Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Como fazer uma redação nota 10

Edição nº 1716 - 28 de Fevereiro de 2020

O Prof. Edson Carlos Mendes de Souza cultiva um imenso carinho por Sacramento. Ao lado da esposa, a sacramentana Suzana Caramori Borges, volta e meia vem rever parentes e amigos. Na sua última visita tivemos o prazer de conversar sobre seu último livro, 'Aqui mando eu – Método Paideia de Redação'. Para os amantes das letras, aqueles que cultivam o bom hábito de ler e escrever, o livro cai em cheio como uma ferramenta imprescindível, ainda mais para os professores de Língua Portuguesa. Veja abaixo se não temos razão. 

 

O Professor Edson Carlos Mendes de Souza, acompanhado da esposa, a sacramentana Suzana Caramori Borges, esteve na redação do ET, apresentando o seu livro, 'Aqui mando eu', que trata do Método Paidéia de Redação, desenvolvido por ele durante seus longos anos de trabalho com a escrita, e lançado em dezembro de 2016. Prof. Edson Carlos é graduado em Letras/Francês pela Universidade de Brasília (UNB), desde 1972. Também na UNB cursou mestrado em Linguística e por muitos anos foi professor no Colégio Bernoulli. Desde 2000 trabalha como autônomo no Centro de Estudos Paideia, em São Gotardo. Com uma simpatia e atenção ímpares, prof. Edson conversou com o ET, nos prometendo uma vinda a Sacramento para um curso com os professores. Confira.  

 

ET - Tudo começa no seu livro com os rabiscos num brochurão e uma conclusão inusitada: “Aqui mando eu”. Qual o valor de um caderno brochurão para aprender a escrever? 

Prof. Edson -  Todo aluno traz em si uma história e quando ele aparece para estudar noto que ele está tenso, então uso um caderno brochura, barato, abro a primeira página  e peço que pegue a caneta e rabisque a folha. E ele risca, risca e acha interessante. Em seguida peço que escreva “Aqui mando eu” - e considere-se batizado. É incrível como isso funciona! Parece que tira do aluno uma armadura, ele fica leve, fica à vontade, e aí sim, começamos o trabalho.

 

ET - No livro, o sr. fala da importância da leitura para construir um bom texto. E o método Paideia, conforme explica, fundamenta-se em três colunas para atingir seus objetivos: histórias, esquemas e alegorias. As histórias que o aluno traz fazem parte dessa 'importância da leitura'?

ET - Exatamente. Estou acostumado a trabalhar com alunos a partir dos 12 anos, inclusive uma experiência recente, porque antes eu trabalhava só com alunos do terceiro ano do ensino médio. Mas, com todos, uso muito a história. Todo mundo gosta de ouvir histórias. Inclusive, no último curso que ministrei contei umas 70 histórias, todas curtinhas e que, normalmente, têm humor e exigem uma percepção muito fina, que exige interpretação. As histórias são a primeira coluna do meu método. Contando história, o aluno vai gostando, se desarmando e interessando. Porém, a história é um exercício complexo, porque ao mesmo tempo que eu conto, ele tem que ouvir e anotar, depois ele me conta a mesma história e finalmente vem a escrita. Enfim é um ciclo completo, mas reafirmo: contar história é uma grande ferramenta para o professor. 

 

ET -  Referindo-se à segunda coluna, ainda têm valor os famosos 'esquemas', introdução, desenvolvimento e conclusão, fechando o texto com o pensamento inicial?

Prof. Edson - Sei que, normalmente, os professores que trabalham com redação usam esse método: introdução com tantas linhas; desenvolvimento com três parágrafos... Mas eu nunca falo sobre isso, apenas trabalho com textos bem estruturados, bem elaborados, bem escritos. Uso esses textos e uso a alegoria do relógio, que se resume no seguinte: a pessoa pega um relógio, vai desmontando e montando até que, depois de fazer isso umas 200 vezes, ele vai funcionar. 

 

ET - Duzentas vezes?

Prof. Edson - Sim. E por que falo em 200? Porque os meus alunos fazem 200 textos ao longo de seis, sete meses. Ou seja, eles desmontam e montam o texto em forma de esquema e, ao fazer isso, de forma muito natural, ele vai dominando a estrutura do texto. Este é um processo menos estressante, mais fácil, mais natural, que faz com que o aluno vá adquirindo confiança e quando a gente vê... Cito no livro o meu mascote, o Gabriel, que hoje é médico em Belo Horizonte. Ele fez a melhor redação no vestibular da Ciências Médicas. Nossos alunos saem com pontuações excelentes, notas altíssimas no Enem, nos vestibulares, sem nunca terem ouvido falar em:  introdução se faz com tantas linhas; desenvolvimento com três parágrafos...

 

ET. O Sr. Falou em 200 redações, mas sabemos que na prática, os alunos fazem 20, 30 redações por ano e isso não ocorre só nas escolas em Sacramento, não...

Prof. Edson - Posso até dizer que é uma média boa. Mas eu aplico muito mais e explico para eles a diferença entre fazer prova e treinar a escrita. O aluno geralmente não quer treinar, ele só quer fazer prova, e prova é pouco mesmo. O aluno quer nota. Tanto é verdade que toda redação que ele faz, ele acha que tem que ter nota, mas eu não dou nota. Leio, faço as considerações, mas não dou nota. E quando o aluno percebe isto, ele “pula n'água” pra valer, porque comparo muito o escrever com o nadar. Se toda redação fosse uma prova de competição de natação ele vai nadar muito pouco, mas antes dessa competição ele tem que treinar e muito. E aí cito o Bernardinho com o livro dele, “Transformando suor em ouro”. No caso da redação, o ouro é a nota 1000 no Enem, então ele tem que suar, nadar, treinar muito.

 

ET - Quem lê muito aprende a falar bem e a escrever bem. Até que ponto essa assertiva tem importância no método Paideia? 

Prof Edson - É uma coisa elementar, porque só vai falar a pessoa que primeiro ouvir, isso começa lá nos primeiros dias de vida. Já num estágio mais avançado, na escola, temos tido sucesso nos anos iniciais, porque as crianças leem seus livrinhos... A coisa começa a complicar no final do ensino fundamental (8º e 9º ano). O aluno passa a ler menos e nós queremos que ele escreva, isso não vai acontecer. E aí ele vai precisar das tais receitas e o Youtube está cheio delas. E, às vezes, até funciona, mas de uma maneira muito sofrida e com resultados chinfrins, muito baixos, porque seguem um padrão meio estereotipado. Poucos conseguem-se sair bem.  Já vi nota l000 em redações do Enem, que eu não daria, porque não são redações vivas, não vêm de dentro da pessoa.  E esse trabalho é o professor que tem que fazer, incentivar a leitura, fazer o aluno gostar de ler, porque o aluno que lê, naturalmente, tem mais facilidade para escrever, para interpretar, para entender. 

 

ET - Como professor, qual sua metodologia para incentivar a leitura desses clássicos

Prof Edson - A minha metodologia é muito prática e acessível tanto para o professor quanto para o aluno. Faço uma seleção de textos curtos em forma de livrinhos, que o aluno recebe no início do período. O último, que concluí agora no segundo semestre, é um livreto com 15 contos de Clarice Lispector, Viriato Correia, Machado de Assis e Guimarães Rosa. E leio com os alunos. É um trabalho de oficina e a partir disso chegamos a um livro, como por exemplo, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Cito esse livro, porque uma de minhas alunas, Maria Luísa, que tirou a maior nota na UFU/Uberlândia em 2013, leu três vezes esse livro. E numa conversa ela revelou que a primeira leitura foi muito difícil. 

 

ET - Na escola, obrigado a cumprir um programa curricular, como o Sr encontra tempo?

Prof. Edson - Isso tudo é um trabalho do professor com o aluno, mas só faz isso o professor que realmente está livre para conduzir o processo da maneira que ele achar que funciona melhor. Se nos apegarmos aos conteúdos da grade curricular, não sobra tempo mesmo não. Eu fiz a escolha pela leitura, porque só falar para o aluno não funciona. Ele não vai ler. E todo ano renovo a coletânea, que tem funcionado muito bem. 

 

ET - Ainda dentro dessa questão, no seu livro, 'Aqui mando eu', o Sr aconselha a grifar palavras desconhecidas, recorrer ao seu significado e registrá-los, fazer uma avaliação e até uma resenha... 

Prof Edson - Sim, eu tenho isso no livro. Falo que inventei um aparelho chamado BI (B de braçal e I de intelectual) e explico que há dois tipos de alunos: o braçal, é aquele que senta, pega o livro,  de repente levanta, vai na geladeira, volta, pega o livro, levanta vai ao banheiro e os pais pensando 'nossa, meu filho está estudando bastante', quando na verdade ele está numa atividade braçal. O intelectual, não. Ele senta e fica olhando para o livro. Não faz nada, daí a pouco está dormindo... A pessoa não pode ser nem um nem outro. Eles são extremos, o certo é ser meio termo. Grifar uma palavra é atividade braçal, mas é inteligente. Ir ao dicionário, abri-lo, é braçal, mas ler o significado é ser intelectual. O BI está à venda,  funciona como um termômetro. Se emite um som baixo e grosso,  a atividade do aluno está muito braçal, um som agudo, estridente, mostra que o estudante está na fase intelectual, não está agindo bem... (Risos). E eu aprendi a importância de grifar de forma muito prática.

 

ET - Pode revelar?

Prof. Edson - Claro, uma vez fui a São Paulo e me perdi, e a pessoa que foi me orientar me sugeriu observar, através de pontos de referência: 'Você tem que olhar e marcar certos prédios,  praças, placas'. E foi uma lição. Então na leitura de um livro, quando a pessoa grifa, ela está marcando pontos para não se perder. Um texto é como uma cidade e quanto mais complexo, maior a cidade. Grifar, marcar, pesquisar tem um efeito fantástico. 

ET - Como abandonar os clichês sugeridos muito pela internet como parâmetros para uma boa redação?

Prof Edson - Primeiramente ele terá que passar pelo batizado, que aliás está lá nas Escrituras: 'Quem não for batizado, não se salva'. Então, na verdade é a pessoa obedecer a si mesma, daí a importância do 'Aqui mando eu'. A pessoa que segue isso, não precisa fazer esforço nenhum para ser original e abandonar clichês. O fato de ela ser ela mesma acontece naturalmente.  E posso mostrar isso, inclusive em redação com nota1000 do Enem. Uma delas é da estudante Larissa Freisleben, em 2014, dentro do tema publicidade infantil. Ela começa falando que as crianças ao assistirem à Pepa Pig acham normal ficar roncando como porco. De onde ela tirou isso? Da vivência. O texto dela é originalíssimo, saiu de suas experiências. Pessoa que faz isso não segue  clichês, é original sem fazer esforço.  

ET - O copo e a água é outra metáfora bem legal que o Sr utiliza para valorizar o ensino do Português para conhecimento das demais matérias. Como funciona? 

Prof Edson - É muito simples. Peço que um aluno me traga um copo d´água, mas é uma jogada ensaiada, de mentirinha, tudo ensaiado com esse aluno. Ele sai e some, e a turma toda esperando que ele volte. De repente, ele chega com a mão em concha, me oferece a água. Os alunos ficam todos espantados. Eu recebo a água com as mãos em concha, ofereço para os alunos e, claro, ninguém quer. Eu bebo a água (que na verdade não existe). Espero o aluno se sentar e aí o chamo novamente, dizendo que ele trouxe pouca água e peço para buscar mais. Ele repete o gesto e os alunos continuam sem entender nada. Até que eu sugiro pra arrumar um copo e me buscar mais água. Então, bebo aquele copo cheio de água e me abasteço. 

 

Paideia, formação geral que tem por tarefa construir o homem como homem e como cidadão, que data da Grécia Antiga.  Platão define Paideia como "(...) a essência de toda a verdadeira educação ou Paideia é o que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento" O método foi o carro chefe do educador e filosofo brasileiro Paulo freire, um dos grandes pensadores na história da Pedagogia Moderna, que influenciou o movimento chamado Pedagogia Crítica, descrita por Henry Giroux. (Grifo nosso/internet)

 

ET - Não entendi.

Prof. Edson - Nem eles. Então eu digo que aquela encenação é uma alegoria. Pode-se carregar água com as mãos em concha, mas sempre em pequena quantidade. Se for para matar a sede de uma pessoa distante, serão necessários, talvez, anos, carregando água assim. O copo é o Português. Quem não tiver um Português forte, grande, cultivado vai demorar muito para carregar toda a água de biologia, física, química, geografia, até matemática, filosofia... e a prática da vida. Sem copo, fica-se nos cursinhos, às vezes, cinco anos. Então, quem não sabe Português não aprende as outras matérias. 

 

 ET - É errando que se aprende a escrever, Prof. Edson?

Prof Edson - Exatamente. Falo até num monumento ao erro, porque o medo de errar trava a pessoa, ela leva meia hora para escrever 20 linhas e de péssima qualidade. Só escreve bem quem escreve. E é importante a pessoa errar, porque assim vai se aprimorando. Eu falo para os meus alunos: “Vocês têm que errar é agora, no dia da prova não poderão. Então, vamos errar bastante. A pessoa que não erra não vai pra frente. Só erra quem faz. Quem não faz não erra e não vai a lugar nenhum. O aluno tem que errar e cabe ao professor acompanhar.

 

ET - Temos dois livros aqui na redação da escritora sacramentana, Carolina Maria de Jesus, 'Quarto de despejo' e 'Diário de Bitita'. Dois best sellers. Ela não teve nenhuma dessas lições que o Sr cita na entrevista. Desconsiderando as palavras erradas, que valor o Sr dá para a criatividade, as ideias de alguém que cursou até o 3º ano primário, e escrevia histórias lindas nos seus cadernos, assim como de alguns alunos?  

Prof Edson - Conheço Quarto de Despejo e gosto muito. O outro não conheço, mas deve ser igualmente bom.  Eu cito no livro outra alegoria, 'o Secretário e o Deputado. Se quiserem que no livro de Carolina não tenha nenhum erro é só entregar para o secretário, que ele corrige e certamente vai perder alguma coisa. Ele não precisa e não deve ser corrigido. Ela fez o trabalho do deputado – se bem que deputado hoje anda com um prestígio muito baixo. Mas supõe-se que seja a pessoa que cria, toma iniciativa, descobre as coisas, e Carolina fez esse trabalho. Digo isto, porque já fui secretário de deputado e ele era como a Carolina, não sabia as regras do Português, mas eu redigia aquilo que ele mandava redigir. Houve uma vez que ele pediu para redigir um texto e eu o fiz, mas ele não gostou: 'Não foi assim que mandei fazer'. Eu me recolhi na minha condição de secretário e fiz como ele pediu. 

 

ET - E quem seria mais importante, Carolina ou seu secretário? O deputado que lhe contava a história ou o seu texto corrigido?

 

Prof Edson - Fiz essa pergunta aos alunos e a maioria respondeu que era o secretário. Um apenas respondeu que era o deputado, justificando que ele é quem pensa, é quem defende e quem assume a responsabilidade. E esse aluno está certo.  Jogando isso dentro das escolas, vemos que todos se preocupam em formar secretários, ninguém pensa em formar deputados. Claro que o secretário tem o seu valor, mas na função, o mérito é do deputado. Igual a Carolina, ela era uma observadora, tinha vivência, tinha ideias, tinha iniciativa. Eu, particularmente, gosto de recolher material dos meus alunos, é um material muito precioso, principalmente quando eles não estão escrevendo para agradar, mas o que vem de dentro, que vem das suas vivências e experiências e que rendem coisas muito boas.