Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Pe. Inácio de Medeiros: Começa a Primavera da Igreja

Edição nº 1374 - 09 Agosto 2013

O redentoriwta, Pe. José Inácio Medeiros,  ex-pároco  de Sacramento, ex-diretor da Rádio Aparecida, hoje vice-provincial, em Araraquara, faz parte de uma das equipes missionárias da Congregação. Sempre que pode, em suas férias dá um pulinho a Sacramento, onde guarda muitos amigos. Este ano não foi diferente, afinal, 'o bom filho sempre a casa torna'. Na área de lazer de Wilmondes e Nancy Melo, casal amigo que sempre o hospeda, Pe. Inácio falou ao ET.

 

ET - O bom filho a casa torna...

Pe. Inácio - É sempre uma alegria voltar a Sacramento e cada vez que volto é como se fosse um reviver de situações, de acontecimentos e de criações que foram muito felizes nos anos que aqui passei, e que me permitem fazer essa quase memória do que pudemos construir. Outro elemento que nos contagia, é que a memória dos redentoristas continua muito forte em Sacramento, não apenas pela minha pessoa, pois sei que muitos outros padres também passam por aqui. Faz 16 anos que deixei Sacramento, outros padres faz muito mais tempo, mas há essa memória viva, um enraizamento muito grande da história, espiritualidade e valores da Congregação Redentorista que mesmo não tendo a nossa presença física, o povo continua revivendo, tornando presente isso. Particularmente, eu continuo tendo laços de amizade com muita gente. E o interessante é que o tempo passa, mas a cada vez que volto, as pessoas se recordam e isso é mútuo e  é o que nos faz voltar. Já fazia dois anos que eu não vinha e a saudade começa a bater à porta. 

 

ET - Esses laços de amizade nos faz lembrar da visita do Papa Francisco que destacou numa de suas mensagens, “sempre se pode botar mais água no feijão” e é isso que acontece com o casal Wilmondes e Nancy. Fale um pouco dessa amizade e de seu tempo em Sacramento. 

Pe. Inácio - O tempo que passei aqui foi uma conquista, porque eu vim para Sacramento com  uma missão inglória. Já se falava da saída dos redentoristas da cidade e eu vim designado pelo provincial, Pe. Hélio Libardi, com a missão de organizar essa saída. Recordo-me que, no começo, o choque do sacramentano foi muito forte, por saber que 'aquilo que a gente não queria, agora iria acontecer'.  E eu senti muita oposição no começo. Tomei posse no domingo de Carnaval de 1991, com a presença do dom Benedito Ulhoa Vieira e entreguei a paróquia aos diocesanos, no caso, ao Pe. Levi, no início de fevereiro de 1996, mas  fiquei na cidade por um ano trabalhando na rádio Sacramento e nas missões. Só deixei Sacramento em 1997. Eu vim marcado por uma missão inglória vivi um começo difícil, só que depois, não sei direito como, fui conquistando a simpatia do povo, ao lado dos padres da comunidade  redentorista que aqui estavam, os padres Brás e Edvaldo, que tiveram uma proximidade muito grande com o povo e isso amenizou o processo,  não deixando marca negativa pelo fato de termos entregue a paróquia. Desse tempo, restaram muitos amigos, dentre eles o casal Wilmondes e Nancy. 

 

ET - Mudando de assunto, vamos falar da visita do papa Francisco. O Brasil já recebeu a  visita de três Papas: João Paulo II, por três vezes (1980, 1991 e 1997); Bento XVI, em 2007 e agora o Francisco. Agora, a perguntinha, de qual você mais gostou?

Pe. Inácio – Do papa Francisco. Na primeira visita do Papa João Paulo II eu era seminarista, ordenei em 1984. Já em 2007, quando o Papa Bento veio para a V Conferencia Episcopal, eu já estava na direção da Rádio Aparecida, estava na retaguarda de todo o trabalho de cobertura, como agora. Respondendo à pergunta, vou falar do que pude perceber. Antes da chegada, vi uma diferença nos próprios jovens que estavam em Aparecida antes da chegada dele. Dias antes, tivemos a Jornada Afonsiana de jovens redentoristas e, em Aparecida, encontrei inúmeras caravanas de outros países já em clima de euforia. O Papa João Paulo II demonstrava toda a sua alegria e comunicabilidade, mas tinha um quê europeu. O mesmo comportamento a gente percebe no Papa Bento. 

 

ET – E Francisco...

Pe. Inácio - É latino-americano, é mais calor humano, de chegar, abraçar, estar próximo. O latino-americano chega e, logo, é como se estivesse em casa, o europeu, não, é mais reservado, há um certo distanciamento,   uma certa frieza. O papa Francisco é nosso, é de casa, tem um calor humano muito grande. E vou dizer com franqueza, sabemos que uma pessoa antes de ser 'o Papa', é um ser humano feito de carne e osso como nós, mas que, quando a gente chega perto sente um quê de divino a gente sente  mesmo. É impressionante a sensação. Tive a oportunidade de estar lado a lado com ele e é uma sensação quase que divina. O Francisco com 76 anos, com aquele seu jeito, é um homem incansável e tem um carisma imenso e a gente sente que ele é nosso. 

 

ET - Em 1980, o ET cobriu a visita do Papa João Paulo em Belo Horizonte e a exortação que ele fez aos jovens foi na hoje conhecida como Praça do Papa.  Apesar da mensagem dele, as estatísticas apontam que dos católicos apenas 20% dos jovens são presença na Igreja nas missas dominicais. Que leitura você faz dessa evasão do jovem da igreja?

Pe. Inácio - São várias leituras. Uma boa parte das causas, a maior, talvez, é consequência do processo de dessacralização ou secularização da sociedade. Hoje, a gente sente que o jovem, e a sociedade muito mais, é instantânea, imediatista. Algo que valeu para o dia de ontem já não vale para hoje. O papa Francisco bateu na tecla certa. A nossa Igreja, infelizmente, ficou muito tempo enclausurada, houve um processo de fechamento e esse processo de fechamento, sobretudo por parte do clero, contribuiu para esse distanciamento das pessoas, sobretudo os jovens. Por outro lado, percebemos que num espaço de tempo muito curto, com papa Francisco, já se percebe uma reação. Um amigo meu em Roma, diz isso, que sente um aumento de pessoas nas celebrações, nos sacramentos. Já se nota isso, e essa mudança é graças a essa proximidade do Papa, que acredito que, em pouco tempo, vai cobrar uma atitude mais presente no episcopado e no clero de todo o mundo. 

 

ET – O mestre em teologia, Domingos Zamagna, disse que o papa Francisco vai retomar um catolicismo de maior densidade evangélica, menos atávico, menos ancestral. Você concorda com a opinião dele. 

Pe. Inácio - Concordo plenamente. Estamos percebendo aos poucos, alguns elementos que são fundamentais: primeiro, o Papa Francisco não é de longos discursos. Na jornada, a média foi de 10 a 12 minutos, mas com falas muito  mais próximas da realidade, mais próximas  ao coração das pessoas. O Papa Bento XVI, alguns analisam seu pontificado como professoral, já o Papa Francisco se mostra mais vivencial. E, ele tem falado assim, mostrado coisas que nós estamos 'carecas de saber', mas que falta alguém pra nos dizer isso. Recordo-me da sua fala em Aparecida, ele trouxe três pontos para dizer e como é muito didático, sempre dá uma pitadinha do improviso, sai do papel e chega próximo da realidade. Isto, eu acredito, seja um dos fatores desse encantamento.

 

ET – Francisco deu um puxão de orelha em várias instituições, inclusive na Igreja, quando ele diz que ela não pode se tornar uma ONG. Você acha que a Igreja vestiu essa carapuça?

 Pe. Inácio - Está vestindo aos poucos. Nós dependemos muito do institucional, e quando falamos em institucional falamos de Roma, da Cúria Romana, mas ao mesmo tempo, o papa Francisco está sendo de uma perspicácia muito grande, porque está dividindo as responsabilidades. Por exemplo, o fato de ele ter escolhido uma comissão para ajudá-lo no processo de renovação da Cúria Romana, isso foi muito importante, porque em vez de diminuir a sua autoridade, pelo contrário, agregou um valor, porque ele está ouvindo as vozes que vêm das massas e isso trouxe mais credibilidade. E o que está acontecendo? Ele está botando o 'dedo na ferida' e está conseguindo outro elemento, está mudando o ponto hermenêutico (Hermenêutica: ramo da filosofia que estuda a teoria da interpretação – grifo nosso).

 

ET – Como era antes?

Pe. Inácio - Antes era assim: os meios de comunicação olhavam apenas o negativo, agora não, ele admite: a Igreja tem erros, está vivendo uma crise como a maioria das instituições da sociedade. Só que ele mudou, em vez de focar apenas o erro, ele começou a focar as soluções para o erro, o que é muito mais importante. Volto a dizer, dividindo as responsabilidades do governo, ele, em vez de diminuir sua autoridade, agregou, soube puxar a atenção das pessoas para si. 

 

ET – Nos seus discurso, papa Francisco falou muito de amor, justiça, paz e defendeu a manifestação dos jovens e pediu para que fossem 'Revolucionários'. Foi ao encontro dos pobres, entrou na casa de um favelado e lembrou uma das passagens da epistola de São Paulo “Ai de mim se não evangelizar”. Como Jesus, que entrou na casa de Zaqueu, o cobrador de impostos discriminado. Como você vê este lado de Francisco ir ao encontro do povo? É isso que ele quer do clero? 

Pe. Inácio - Além desses citados, temos que destacar que ele teve encontro com líderes de outras religiões. De fato, ele pediu que os padres saiam  da sacristia, mas não  para repetir aquele proselitismo, quase que em choque entre igrejas ou religiões que acontecia há algumas décadas atrás. Vejo que não é isto que ele quer. Ele quer  que a Igreja saia da sacristia, desse casulo onde ela se enroscou até  por  conta da comodidade, porque hoje é muito fácil ficar atrás de um computador, mas ele pede que a Igreja saia do casulo para que possa ocupar um lugar que é seu e que estava perdendo. 

 

ET – Incluindo a busca de um diálogo ecumênico...

Pe. Inácio – Sim, sair não mais no sentido do proselitismo, se colocando num pedestal  superior e colocando os outros na inferioridades, mas sair para dialogar de igual para igual,  para,  na comunhão com outras instâncias da sociedade, poder ajudar a transformar esta mesma sociedade. Buscando o diálogo ecumênico, até porque hoje não podemos mais sonhar com a situação de algumas décadas antes, em que a igreja católica era soberana.  Hoje, a realidade do pluralismo religioso, assim como o pluralismo político é  uma realidade imutável, por isso este diálogo se faz mais necessário e até mesmo mais urgente. 

 

ET - Sentimos que o papa Francisco é bem mariano, tanto que fez questão de ir a Aparecida. O carinho com que recebeu e aconchegou a imagem da Mãe Aparecida junto ao peito comoveu muita gente. Fale um pouquinho dessa experiência dele no Santuário Nacional.

Pe. Inácio - Nesse aspecto o papa Francisco se aproxima do Papa João Paulo II, que era um papa ultra mariano.  Ele foi criado e se formou à sombra do Santuário de Czestochowa que, por coincidência, a Virgem é negra como é negra a Virgem de Aparecida.  O Papa Francisco é mariano de fato. É uma intimidade indescritível com Nossa Senhora, algo impressionante.  Quando ele teve a oportunidade de ficar a sós, ainda que estivesse acompanhado de seguranças e por tantas pessoas, mas quando ele teve a oportunidade de ficar parado olhando para a imagem, foi algo que não tem como descrever. Um silêncio total, os olhos das pessoas fitos no papa que olhava fixamente para ela, foi algo extremamente marcante.

 

ET – Sentimos isso pela TV, foi uma imagem muito bonita. E ele consagrou também seu pontificado a Nossa Senhora...

Pe. Inácio – Sim, consagrou. E faço até referência, fazendo um parêntese, com essa devoção mariana do povo de Sacramento. Eu celebrei a missa do domingo, às 7h na matriz, e quando puxei o Hino da Padroeira, composto por Irmã Benigna, foi impressionante ouvir todos cantarem. Mas voltando ao papa, depois desse momento, de olhar fixo, ele segurava a imagem de Nossa Senhora quase como se ele estivesse ninando uma criança, isso mostra uma devoção, uma proximidade e intimidade grande demais.

 

ET – Tem também um episódio entre ele e Pe. Magalhães, que se falaram por telefone?

Pe. Inácio -  Depois que o papa Francisco terminou os atos oficiais do santuário, ele foi almoçar no seminário Bom Jesus, seminário da Arquidiocese, mas que no passado foi também um seminário redentorista. E o Pe. Magalhães, não sei como, conseguiu o telefone de Dom Darcy, nosso confrade redentorista e bispo auxiliar de Aparecida. Ele ligou para Dom Darcy fazendo a seguinte recomendação: “Fala para o papa  que aí onde ele está almoçando era a nossa sala de aula, e foi aí que nós aprendemos o latim”. Dom Darcy, que naquele momento estava próximo a Francisco, respondeu: 'Diga o senhor mesmo'. E passou o celular para o papa. Foi quando Pe. Magalhães conversou com ele. Pe. Magalhães está com 88 anos e tenho certeza de que naquela noite ele não conseguiu dormir, pensando nessa feliz oportunidade de poder falar com o papa (risos).

 

ET – Aproveitando uma das tantas frases do papa Francisco, “Não tenho ouro nem prata, mas trago Jesus Cristo, o que há de mais precioso ... venho em seu nome para alimentar a chama fraterna que arde em cada coração e desejo que chegue a todos e a cada um a minha saudação”. Você acha que essa saudação realmente chegou e tocou os brasileiros?

Pe. Inácio - Sim. A prova disto é que na celebração da Jornada, na Missa do Envio, um espetáculo lindo de se ver, foi o silêncio de mais de três milhões de pessoas. E olha que o Rio de Janeiro, não criticando, é a capital menos católica do Brasil. Essa foi a maior concentração do Rio de Janeiro em sua história. Eu penso que aí está um pouquinho desse reflexo de que o Papa realmente tocou o coração das pessoas. Também o chefe da segurança do papa, numa das entrevistas disse que os seguranças ficaram estressados, cansados só de ver que o papa Francisco não se cansa nunca. Um homem de 76 anos, faz uma viagem de quase 12 horas, chega com uma carga de atividades que teve no Brasil e ele sempre com a cara boa, sorridente. O meu sentimento é de que essa jornada, a presença do papa, o seu pontificado serão de fato uma nova primavera para a Igreja... 


ET – Tivemos a primavera de Praga, em 68; a primavera árabe, bem recente e agora, então, a primavera de Roma?

 

Pe. Inácio – Sim, porque ele foi muito feliz na iniciativa de convidar cardeais e outras pessoas para ajudá-lo neste processo de renovação. E o interessante é que no século XVI, quando surgiu a Reforma que deu origem ao Protestantismo, já se falava “reformare member et caput”, ou seja, reformar os membros e a cabeça da igreja. Mas a maioria das vezes a reforma atingia os membros, mas não chegava até a cabeça. Agora o processo está ao  inverso, está primeiro reformando a cabeça, para depois chegar aos membros. Eu acredito e rezo para que este processo de renovação da Igreja, essa Primavera de Roma seja muito bem sucedida.