Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Renato Cordeiro Mecca - Superação e sucesso

Edição nº 1646 - 26 de Outubro de 2018

Vamos hoje contar uma história maravilhosa, que reúne drama, tristeza, mas sobretudo, superação e amor, conceitos que fazem toda a dor vivida por nosso protagonista desaparecer. Estamos falando do professor de Educação Física, Renato Cordeiro Mecca, podemos dizer, um sacramentano que nasceu em Franca, no dia 12 de outubro de 1979,  filho de Maria Beatriz Cordeiro Mecca e de Antônio Carlos Mecca, neto do saudoso Prof. Jorge Fidelis Cordeiro e da querida Amália Rezende Cordeiro.  Graduado pela Unesp de Bauru, pós-graduado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e especialista em Atividade Física Adaptada. Foi coordenador do setor desportivo adaptado da APAE de Bauru; foi posteriormente gerente do setor aeróbico da Celebrity Fitness, uma rede de academias na Ásia, onde atuou como professor de ginástica e personal trainer; foi também Master Trainer da ales Mills na  Nova Zelândia, além de ciclista profissional de mountain-bike. 

Há seis anos fora do Brasil, Renato exercia sua vida profissional do outro lado do mundo, quando foi vítima de um acidente de moto na Indonésia, em 2013, que o deixou tetraplégico. Tudo foi fantástico desde os primeiros socorros à mobilização criada a seguir, através da família, amigos, médicos e culminando na realização de uma das mais ousadas remoções de paciente em estado crítico já registrado pela Medicina, de Singapura para o Brasil. A história de Renato, como dissemos no início, tem um final feliz, hoje, como ele próprio narrou, a experiência de um jovem desportista que soube vencer e voltar à ativa, numa demonstração de que ao ser humano a superação é possível quando há vontade, persistência, fé e amor. Visitando a avó Amália no último final de semana, Renato recebeu o ET para uma entrevista. 

 

A saída do Brasil em 2006

“Depois de várias especializações, acabei me profissionalizando em ginástica de grupo, e personal trainer. Concluí os estudos em 2002 e, em 2006, recebi uma proposta para trabalhar numa rede de academias na Ásia. Como lá, eles não têm faculdade de Educação Física, então não produzem profissionais. Fui convidado para gerenciar a parte aeróbica da rede Celebrity Fitness, com um volume de trabalho muito grande, revelando-se, na verdade, tudo novo para mim. Língua nova, país mulçumano, cultura diferente... Por isso vivi um ano completamente estressante. Mas, logo depois, as coisas começaram a se desenvolver melhor. Uma das minhas funções, além de dar aulas, era criar e treinar um grupo de instrutores para trabalhar na rede Celebrity Fitness, que reúne 54 academias na Indonésia, Malásia, Singapura e Índia.  

No começo de 2006, cheguei a Surabaya , a segunda maior cidade da Indonésia, mas viajava bastante, porque, além de ser professor Celebrity, eu trabalhava para uma companhia  da Nova Zelândia, que faz aulas de ginástica  em grupo e vende para o mundo inteiro, inclusive para o Brasil. Então, conheci muitos lugares por toda Ásia, pois viajava bastante. E foi aí que, depois de seis anos completos, em janeiro de 2013,  sofri o acidente.

 

Como aconteceu o acidente 

O acidente ocorreu em Surabaya, no dia 25 de janeiro de 2013, uma quinta-feira, feriado na Indonésia.  Tínhamos um grupo de quase 30 motos da Ducati. Saímos de manhã para um passeio e quando voltávamos, no início da tarde, após uma chuva, ao passarmos por uma rotatória, um caminhão de entrega, achando que as motos haviam passado, entrou na rotatória, onde ainda estávamos eu e mais dois colegas atrás de mim. Eu tentei frear, mas o para-choque traseiro dele entrou na roda dianteira da minha moto, travando-a e me arremessando de frente ao asfalto.

 

Lesão medular cervical

Eu tive uma lesão medular de nível cervical 3 e 4, teve que fazer reconstrução óssea retirada de uma parte do quadril para aparafusar as vértebras de C2 à C5. São oito parafusos no pescoço. Me levaram para o hospital, e um dos meus amigos que é ortopedista, aliás, um dos melhores da Indonésia realizou a cirurgia. Ele convidou um amigo para ajudá-lo e, juntos, compraram o material correto para colocar no meu pescoço e no sábado passei pela cirurgia. Porém, a estrutura, a condição hospitalar da Indonésia é muito deficitária. Eles não têm condições de reabilitar um paciente com lesão cervical como a minha. 

 

Transferência para o Brasil

Meu irmão chegou à Indonésia no domingo, três dias depois do acidente e conseguiu me transferir para um hospital com melhores condições em Singapura, 14 dias depois do acidente. E foi lá que saí um pouco da fase crítica a que o acidente me levou. Mesmo assim, meu estado ainda era muito delicado. Imediatamente meu irmão, iniciou os trâmites no sentido de buscar ajuda do governo brasileiro. E, do Brasil, minha mãe também iniciava uma campanha de solidariedade, visando meu traslado de Singapura para o Brasil, o que aconteceu depois de 47 dias do acidente. Eu estava extremamente debilitado. Eu vim ligado a um respirador mecânico, com uma escara (ferida)  muito grande aberta. Eu havia perdido mais de 30 quilos, uma febre constante, que não cedia com nada, mas por Deus eu cheguei aqui e aí uma nova vida começou...”

 

A força para suportar tanta dor...

Veio de Deus! Para suportar tudo isso, essa era a única opção, eu me apeguei a Deus. Não tenho família lá e nenhum contato mais próximo. E o índice de morte na Indonésia para esse tipo de lesão, é muito alto. Então, se eu tivesse ficado lá, eu teria morrido. E vir para o Brasil não foi uma simples opção, mas a única opção de sobrevivência.

 

Motivação veio do irmão

Quem cuidou de mim e conseguiu o transporte da Indonésia para Singapura, e depois, toda a remoção de Singapura até os médicos chegarem para me trazer para o Brasil, foi o meu irmão...  Não tive uma orientação psicológica ou de algum profissional da área. Como eu disse, eu me apeguei em Deus, em primeiro lugar. A outra grande motivação veio de meu irmão. Ao vê-lo fazer tudo isso, tive de lutar junto com ele, eu não podia abandoná-lo depois de ver o seu esforço. E, claro, minha força veio também da família que me esperava aqui no Brasil, meus pais, minha filha... 


Reconhecimento aos Médicos

Apesar da deficiência na infraestrutura hospitalar, reconheço, imensamente agradecido, o grande trabalho e suporte dos médicos que cuidaram de mim o tempo todo. Principalmente os que foram daqui do Brasil para me buscar lá. Dr Daniel Cordeiro e Dr Gil Teixeira. E também à minha família, principalmente meus pais que me ajudaram muito psicologicamente após a minha chegada ao Brasil para que eu aceitasse tudo isso numa boa. 

 

Adaptando-se às necessidades

Passei cerca de três meses no HC de Ribeirão Preto, até que recebi uma alta parcial, o que me permitiu permanecer na casa de minha tia, em Ribeirão por mais seis meses com acompanhamento, para um período de reabilitação. Em março de 2014, pude retornar para a casa de meus pais, em São Carlos, mais de um ano depois do acidente. Foi quando iniciamos o período de me adaptar às minhas necessidades. Como por exemplo, a melhor forma para tomar banho, como vestir roupas, como sair da cadeira para a cama. E da melhor forma possível fomos nos adaptando, até que as coisas realmente começassem a funcionar e serem eficientes. 

 

Dando a volta por cima

E aí veio a necessidade de eu tomar conta da minha vida, pelo menos mexer no telefone e no computador. Foi quando comecei a desenvolver um dispositivo que me desse a autonomia de realizar o que fosse possível, operar o computador, o celular, minha conta bancária... mesmo sem poder mexer as mãos e braços. E assim, as soluções vieram surgindo. Mas isso tudo não mexeu só com a minha autoestima, mas também com a minha inclusão ou reinclusão nas atividades. Isso influenciou também os familiares e a todas as pessoas a minha volta. E foi muito bom ver meus pais felizes por me verem produzindo novamente. E foi aí que resolvi patentear algumas das minhas invenções, colocar no mercado e tentar ajudar, alcançar e criar valor para outras pessoas. Transformar vidas como transformou a minha também. 

 

E surge então a TWSolution

No meio do ano passado, começamos a formalizar um tipo de negócio e, criamos a TWSolution (Tetraplegic World Solution) uma empresa de tecnologia assistiva, acessibilidade digital e palestras. É claro que visa um lucro, porque produzimos e vendemos alguma coisa. Somos uma empresa que gera receita para custear as pessoas que trabalham conosco. 

 

E surge, então, a TWSolution

Mas o meu maior objetivo é gerar valor às pessoas, transformar vidas, tornando as pessoas incapazes em capazes de  novo, que foi o que aconteceu comigo. Embora eu precise de ajuda para quase 100% de tudo, quando estou online, trabalhando, no computador eu trabalho 100% independente, como qualquer outra pessoa. Esse hardware que criei e patenteei, chamo de FREETOUCH® e é o que me ajuda a operar qualquer dispositivo digital e qualquer software, mesmo que não seja adaptado. 

 

O que é o FREETOUCH®?

O FreeTouch é um dispositivo apoiado à minha cabeça e que me possibilita e a qualquer outra pessoa a trabalhar sem usar as mãos. No começo eu precisava da ajuda da minha mãe para apertar as teclas, para escrever, mas eu vi que precisava ser independente. O meu primo, que é engenheiro, me ajudou a desenvolvê-lo, e daí pra frente fomos aperfeiçoando-o. É um dispositivo bonito, leve, que pode ser usado o dia inteiro.  No início foi necessária uma adaptação, o aprendizado, mas depois dessa fase inicial, posso operar qualquer dispositivo digital normalmente, o que me da autonomia, liberdade e privacidade. Afinal hoje 95% do que precisamos, resolvemos pelo celular. E já temos feedbacks de tetraplégicos como eu, que voltaram a estudar, a trabalhar e que já estão reintegrados, pelo menos em atividades online. Há casos de pessoas com paralisia cerebral, amputadas, usando o FreeTouch e este valor é o que vale mais. Transformar vidas. 

 

'Como interagir com um cadeirante’

Na internet já tenho vários vídeos mostrando essa história de superação. São respostas em forma de orientação a perguntas de pessoas que querem saber como é a vida agora. E assim vou publicando os vídeos, que estão disponíveis na internet. Uma versão virtual acaba também de chegar à internet, o e-book, 'Como interagir com um cadeirante', à disposição dos interessados, que podem fazer o download (baixar) gratuitamente, através do site www.twsolution.com.br 

 

As lições que a vida nos dá...

Quantas lições posso tirar disso tudo! A primeira lição foi a minha mesmo, o acidente, a chegada ao Brasil numa viagem de 34 horas, em estado crítico, que não foi fácil... A segunda lição foi poder rever meus pais, minha família, minha filha Fernanda, hoje com 16 anos.    E ouvir que por um momento todos achavam que não fossem me ver nunca mais, porque se eu morresse lá, o único jeito de vir embora seria cremado. Agora é só agradecer pois não tenho o que reclamar. A vida na verdade continua, e tudo o que passei é a minha alavanca para não ficar parado. Hoje estou de volta ao mercado de trabalho, não só pelo simples fato de trabalhar, pois tenho uma filha que precisa de mim, tenho que me sustentar, além do tratamento que é muito caro, mas sobretudo pelo fato de me manter ocupado o dia inteiro. Ociosidade gera depressão, por isso me mantenho ocupado e produzindo e isso gera um bem estar geral a todos que nos rodeiam. 

 

Ainda restam sonhos...

Os sonhos não são mais tão distantes, porque tive que  me readaptar e começar do zero. Agora, meus sonhos são bem próximos, tais como sair da sala de casa, e hoje eu posso. Poder operar meus dispositivos sem precisar ficar falando minhas senhas para que outros me ajudassem, ou seja, ter essa autonomia e independência como valor. Então, são sonhos que, a curto prazo, já realizei muitos... E o que me deixa mais contente é me sentir sempre perto das pessoas, normal de novo e de ver e sentir pessoas admirando o que eu faço. Ou de verem que estou feliz, por ajudar outras pessoas em situações piores que a minha e de poder mostrar-lhes que não podemos baixar a guarda, que temos que continuar sempre em frente. E que isso só depende de nós...

 

 ET - Renato, pra terminar, diante da lembrança da figura bíblica de Jó, no livro, 'Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas', Harold Kushner,  tira uma lição depois de tantas adversidades sofridas por Jó: “Nas adversidades, não ceda à tentação de abandonar a fé em Deus...”.  Foi o que sentimos nessa bela história sua.

Renato - A fé e a esperança a gente nunca pode perder. Quando aconteceu o acidente numa quinta-feira, eu fui levado para o hospital, eu não me lembrava do acidente, não me lembrava de nada desde o dia do fato até o domingo, quando meu irmão chegou. O que eu sei é o que as pessoas me contaram. Pessoas que estavam comigo, disseram que eu falava muito, falei onde estavam os documentos, chamava minha mãe. Contaram-me que  no dia da cirurgia,  no sábado, dois dias depois do acidente,   tive uma parada cardíaca e fiquei seis minutos sem sinais vitais. Então, depois desse tempo parado, voltar à vida já foi um milagre. Depois dessa parada, a probabilidade de eu sobreviver era muito baixa e meu irmão conseguiu me levar para Singapura, e esse foi o segundo milagre. E ainda, o traslado de 34 horas de voo, de Singapura para o Brasil foi o maior dos eventos e o terceiro milagre. Isso foi Deus presente em tudo e me direcionando agora para uma nova vertente, onde posso me ajudar e ajudar outras pessoas. Essa é minha missão agora e agradeço muito a Deus por me ter posto nesse caminho. Nunca foi sorte, sempre foi Deus.