos, Orlando construiu na cidade vários prédios: o prédio da Stock Tecidos, de Nilson Silva (esquina da Capitão Borges/Vigário Paixão), prédio de A Lojinha, hoje da filha Neide Silva Giani (esquina da Capitão Borges com Antônio Carlos,  o prédio na Antônio Carlos, onde estão instalados a PM e outros órgãos públicos e o de sua residência, também na Antô-nio Carlos. Mas o grande império construído em sua vida foi a  família: os filhos, Ayrton (Maria José), Anderson (Maria da Graça), Nilson (Meyre), Neide (Hebert) e Marleida (José Alexandre) e Marisa (José Arruda), falecida. A prole rendeu-lhe   17 netos e três bisnetos. 

Homem de uma simplicidade ímpar, Orlando sempre  foi grato a Deus pela vida e por tudo o que conseguiu. “Sou analfabeto, aprendi somar e assinar o nome, assim como minha Euripa, mas estudamos os filhos todos. Agradecer é pouco. São tantas coisas que tenho que agradecer... De onde  eu vim, aonde eu cheguei não tem explicação. Agradecer é pouco, eu teria que dar a vida. Minha vida foi linda...’’, disse.

Outra lição dada por Seu Orlando: ‘‘ Quando eu completei 80 anos (2004), pedi mais vinte e vou pedir de dez em dez, porque se eu viver 200 anos vai ser pouco para agradecer, pois recebi muito da vida. a primeira vez que calcei uma botina foi de número 39, a gente usava ´precata´de couro, que a gente mesmo fazia. De-pois meu pé cresceu pra 40 e parou de crescer...”. Tudo isso ele contou emocionado, com os olhos lacrimejantes,  na sala de sua casa em 2006, numa das belas entrevista que fizemos. 

Homem  também de  personalidade forte, Orlando conquistou muitos e muitos amigos, porque sua vida foi sempre pautada na honestidade, na ética, no respeito pelos outros, pela caridade. “Sou um trabalhador, mas não sou bonzinho. Tenho muitos defeitos, mas uma coisa sempre tive, sou correto, honesto. O que é meu é meu, o dos outros não me pertence. Nunca cobrei juros de freguês, aprendi isso de um turco na 25 de Março, em São Paulo. Ele (Aghi Abbud) me arrumou a mercadoria. Comprei com cheque, calculei os juros e mandei para ele. Quando fui lá, ele me disse: “Não,  filho, juros são contra as leis de Deus”. Então, eu nunca cobrei juros e sempre vendia a prazo, o dia que o freguês pagasse era aquele o preço...” (em 15.01.2006). 

Embora aposentado, Orlando nunca parou de trabalhar. Passou A Lojinha para a filha Neide, mas não se adaptou à vida ociosa. Adaptou um pequeno cômodo, no prédio onde morava e abriu a Casa Nova, loja de confecções, e continuou sendo o Orlando da Lojinha.   

Para a filha Neide, a morte de seu pai encheu de orgulho a família. "Ele foi muito mais além da família, ele ajudou os irmãos, muitas pessoas a se formarem, levou caixões a indigentes. E o grande exemplo que deu como comerciante se iguala a uma lição de um professor. Papai morreu ensinando as funcionárias novatas, Jaqueline e Amanda, a cor-tarem tecido. Quando estava no sétimo metro, mostrando a elas como se fazia, ele passou mal. Um homem com 85 anos, num calor de verão, 2h00 da tarde, sol ardendo, pernas cheias de varizes, lá estava ele de pé, cortando tecido... Isso nos enche de orgulho", disse. 

O sucesso de  Orlando era aquele que deve pautar a vida de todos. “Não tem segredo para o sucesso, para mim o cliente é nota mil. Todo respeito, atenção é pouco para um cliente. Vem um cliente lá da roça, ele quer atenção, respeito...”, disse e deu uma receita inclusive sobre  crise. “Não tem segredo, é só batalhar com respeito e fé em Deus. Crise? Não sei o que é crise. Crise é a gente que faz.”

Orlando da Lojinha morreu como viveu, serenamente e deixa um grande vazio nos corações da  esposa Euripedina,  filhos, netos, bisnetos, amigos e grandes lições para o comércio local.