Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Sacramentano leva prêmio de produção cultural em São Paulo

Edição n° 1215 - 23 Julho 2010

O músico sacramentano, Celso Amâncio, recebeu em São Paulo, o prêmio 'Interações Estéticas 2009', da Funarte, pela execução de um projeto, que resultou na direção, ao lado de outros dois diretores, Augusto Marin e Cleide Fayad, da peça, 3 X a Igreja do Diabo, baseada na obra homônima de Machado de Assis.  O projeto, '3 em 1 – A Mesma História Contada Três Vezes', que foi desenvolvida junto ao Ponto de Cultura Commune, teve  como proposta investigar diversas formas de criação estética e teatral, a partir do estudo dos textos, 'Sonho dos Super Heróis' (Moacir Scilar), 'Fome (Marina Colasanti) e 'A Igreja do Diabo' (Machado de Assis). Foi para falar do projeto e de suas novas ideias que Celsinho recebeu o ET para uma entrevista. 

 

ET – Fale um pouco sobre o projeto, '3 em 1 – A mesma história contada três vezes'. O nome lembra aqueles aparelhos de som antigos, o toca-disco, o tape e a potência num único rack.

Celso - Eu conheci o Ponto de Cultura Commune, através de um outro projeto de Interações Estéticas e daí nasceu a ideia de fazer um projeto de dramaturgia e teatro experimental. O projeto foi aprovado e ganhou o prêmio. Foram três meses de trabalho de residência artística, em que pude coordenar oficinas com Augusto Marin. Realizamos encontros, com o dramaturgo Samir Yazbek, palestras, inclusive, uma com José Sanches Sinisterra, dramaturgo espanhol que estava em São Paulo. E, no final, escolhemos o conto de Machado de Assis, 'A Igreja do Diabo', que deu origem à peça, 3 X a igreja do diabo. O nome remete mesmo ao aparelho de som. Durante o processo, criávamos sempre três ou mais versões para um mesmo texto, daí o 3 em 1.  As apresentações eram gratuitas devido ao incentivo da Funarte, mas o público foi muito bom. Foi uma boa temporada que lotou o espaço.  A peça ficou praticamente um mês em cartaz, entre 27 de abril a 25 de maio. 

 

ET – Falar do diabo agrada ao público? Se bem que o mundo está cheio de capeta, né?

Celso – Mas o povo se cansa dele... (risos).  A peça, 3 X a igreja do diabo, baseada no conto machadiano, 'A Igreja do diabo' é a história do diabo, que desce à terra para lançar as bases de sua Igreja e consegue adeptos e ouvintes todos os dias. Segundo suas leis, o mais importante na vida é promover prazeres de todos os tipos e não é preciso ter éticas nos negócios, nas relações e tampouco na política. Com o andar do tempo, por mais apegadas que as pessoas estejam ao novo credo, elas começam a não acatar as leis e, às escondidas, passam a dar esmolas aos mais pobres e oferecer seus préstimos e amizade aos que necessitam. Também os casados evitam trair seus parceiros e os comerciantes e políticos honram seus compromissos, mesmo que declarassem seguir à risca a lei do Diabo. 

 

ET – Isto quer dizer que ninguém consegue ser mal toda a vida... Estamos sempre divididos entre o bem e o mal...

Celso – Entre o certo e o errado... Machado de Assis nos revela no conto que todas as pessoas têm duas facetas e posições. Podemos ser amorosos com alguns e zangados com outros; honestos em certas circunstâncias e capazes de ludibriar em outros aspectos. Qualquer que seja a lei, portanto, jamais se poderá compreender essa disparidade do ser humano. A lei escolhe um lado da oposição como certo e o outro como errado, e isto demonstra que o nosso coração possui sempre dois aspectos antagônicos.

 

ET – Você dirigiu todo o espetáculo?

Celso – Não, fizemos assim: com duração de 50 minutos, a peça é dividida em três atos com direções distintas. Ato I: A Criação, dirigida por Cleide Fayad, que conta com os atores Bruno Piva, De Lucca,  Sandra Vilchez, Talita Hunter e Yuri Fernandez. Ato II: A Ascensão, dirigida por mim, interpretada pelo atores Adriano Veríssimo, Anna Polistchuk, Claudia Der, Edélsio Vitório e Marcelo Azevedo. E Ato III: A Queda, direção de Augusto Marin, com os atores Amanda K, Andréia Sadoco, Elisa Pupim, Paty Moreira, Renata Feltrin e Renata Roquetti.  

 

ET – Vamos falar agora um pouco sobre esse jovem violinista que se transforma em talento na arte de dirigir. Fale um pouquinho de suas origens sacramentanas. 

Celso – Bom, sou filho da professora de Matemática, Eliane e do Celso do Laticínio. Assim fica mais claro. Sou violinista, com formação acadêmica em Música pela UFU, juntando ao meu currículo as experiências de ator, clown, roteirista e arte-educador. Desenvolvi projetos com a integração de linguagens artísticas como o Programa de Iniciação Artística nos CEUs, da Prefeitura de São Paulo e performances com artistas e grupos variados. Faço parte da Cia. da Galhofa e do GECA II - Grupo de Estudos de Clowns Anônimos.

 

ET – Da música ao teatro, não parece um salto grande... É tudo arte, né? Como nasceu essa verve teatral do Celsinho?

Celso - Na realidade fiz Faculdade de Música, mas tinha, desde a infância, uma coisa muito forte com o teatro. Quando assisti à peça, 'Os gatos', encenada pelos alunos do Coronel...

 

ET – Não era 'Os Gatos', mas 'Romão e Julinha', que tinha nos papeis principais o Marcinho e a Sílvia Pinheiro...

Celso – Não sei se é 'Romão e Julinha', eu me lembro que os atores estavam vestidos de gatos e que a direção era sua. Eu era muito novo, devia ter oito ou nove anos, assim, deve ter sido em 88 ou 89... Só sei que foi quando eu falei que queria fazer teatro, mas por motivos diversos fui para a música. Mas, depois descobri que arte quando a gente começa a mexer, mexe com todas. Na faculdade, cheguei a me aproximar um pouco do pessoal de teatro, mas estava muito concentrado na universidade...

 

ET – Quer dizer que o Teatro veio mesmo depois de sua formatura na UFU? E teve a fase também de escritor...

Celso – Sim, concluída a faculdade de música, saí de Uberlândia e fui para Campinas, tentar especialidades de roteiro, cinema e, na Unicamp,  comecei a ter algumas experiências de teatro, pequenas, mas que foram importantes. De Campinas, fui parar em  Ilhabela, num projeto de ensino para crianças, tive uma colega de trabalho que é  atriz, Adriana Lira, e juntos participamos de alguns projetos teatrais, através da Fundação Cultural Ilhabela. Ela fez uma montagem da história de Ilhabela e eu participei. No meio de tudo isso publiquei meus dois livros, 'Venha ver a lua' e 'Tempestades', que nasceram dessa coisa minha de escrever, que não parei. Mas agora comecei a descobrir o teatro, o cinema, que são outras formas de se contar histórias e comecei a me interessar também. 

 

ET – Nessa fase, você já está em São Paulo... Em que ano você chegou a São Paulo?

Celso – Sim, já em São Paulo, onde fui buscar também o cinema, embora eu quisesse roteiro e comecei a conversar com um diretor que queria adaptar um conto meu, 'Noites de insônia', do livro 'Tempestades'. Isso foi em 2005. Começamos a fazer o roteiro, mas o  projeto não decolou. Fiz alguns roteiros publicitários, institucionais e empresariais, tudo muito técnico. E, paralelamente, ingressei no projeto Teatro Vocacional, da Prefeitura Municipal e, através desse projeto fui parar no grupo de teatro, 'Cia da Galhofa', dirigida por Marcelo Braga. Eles precisavam de um violinista que atuasse  um pouco para a adaptação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, que resultou na peça, 'Ao vencedor, as batatas'. E aí entrei no grupo, para fazer a música ao vivo e acabei interpretando personagens da peça, que participou da Mostra de Teatro Fringe, no Paraná, ficou duas temporadas em São Paulo e agora será apresentada nas escolas.

 

ET - Você disse que faz parte do Grupo dos Palhaços (Clowns)... 

Celso – Sim, faço parte também de um grupo de Clowns . Fazemos treinamento de máscaras teatrais com Cida Almeida, diretora do Clã Estúdio das Artes Cômicas. E foi  aí  que conheci o pessoal do Teatro Commune, com quem faço ainda um Papel na peça, 'O Arlequino', teatro de rua, que recebeu o prêmio Myriam Muniz e já foi apresentada em várias cidades, inclusive em Fortaleza.

 

ET – TV, cinema, alguma participação?

Celso – Numa época em que tudo o que aparecia eu pegava, eu fiz duas figurações, uma na rede Record, na novela, 'Cidadão Brasileiro'; e outra na Globo, mas que não cheguei a gravar. Foi muito engraçado esse dia. Estavam escolhendo o que íamos fazer, chegavam pra um e diziam : 'Você será chique, você será pobre... E para mim falaram: 'Você será jardineiro'. Todos nos maquiamos, ficamos um dia inteiro e de repente começou a chover. Foi um temporal daqueles! Recebemos o cachê, mas não gravamos.... 

 

ET – No SBT...

Celso – Quando dizem que o Sílvio Santos muda tudo da noite pro dia, sem falar nada com ninguém, eu vi que isso é realmente verdade. Foi em um workshop  de roteiro de novelas no SBT, em 2005. Inscrevi-me, mandei um roteiro de um curta e fui selecionado. Ficamos dois meses fazendo treinamento com Calixto de Inhamuns e no final ele escolheu só três pessoas para trabalhar na novela, Cristal.  Mas não deu em nada, porque o  Sílvio Santos trocou toda a equipe. Foi aí que constatei que essas coisas que dizem dele, realmente, não são lendas, ele faz isso mesmo.

 

ET – Mas ficamos sabendo que você quer fazer um trabalho na sua cidade natal. É verdade que você tem um projeto de Turismo Cultural para Sacramento, uma espécie de vínculo, Celso/Sacramento/São Paulo?

Celso – Sim, é verdade. A ideia é a de um trabalho de intercâmbio cultural. Conheço em São Paulo muitos artistas bons, que desenvolvem também trabalhos pedagógicos e como eu trabalham como arte-educadores, queria fazer um tipo de turismo cultural, inspirado no trabalho da escritora Andreia Del Fuego. Ela fez uma viagem literária, visitou vários lugares do estado de são Paulo, fazendo durante uma semana workshops de literatura. Fiz um trabalho com ela chamado Stand Up Literatura, ela lia os contos e eu tocava. Inspirado nela, pensei nesse turismo cultural, trazendo artistas por uma semana, 15 dias na cidade, realizando oficinas com a população, além de apresentar suas peças. 

 

ET – Você já teria algum grupo em mente, alguma data prevista prá gente anunciar o início desse intercâmbio? Esse trabalho pode enriquecer muito a cultura teatral da cidade. 

Celso – Então, já conversei com o grupo, Cia Ilustrada, que faz um trabalho muito bom de teatro de bonecos e oficinas, ensinando a fazer os bonecos, apresentando  o trabalho deles, além de fazer trabalhos com os alunos. Inicialmente não seria turismo, mas mais uma aproximação, para a população ter um contato com artistas de fora, aprender nas oficinas e se inspirarem para trabalhos. A gente começaria com oficina de teatro, depois oficina literária, oficia de cinema e artes plásticas. Enfim, movimentar a cidade com exposições e apresentações. E uma época ideal, acho que seria janeiro, que os artistas não têm muito trabalho e a cidade está cheia de gente, nas férias. E quem sabe, futuramente,  isso não se torne um festival que atraia pessoas para Sacramento!

 

ET – A questão do marketing, do patrocínio, como está pensando em conseguir esse apoio?

Celso - É, eu sei que só boa vontade não basta, com certeza precisamos de apoio institucional e a Lei Rouanet é um caminho. Um projeto desses consegue entrar na Lei muito fácil, mas aí precisa do apoio das empresas da região, patrocinando em troca do abatimento no imposto de renda. Além disso, precisamos de uma carta de apoio da prefeitura para apresentar às empresas interessadas. E também, claro, como se trata de um projeto turístico cultural, pode ser bancado pela Prefeitura, pela Câmara Municipal, como acontece em muitas cidades, por onde passamos. 

 

ET – No começo da entrevista, você falou em 'Ponto de Cultura', que hoje já são 650 espalhados por todo o país. Não seria também possível e até uma solução, os grupos de Sacramento  participarem do edital? 

Celso – Claro. Eu mencionei, porque até achei que Sacramento já tivesse algum Ponto de Cultura. O projeto já existe no Ministério da Cultura (MinC) há muito tempo, aliás, é a ação prioritária do Programa Cultura Viva, destinado a associações de Teatro e cultura popular, a ONGs ou OSCIPs, que desenvolvam algum trabalho cultural por pelo menos dois anos. A verba de patrocínio anual pode ser de até R$ 180 mil, que podem ser gastos em custeio do grupo, como aluguel de espaço, pagamento de profissionais para dirigir oficinas, etc; e, também para despesas da capital, como compra de equipamentos diversos. Feito o convênio com o MinC, o grupo torna-se um Ponto de Cultura, passando a integrar  a rede nacional para participar de encontros regionais e  nacionais. Eu tive o privilégio de participar do encontro nacional dos pontos de cultura, a Teia 2010, em Fortaleza, e também da Teia Paulista, em Guarulhos. Além disso, há outros tipos de incentivos e editais. É só procurar.

 

ET – Celsinho, valeu! Agradecemos, te desejando o maior sucesso.

Celso – Eu que agradeço e desejo muito sucesso para nossa cidade, esperando muito poder contribuir para que possamos criar um vínculo ainda mais forte entre Sacramento e a vida cultural de nosso país.