Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Hélio da Farmácia e a merecida aposentadoria

Edição nº 1365 - 07 Junho 2013

Hélio Nunes de Aguiar, 63, o Hélio da Farmácia como se tornou conhecido, está desfrutando a merecida aposentadoria, depois de 50 anos de trabalho vividos dentro de uma farmácia.  Nascido na fazenda Santa Maria, Hélio, filho de Edson Nunes de Aguiar, o 'Seu' Dedé, e de Orvalina Martins Nunes, a Dona Orva e mais 10 irmãos, morou com a família junto às lides rurais até os 12 anos, quando se mudou para a cidade, onde prosseguiu nos estudos iniciados na escola rural de Santa Maria. Já moço formado e com uma simpatia ímpar, tocou o coração da professora Maria  das Graças Gerolim. Casaram-se depois de um tempo de namoro e da feliz união de quase 30 anos nasceu a filha  Bianca Gerolim Nunes, fonoaudióloga. 

Nesses mais de 60 anos de vida e 50 de farmácia foram muitas as lições aprendidas e, para Hélio, “a vida continua, linda, bela. Ser aposentado não significa ser velho, nem inútil. Continuo firme e forte para ajudar o povo, como diz o poeta, “vou reinventar a vida”. Confira. 

 

ET - Hélio, vamos falar um pouquinho da sua vida. Sua infância, amigos, estudos...

Hélio - Nasci na Fazenda Santa Maria e lá passei a minha infância, na companhia de meus pais e meus irmãos mais velhos, que também eram os amigos de brincadeiras e festas. Lembranças boas são muitas, mas a que mais me marcou foram as reuniões de Natal, na casa dos meus avós paternos, Vô José e Vó Alda. Ali na Santa Maria iniciei os estudos no Grupo Escolar de Santa Maria, onde conheci meu primeiro professor, o senhor  Jeová Cunha. Com ele aprendi a ler e a escrever. Dentre  os amigos de escola, que eram muitos, guardo na lembrança o amigo e primo Elmom da Silveira. Íamos e voltávamos a pé, para a escola. Na hora das brigas, era um pelo outro.

 

ET – Falando em briga, você era brigão ou era um aluno mais quietinho; da fila dos atrasados ou tirava notas boas?

Hélio - Eu procurava ser um aluno exemplar, minha mãe era exigente. Se eu não conseguisse boas notas, era bronca na certa. Mas depois de estudar uns tempos na Santa Maria mudamos pra cidade. Em 1962 minha família mudou-se para Sacramento e fui estudar no Grupão, a EE Dr. Afonso Pena Jr., tendo como primeira professora, Dona Irene Mendes.  Depois, passei por várias escolas. Mas foi na EE Dr. Afonso Pena Jr, que conclui a 8ª série no curso noturno. O trabalho me absorvia o tempo todo. Minha escola foi a prática no trabalho da Farmácia.

 

ET - Você diz que sua escola foi a prática no trabalho da farmácia. Isto quer dizer que você só trabalhou em farmácia?

Hélio - Não, fui pra farmácia dos 13 para 14 anos. Mas comecei a trabalhar cedo, criança ainda. Na fazenda, ajudava meu pai na lida do dia a dia. Antes da farmácia, quando mudamos para a cidade eu vendia bolo, doce, requeijão, feitos pela minha mãe. Saía vendendo nas construções, lojas do comércio e nas ruas, para ajudar nas despesas da casa, que eram pesadas, porque temos uma família numerosa. Depois, fui servente de pedreiro, com o Sr. Honorato Rezende e trabalhei também na oficina do Sr. Bianchini e dali saí para a farmácia. Tudo começou num dia em que fomos, o Sr. Eurípedes Marceneiro e eu, assentar portais na casa que o farmacêutico Dimas Vasques Peres estava construindo. Aquele foi um serviço e um encontro decisivo na minha vida. O Sr. Dimas me convidou para trabalhar com ele na Farmácia e eu aceitei.

 

ET – De marceneiro a farmacêutico, quer dizer, deixou de serrar madeira para aplicar injeções...

Hélio – Isso mesmo. No dia 10 de Abril de 1963 comecei a trabalhar na Farmácia Avenida, do Sr. Dimas, onde hoje é a Proagro. Lembro-me muito bem que era uma manhã chuvosa. Levantei-me, aprontei, ouvi as recomendações de minha mãe: “Vai com Deus”. Cheguei à Farmácia às 7 horas da manhã. Emocionado com o emprego, ouvi os ensinamentos do Sr. Dimas: “Farmácia  não tem domingo, feriado nem dia santo. Temos que trabalhar em prol dos doentes, sem fazer questão de horário, dia e noite”.  E eu aceitei. Abracei a causa. Não tinha horário para atender, dia ou noite. E lá vão 50 anos...

 

ET – Como foi seu dia a dia na Farmácia, suas primeiras experiências naquele serviço novo?

Hélio - Comecei lavando vidros, que eram usados para colocar medicamentos  naquela época. Faxinava a farmácia, fazia entregas. Fui aprendendo tudo, pouco a pouco. No meu primeiro dia de trabalho na Farmácia aconteceu um fato marcante: O  Sr. Bepe Manzan, pai do João Osvaldo Manzan, muito amigo do meu pai, entrou na farmácia e logo que me viu, disse que ficou muito contente por ver o “filho do Sr. Dedé” trabalhando na farmácia. Ele me desejou boa sorte. Nunca esqueci isto. Foi um estímulo. Com o Sr. Dimas trabalhei sete anos e meus colegas de trabalho eram ele e sua família. Depois trabalhei em várias farmácias em Sacramento  e fui proprietário da farmácia Nossa Senhora Aparecida, sócio com o Sr. José Gerolim, o Juca, pai da minha esposa. Foi lá que eu  conheci a Maria. Fui sócio também nas Farmácias Popular e Modelo.

 

ET - E o seu  dia a dia de farmacêutico... Famoso como aplicador de injeções, aprendeu com quem e, mesmo assim, viveu alguma situação de risco?

Hélio - Aprendi com o Sr. Dimas e achei fácil. As primeiras  injeções que apliquei foram no Sr Amado, um trabalhador braçal da cidade,  na veia e no músculo, com receita médica. Adquiri tanta habilidade para aplicar injeções, que alguns pacientes: Dr. Felipe Venites, Dr. Juca Ribeiro, Sr. Ferrucio Bonati, Sr. José Silveira e até o Dr. Milton Skaff  só aceitavam tomar injeções comigo. Agora, situações de risco foram várias que vivi no serviço, por exemplo, o choque anafilático. Mas era tudo sempre com receituário médico. 

 

ET – Além do farmacêutico Dimas, nos primeiros sete anos de sua profissão, a quem sempre reconheceu, com quem mais aprendeu ou se espelhou? 

Hélio – Sim, meu primeiro reconhecimento vai para o Sr. Dimas, mas me espelhei muito no Prof. Vigilato Rezende, e quem mais me ensinou foi o Dr. João Cordeiro, porque naquela época, como não havia enfermeiro para atender pacientes em domicílio, ele me convidava para acompanhá-lo nas visitas aos doentes em casa, para  aplicar soro venoso e injeções. Isso era comum naquela época. Pelo muito que ele me ensinou sou muito grato a ele. 

 

ET -  É pela confiança e carinho que um bom farmacêutico passa confiança ao paciente? 

Hélio - Tudo isso e mais alguma coisa. O farmacêutico passa confiança ao paciente pela atenção dada a ele na hora da dor, pelo carinho e dedicação, calma e paciência para ouvir o doente. Enfim, tratando a pessoa com amor, sendo solidário com seu sofrimento. E, de fato, há pessoas que só tomavam injeções comigo.  E esse relacionamento com os clientes me levou a angariar uma amizade muito grande na cidade. 

 

ET – Uma amizade que o levou a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal...

Hélio – É verdade. Essa amizade cultivada na farmácia, servindo os clientes, sempre servindo a todos e  da melhor maneira possível me levou à Câmara Municipal por um mandato,  uma experiência que  foi proveitosa. Vi na vereança a oportunidade de servir melhor ainda o povo sacramentano. E foi isto que procurei fazer nos quatro anos de vereador. Adquiri novas e proveitosas experiências entre os colegas políticos. Ampliei e enriqueci meu círculo de amizade. 

 

ET - A vida é cheia de altos e baixos, alegrias e tristezas, perdas e ganhos. Gostaria de citar algumas?

Hélio - Perdas foram muitas, mas entre as alegrias com as quais Deus me presenteou quero citar o fato de ter nascido numa família maravilhosa: meus 11 irmãos, meu pai e minha mãe.  Meu casamento com Maria das Graças e o nascimento da nossa filha Bianca. E uma que me marca muito é que entre 11 irmãos, fui o único 100% doador compatível da medula óssea, para o transplante de medula, no tratamento da leucemia do meu irmão, Paulo Nunes. Ele fez o transplante no Hospital Santa Marcelina em São Paulo. E a minha alegria maior é ver meu irmão curado.

 

ET – Depois de 50 anos como farmacêutico, ao se aposentar, que lição você tira de tudo isso? 

Hélio – Muitas. Foi meio século dentro de Farmácia, com 40 anos de contribuição. Muito tempo. Reconheço que foi um trabalho  muito gratificante, atendendo os doentes e também os sadios. É uma boa convivência com os colegas e o povo em geral. É claro que amo o que faço, amo a minha profissão. Acredito que é uma missão que Deus me deu e que me ajuda a cumprir. Agradeço a Deus por isto. Ele me deu muita saúde para chegar até aqui. Durante esses 40 anos de trabalho reconhecido pela Carteira Profissional, só fui afastado do serviço dois meses, por causa da dengue. E, percebo que nesses anos todos, muito aprendi,  mas também ensinei e  talvez até tenha inspirado alguns familiares. Por exemplo, meu sobrinho Weigand que seguiu a profissão formou-se em Farmácia e minha filha Bianca, que se dedica à área da saúde,  como fonoaudióloga. 

 

ET – Prá esses que estão começando, que lição fica?

Hélio - A quem está iniciando ou já esteja trabalhando em farmácia e aos que trabalham na área da saúde, desejo que ponham muita sabedoria, amor e caridade no atendimento aos doentes. Que sintam a presença de Deus a todo momento na sua jornada, para que, ao se aposentarem, possam sentir a alegria do dever bem cumprido, que é o que sinto agora

 

ET -  A vida continua, claro. O que o Hélio está fazendo agora?... Como diz o Raul Seixas: “Você é daqueles que se senta, esperando a morte chegar”?

Hélio - De jeito nenhum vou ficar sentado.  A vida continua, linda, bela. Ser aposentado, para mim,  não significa ser velho nem inútil. Continuo firme e forte para ajudar o povo. Não sou como diz Raul Seixas, na sua música. Prefiro dizer como o poeta: “Vou reinventar a vida”. 


ET – É o que afirma Cecília Meireles, 'a vida só é possível reinventada'... Então, sucesso prá você, e sua mensagem final.

Hélio - Sinto que este momento, “aposentar” é um momento apropriado para agradecer. Em primeiro lugar,  a Deus por tudo. Aos colegas e clientes com quem convivi em todas as farmácias onde trabalhei. Agradeço o apoio da minha família. Agradecimento especial à equipe da Drogaria São Rafael, onde estive nos dois últimos anos antes de aposentar, ao proprietário Rafael Felipe e aos colegas Álvaro, Isis, Evair, Beth. E também um agradecimento especial ao ET, por esta oportunidade de compartilhar minha história com os amigos.