Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Dedé deixa loja depois de 45 anos de trabalho

Edição n° 1309 - 11 Maio 2012

Enfim, a aposentadoria. Curtir a vida, agora sim, pronto para ajudar o próximo. Essa foi a decisão de José Ezequiel Dantas, nosso popular Dedé, da Loja Central do Dedé, depois de 45 anos à frente do comércio. Aos 66 anos, parar de vez. Bem entendido, parou com a loja,passando-a para o sobrinho genro, Gasparzinho, e a filha Cristiane Dantas. 

Agora Dedé quer curtir a merecida aposentadoria ao lado da simpática Maria do Socorro, a companheira que nos quase 40 anos de casados, foi o seu braço direito, esquerdo, enfim, o seu tudo na criação dos filhos Charles (Elaine), Ana Regma (Luiz Henrique) e Cristiane (Gaspar); na acolhida e apoio aos cunhados e demais familiares, no dia a dia da loja. 

A menina que saiu de Parelhas, no Rio Grande do Norte, ainda adolescente, faz jus às leis do matrimônio, Socorroé companheira sempre, “na alegria, na tristeza, na saúde e na doença” e vence junto com o esposo uma bela trajetória de vida... 

E quem conta um pouco de sua vida é o próprio casal, na sua bela e acolhedora casa, que tem até, cuidadosamente bem cuidado, um jardinzinho com a vegetação típica da caatinga (xiquexique, mandacaru, caroá, palma...) tudo ornado com cristais incrustados de turmalina, típica do Rio Grande do Norte. 

Ela, de poucas palavras, mas muito solícita e risonha e, ele, o Dedé de sempre, um falador incorrigível, brincalhão, todo sorriso, só alegria, demonstrando que a própria vida é razão de sobra para ser feliz. Vamos conhecer um pouco deste casal vencedor...

 

ET - Dedé, vamos começar lá no Rio Grande do Norte?

Dedé - É. Nasci em Cobra, no município de Santo Antônio no Rio Grande do Norte e lá vivi até os 11 anos e foi lá que ganhei o apelido de Dedé, que carrego até hoje. Depois mudamos para Cachoeira Dourada. Meu pai, na épocafazia as viagens de “pau de arara”, naquele tempo não havia proibição e meu pai fez mais de 100 viagens, transportando gente do Nordeste para muitos  lugares e cheguei a fazer algumas viagens com ele, uma delas durou 23 dias. A gente pegava as pessoas no Nordeste e trazia, principalmente, pra Minas. Cada caminhão trazia mais de 60 pessoas, entre homens, mulheres e crianças. 


ET - Que cobra te picou prá sair de Santo Antônio da Cobra e descer para o Sudeste?

Dedé - Era uma vida sofrida, caminhão quebrava, era noite e dia naquela vida. Papai trazia as pessoas, depois levava de volta. Os filhos sem perspectiva de trabalho, de vida... Depois ele parou e enveredou-se na política. Foi prefeitode Cachoeira Dourada, aqui no Triângulo Mineiro, duas vezes, e eu decidi começar a vida por aqui. 

 

ET – Quando chegou a Sacramento e como descobriu a cidade?

Dedé – A Cemig estava iniciando a obra de Jaguara e essas notícias correm. Morávamos em Cachoeira Dourada, onde a Cemig estava terminando uma hidrelétrica, onde trabalhei como fotógrafo. Eu tinha uma Kodak antiga e fazia foto da peãozada toda. Eu tinha 21 anos, papai era prefeito lá e vim sozinho pra começar a vida, abrindo um comércio. Vim com a cara e a coragem. Montei a Loja Central do Dedé perto da Estação Jaguara. Só que a loja tinha movimento só dois ou três dias no mês, quando a 'peãozada' recebia o pagamento. Mas foi um começo muito bom. Eu era solteiro, e como sempre gostei de me divertir, farrear, frequentavao clube de Jaguara, fiz amizade com todo mundo e aproveitei a vida. Mas não deu mais pra ficar lá, resolvi abrir a loja aqui na cidade, no ano seguinte...

 

ET - ... Em 1968. E a loja começou ali no atual endereço?

Dedé - Não, demorou ir pra lá, mas já era na avenida Rio Branco. Em 1968 ela foi instalada numa casinha onde é hoje o Sacramento Center. A casinha era da dona Erondina, depois, mudamos para um cômodo ao lado do Sacramento Clube e, mais tarde, fomos para o atual endereço. Tive sorte, sempre fiquei ali no centrinho da cidade, o que garantiu à nossa loja a presença de muitos clientes nesse tempo todo. Só de Sacramento são 44 anos. Aqui construíminha vida.

 

ET - E de repente veio a família toda...

Dedé - Meus irmãos começaram a vir aos poucos. A primeira a chegar foi minha irmã do coração, a Bárbara Dantas. Quando ela chegou, eu ainda estava na Jaguara. Ela morou lá comigo. Depois veio o Gasparzinho, que hoje está na casa do Pai. Gaspar, meu genro é filho do Gasparzinho. Depois, veio o João, a Maria da Paz, até meu pai de saudosa memória, João Afro Dantas, morou aqui uns dois anos com minha mãe, Inácia Vitória. Mas resolveram ir embora. 

 

ET – Todos, até os filhos?

Dedé – Sim, no princípio, cada um ficou aqui cuidando de sua vida. Mais tarde, aos poucos, eles foram mudando, buscando outras paragens e cá estamos a Socorro e eu. Também nossos filhos, Charles mora em Uberaba, advogado, mas trabalha na Infraero. Ana Regma, mora em Florianópolis, onde é consultora de vendas e a Cristiane, que é psicóloga, mora também em Uberaba, mas  vem com Gaspar, que é fisioterapeuta, pra cuidar da loja. E a nossa família rendeu, temos quatro netos.

 

ET – Solteiro, namorador, freqüentador de clubes... A Socorro foi uma das retirantes que chegou também num caminhão de pau de arara e acabou com essa vida de farra?

Dedé – Não, não... Foi uma coisa muito engraçada quando conheci a Socorro. Ela tinha só 13 anos. Eu disse que vinha embora e que eu voltaria prá buscá-la. O tempo foi passando e eu arrumei mais duas namoradas, uma aqui em Sacramento, outra lá em Cachoeira e a terceira era a Socorro, lá em Parelhas. E eu estava quase me casando aqui. Um dia, fui para o Nordeste e me encontrei com Socorro, já moça feita, em Parelhas (RN). Ela sozinha, linda, meu coração bateu forte.  Seis meses depois estávamos casados, lá mesmo, em sua cidade natal.  Era o nosso destino, mesmo. Em janeiro próximo completamos 40 anos de casados. 

 

Socorro - Nosso namoro foi por correspondência, no tempo ainda de escrever cartas. Namoro mesmo foram 15 dias e nos casamos. (Risos). 

 

ET - Casaram e vieram pra Sacramento?

Socorro - Que nada. Eu não queria sair de Parelhas de jeito nenhum. Não queria vir pra cá, nem a passeio. Eu nem fazia ideia de onde era Sacramento, mas o amor venceu... (risos). Só que não mudamos pra Sacramento depois de casados. Fomos pra Brasília. Eu não tinha 20 anos ainda e ia fazer vestibular. Eu e as duas irmãs do Dedé e ele resolveu tentar a vida em Brasília, abrir um comércio. 

 

Dedé - O comércio lá deu em nada (risos). Aí fui trabalhar numa feira.  Mas nossa vida foi muito boa em Brasília. Divertíamos à beça. Muita festa. Éramos sócios do melhor clube da cidade. Meus irmãos ficaram tomando conta da loja aqui em Sacramento, pra eu ir me casar lá. Aí as coisas apertavam em Brasília, eu ligava pros irmãos e pedia: “Manda 200”, “Manda uns 500”... (dando uma boa gargalhada). Eu trabalhava com oTurco na feira, e um dia quase o matei de susto. Ele viajou para a terra dele e deixou comigo os documentos pra eu fazer as compras. Comprei tanta coisa, mas tanta coisa pra banca... No dia em que ele chegou e viu as notas fiscais quase ficou louco com o que tínhamos que pagar (risos).

 

ET – Mas conseguiram juntar algum dinheiro naquela Brasília efervescente e cheia de candangos?...

Socorro – Dinheiro, não, mas fomos muito felizes... Hoje penso como a gente viveu aquilo. Dedé trabalhava, chegava com o dinheiro e íamospara as  boates, até de madrugada. Veja só a nossa falta de juízo(risos).  Nossacasa não tinha nada, nem panelas... E o Dedé convidavaaquele montão de gente pra ir pra nossa casa comer e aí tínhamos  que pedir as coisas emprestadas. Dinheiro pra comprar as coisas de casanão tínhamos,  mas para a farra não faltava. Era uma aventura só a nossa vida, uma loucura. Não podia dar certo, mesmo. Lá só gastávamos, mas as coisas foram ficando difíceis, aí, resolvemos vir pra Sacramento depois de uns meses lá. Os poucos móveis e eletrodomésticos que tínhamos o Dedé deu tudo e viemos embora... (risos).

 

ET - Dedé, a sua loja sempre foi do tipo bem popular e que logo conquistou os clientes. O segredo de tudo isso? 

Dedé - Nosso carro chefe sempre foram asconfecções. Ao chegar aqui, vi que o pessoal é muito conservador, mas consegui vencer este obstáculo. O povo viu que eu não era trambiqueiro, mas que só queria vender minhas mercadorias. Optei pelo popular e fui conquistando a clientela. O pessoal da zona rural vinha comprar roupas de trabalho e depois fomos aumentando com algumas marcas. 

 

ET – Nada como um logista de bem com a vida... Não acha que o seu jeito, o seu carisma ajudou muito?

Dedé – Sim, hoje o marketing valoriza muito isso. Acho que o meu jeito, muito alegre, brincalhão e também meu engajamento na sociedade, tudo contribuiu. Sou participativo na sociedade e isso ajuda. Sempre gostei de estar com as pessoas, conversar, interagir. Ficar isolado não é pra mim. Quando estamos sós,a Socorro e eu, em casa, fico pensativo, reprimido. Adoro casa cheia, movimento, conversar, rir. E, depois, a gente aprende muito com os clientes e isso acabou conquistando as pessoas. Não crescemos muito, mantivemos uma linha, mas temos clientes que vão seguindo tradição de família, os pais compravam da gente e agora os filhos e netos continuam comprando. 

 

ET – Uma vez você deu uma de S. Francisco de Assis... Começou a distribuir entre o povo toda a mercadoria da Loja... Se não fosse o Edson Pícolo, você perderia tudo. O que foi aquilo? Ia fechar a loja ou o quê?

Dedé –(Dando uma boa risada). Esta é uma das passagens da vida que a gente hoje dá risada, mas foi triste na época. Eu surtei, surtei de repente. 

 

Socorro - Dedé, diz a mãe dele, sempre gostou de ajudar as pessoas. Ela conta que quando ele era criança, eles tinham uma mercearia e ele pegava as bolachas e dava pras crianças. Uma vez acabou com as bolachas (risos). Dedé sempre foi assim, muito dado. Mas este dia da loja foi sério. Ele deu toda a mercadoria da loja, só ficaram as prateleiras. Ele surtou. As crianças eram pequenas, era muito choro. Dedé viajava muito, eram muitas contas pra pagar, muita preocupação e ele quase não dormia. Foi um stress muito grande. 

 

ET – Mas no Natal, era costume ele proporcionar às crianças carentes uma distribuição de brinquedos, não?

Socorro – Sim, depois do Natal, ele sempre distribuía para a criançada, os brinquedos que sobravam. Mas naquele dia, além dos brinquedos, ele passou a dar a mercadoria pras pessoas. Seu Edson Pícolo foi que viu que ele não estava certo e foi lá. Mandou nos chamar, mas já havia praticamente acabado a mercadoria. Aí foi correr atrás do prejuízo. Passou por outra crise quando bateu o carro, mas há muitos anos ele está bem. Graças a Deus ele sarou e tudo passou.

 

Dedé - Hoje a gente olha para trás e dá risada. Mas foi realmente sério. Mas é preciso também ter alguma coisa de negativo na nossa vida para que a gente cresça. Só coisa positiva a gente fica na mesmice. Essas coisas fazem parte da vida, o importante é saber encarar e dar a volta por cima. Tive outra doideira em Belo Horizonte. Fui levar meu irmão e fiquei com Socorro e dois filhos no Hotel Del Rey, quando falaram o preço do Hotel, eu me endoidei, deixei o pessoal na mesa e saí no mundo... Passei três dias sumido, vagando na rodovia, até que fui atropelado e a PM localizou minha família, que me pegou em Mateus Leme, como um maltrapilho... 

 

ET – O Dedé, além do comerciante simpaticíssimo que é, se engajou na vida comunitária de uma forma muito dinâmica, prestando aí relevantes serviços ao lado da esposa. Fale um pouquinho sobre esse trabalho social.

Socorro – É verdade, sempre estivemos ligados aos movimentos de igreja, nas festas, encontro de casais, serviços que gosto de fazer. Já o Dedé adora...

 

Dedé – (Atalhando) Ah, eu sou mais atirado, gosto mesmo. Só ia pra loja na precisão. Viajava muito e Socorro cuidava de tudo. Estive presidente da Associação Comercial nos anos 80; na igreja, fui Ministro, Irmão do Santíssimo, estamosno Rotary e me dedico à menina dos meus olhos, hoje, que é o trabalho em prol do Hospital do Câncer de Barretos. O que eu gosto é de fazer o bem, ser serviço. Isso faz bem para os outros e para nós mesmos.  Sinto-me realizado. No trabalho pelo hospital de Barretos, então...  Uma pessoa que é salva já vale o nosso serviço. Para mim é a maior alegria do mundo e enquanto tiver forças vou continuar nesse trabalho e outros. É só o pessoal me chamar. Agora aposentado, estou à disposição das entidades, precisou é só chamar, que lá vou eu...

 

ET - Você falou aí da campanha que você criou para o Hospital do Câncer de Barretos, isso é uma forma de gratidão? Porque você foi um exemplo para todos ao encarar de frente a  doença e vencê-la...

Dedé - Aquilo que recebemos de graça temos que retribuir de graça. Ali foi a minha salvação. Na hora que a gente recebe a notícia é um baque, mas temos que tocar em frente. E eu só tenho que agradecer às tantas pessoas que oravam por mim. Eu não fiquei reprimido em casa. Eu saia para a rua, conversava com as pessoas e pedia pra rezarem por mim, pessoas conhecidas, de todos os credos. Eu dizia: “Gente, reze por mim. Preciso de suas orações”. Eu pedia orações fosse para católico, espírita, protestante. Eu justificava: Sou católico, acredito na ressurreição e confio em Nossa Senhora Aparecida, mas sei que toda oração vai para Deus e isso me deu forças para vencer. Segui de cabeça erguida, confiando sempre na providência divina. E ficou essa gratidão às pessoas que fizeram essas correntes de orações.

 

Socorro - Foi um dos momentos mais difíceis da nossa vida. A hora da notícia é um momento cruel, mas a gente encontrou forças. Deus nos fortaleceu, encontramos muitos apoios de amigos, família e as coisas foram se normalizando.  Assumi a loja pra ele se tratar e fazer as coisas que ele gosta de fazer: conversar, rir, ajudar as pessoas e vencemos. E Dedé tem todo o nosso apoio, de toda a família, nesse trabalho em prol do Hospital do Câncer. 

 

ET - Pra finalizar, Dedé, que lição você tira de tudo isso? Faria tudo outra vez?

Dedé - Tiro uma grande lição. Acho que deixo um exemplo pra Sacramento, porque sempre fiz o possível para ser honesto, sempre aceitei as pessoas como elas são. A vida me ensinou a ouvir as pessoas e isso é importante. E, agora estou parando. Nunca parei na vida. Foram 45 anos de trabalho, trabalho. Não acumulei dinheiro, mas sou feliz. Sempre trabalhei pelo hoje, o amanhã a Deus pertence. 

 

ET - E você Socorro, nesses quase 40 anos em Sacramento?

Socorro - Minha vida foi um aprendizado, é uma vida muito boa. Vivi muitas experiências, aprendi muito e valeu a pena. Digo que se tivesse ficado em Parelhas estaria no pré ainda.  Faria tudo de novo. 

 

ET - Sacramento?

Dedé - Devo muito a Sacramento.  A acolhida, o respeito, o carinho, fomos e somos felizes aqui. Sacramento é a minha terra, aliás sou cidadão sacramentano de fato e de direito. Aqui criamos nossos filhos, aqui é o nosso lugar. Esses 45 anos, eu diria, são 45 dias, acredito que ainda posso fazer mais pela cidade e podem contar comigo, quero trabalhar no social. Vamos viajar, visitar os filhos, netos, mas nosso destino final será sempre aqui. Somos gratos a Sacramento e a todo o povo. 

 

Socorro - Sacramento para mim foi uma escola, a cidade e seu povo me ensinaram muito. Pessoas maravilhosas encontramos aqui, firmamos amizades e só temos que agradecer o que a cidade nos dá. Sacramento é minha vida, minha escola. AmoSacramento muito, muito, de coração como a uma família.