Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Ricardo Cordeiro: o médico sacramentano que gosta de pedalar, aqui e no exterior

Edição nº 1211 - 26 Junho 2010

 

O médico sacramentano Ricardo Rezende Cordeiro, 59, radicado em Araraquara (SP), esteve em Sacramento no último final de semana, visitando os pais Jorge Fidelis Cordeiro e Amália Rezende Cordeiro e familiares, dentre eles a tia Maria Ana que comemorou  os 80 anos no dia 4. Ricardo é um sacramentano, que adora Sacramento, aqui estudou até a oitava série, naquele tempo o quarto ano ginasial. Mudou-se  para Araraquara, onde morou dois anos e foi cursar o Colégio Universitário em Belo Horizonte, daí foi um pulo para ingressar no curso de Medicina,  em Ribeirão Preto, onde também especializou-se em  Dermatologia. Até 1984, permaneceu em Ribeirão Preto trabalhando na faculdade; depois mudou para Araraquara, onde reside atualmente. Ricardo é casado com a também sacramentana Rita Loyola e são pais de dois filhos,

 a fisioterapeuta Tânia e  o médico Daniel.

E Ricardo tem muitas  histórias de vida no mundo do ciclismo pelo caminho de Santiago de Compostela, Patagônia e outros, que contou ao ET, entremeando o bairrismo, ou seja, as origens nas terras do Borá.  

 

ET - Do gol para pista de ciclismo, se é que existe pista... Como nasceu essa paixão?

Ricardo - Na verdade isso nasceu quando a gente era criança. A gente sempre andou de bicicleta aqui. A primeira bicicleta que ganhei foi com o álbum de figurinha, na Copa de 1958. Havia uma figurinha carimbada, que era o pedal da bicicleta na página central. Eu comecei a encher o álbum, meu pai entusiasmou, foi comprando, comprando e fizemos quase todo o álbum. Um belo dia, acordei de manhã e papai lá com o álbum aberto, com  a figurinha pregada no lugar. Ganhei um bicicleta Monark e vivia em função dessa bicicleta. Todas as férias que eu vinha, a bicicleta estava aqui. A gente ia nadar na Terceira Ponte, ia para Gruta, tudo de bicicleta. Quem me acompanhava nessas aventuras era o Moacir Furtado e andávamos muito. Na faculdade parei. 

 

ET – Parou, por quê? Prá fazer o quê?

Ricardo - Fui jogar futebol. Jogava aqui e jogava para vários times em Ribeirão Preto, principalmente futebol de salão. Formei-me, fui para Araraquara, continuei no futebol, fomos campeões estadual lá, no time dos médicos. Um belo dia, num desses campeonatinhos de clubes, deparei com muita briga. Acho que quando a gente vai ficando velho,  a língua  e a barriga vão crescendo e o futebol vai diminuindo. Desgostoso, parei com o futebol e passei para o tênis, uns cinco anos, mas não com aquela gana. Larguei tudo e fui correr e corria, até que um dia um paciente meu, comentou que estava pedalando. Achei a ideia legal, arrumei uma Caloi 10 e fui com eles. E aí comecei a enturmar, conhecer outras pessoas, comprei uma bicicleta melhor e nunca mais parei, faz mais de 15 anos. 

 

ET - O que se exige pra ser um ciclista?

Ricardo - Eu não me considero um ciclista. Sou um atleta aficcionado, tenho boas bicicletas, comecei a pedalar na estrada, que é o speed loud e faço também o Mountain Bike. Acho que quem gosta de pedalar deve fazer o treinamento na estrada e o lazer na trilha. Agora, para se manter bem na bicicleta é preciso estar bem fisicamente. Eu, particularmente, visito o cardiologista anualmente há muitos anos.  A parte cardíaca é importante no ciclismo. A parte muscular é extremamente importante. Tenho amigos que pela impossibilidade de pedalar durante a semana, só o fazem no final de semana. Isso acaba ficando igual no futebol e é muito ruim.  Sintetizando, para pedalar é preciso ter preparo na parte cardíaca, muscular e pulmonar, mas isso vem vindo devagar com os treinos. 


ET – É importante o traje?

Ricardo – Muito. A indumentária é uma coisa extremamente importante, principalmente o capacete. Eu já tive quedas feias, que o capacete quebrou no meio e seria a minha cabeça, se eu não o estivesse usando. Luvas, um bom capacete, bermudas próprias e uma bicicleta razoável dão bem para pedalar. Bicicleta é com um carro de competição, quanto mais aprimorada melhor. O sonho de todo ciclista é ter a melhor bicicleta. Assim, a gente tem que associar bons componentes com menos peso. Quanto mais leve a bicicleta, melhor. Esse aprimoramento da bicicleta, de que falo, não é ir à loja e comprar uma bicicleta. Ela é toda montada de acordo com seu peso e medidas. O quadro, as rodas, catraca, tudo, até os parafusos são  individuais e específicos para o que quer fazer e, claro, de acordo com o bolso. Tem bicicleta que custa R$ 30 mil.

 

ET - Você falou de acidente. Já teve muitos acidentes?

Ricardo – Sim, já. Essa questão dos acidentes e traumas acontecem em todos os esportes. No futebol, você sabe como é, no tênis, pelo fato de eu ser destro, comecei a sentir lesões do lado direito. Na corrida sentia o joelho, a coluna... Aliás, eu digo que o homem não foi feito nem pra an-dar, pois somos quadrú-pedes e teoricamente deveríamos engatinhar, imagine correr. O sofrimento que se impõe ao esqueleto é muito estressante, porque a coluna foi feita para trabalhar horizontalmente e não verticalmente. Já na bicicleta, você tem assimetria, porque trabalha com cinco apoios, dois nos pés, dois nas mãos e um no selim, a gente divide o peso do corpo. O problema da bicicleta são os acidentes, um só pode ser fatal. É preciso ter cuidados. Já sofri alguns acidentes, principalmente em mountain bike. Acidentes estão muito relacionados aos locais onde se pedala.

 

ET - Qual a sua avaliação sobre os espaços no Brasil para pedalar?

Ricardo – Simplesmente, não existem. Agora que estão começando a aparecer. São Paulo fez uma ciclovia ao lado da marginal. No Brasil falta muito respeito com o ciclista. Um ativista de uma ONG, de um brasileiro naturalizado, falando sobre esse assunto,  ele diz: “Enquanto não houver um aculturamento não vai mudar. E a única maneira de haver aculturamento é todo mundo pegar a bicicleta e sair para a rua”. Ele tem razão, a bicicleta tem que ocupar o espaço dela. Ficar exigindo que as autoridades façam ciclovias, ciclo faixa não vira nada. Tem que haver um boom, encher São Paulo, por exemplo,  de bicicleta. Aí, a partir do momento que houver muitas bicicletas, vão começar a resolver. Eu gosto de pedalar em rodovias que têm acostamento. E em Araraquara somos privilegiados nesse aspecto, mesmo a estrada sendo movimentada. O acostamento dá segurança,  embora acidentes ocorram, e ocorrem em qualquer lugar,  eu já tive acidente dentro da cidade. Mas graças a Deus nunca tive acidente grave. 

 

ET - Dizem que se deve pedalar do lado esquerdo para ter visão dos veículos que se aproximam... Qual a sua recomendação?

Ricardo - Eu ando sempre na direita, na minha mão de tráfego, mesmo porque é lei. Agora, coloco um sinalizador traseiro na bicicleta, mesmo durante  o dia. Aliás, eu não pedalo à noite. Eu me impus essa regra  e também aos meus filhos. Isso porque, por mais que a gente tenha cuidado, estamos lidando com pessoas que estão num carro e que, via de regra, não estão está visualmente centrados em bicicleta. Sua atenção está em carros, caminhões. Até mesmo motos correm esse risco da falta de atenção dos motoristas. Bicicleta não tem preferencial, não tem semáforo, nada. O ciclista tem um carro que pode vir pra cima. O ciclismo defensivo é muito importante, exige 100% de atenção. E dados comprovam que pessoas que andam muito de bicicleta se mantêm mais jovens, são mais atentos, mais vivos, adoecem menos, porque têm necessidade de manter atenção constante, o físico constante. 

 

ET - Qual a sua periodicidade nessa prática?

Ricardo - Faço tudo dentro de um certo critério, por conta de meu trabalho. Começo por uma boa preparação, com alongamentos, e sempre de manhã. Pedalo de quatro a cinco dias por semana, entre rodovia e estrada de terra, deixando este para os finais de semana, que é quando a gente sai para o lazer. E tenho que adequar as pedaladas à minha profissão, afinal de contas sou médico.  Trabalho o dia todo e muito. Então o que eu faço: atraso um pouco minha entrada no consultório e pedalo bem cedo. Três dias na semana, pedalo na estrada, o quarto dia na terra e um dia, faço in door, que é a bicicleta estacionária. Com isso você cria um programa de treinamento. Pedalo em torno de 1h20 a 1h30 no máximo, porque não tenho  mais tempo, o que dá um a média de 35 a 40 km por dia. No final de semana, pedalo de 80 a 100 km. 

 

 

ET - Qual a sua periodicidade nessa prática?

Ricardo - Faço tudo dentro de um certo critério, por conta de meu trabalho. Começo por uma boa preparação, com alongamentos, e sempre de manhã. Pedalo de quatro a cinco dias por semana, entre rodovia e estrada de terra, deixando este para os finais de semana, que é quando a gente sai para o lazer. E tenho que adequar as pedaladas à minha profissão, afinal de contas sou médico.  Trabalho o dia todo e muito. Então o que eu faço: atraso um pouco minha entrada no consultório e pedalo bem cedo. Três dias na semana, pedalo na estrada, o quarto dia na terra e um dia, faço in door, que é a bicicleta estacionária. Com isso você cria um programa de treinamento. Pedalo em torno de 1h20 a 1h30 no máximo, porque não tenho  mais tempo, o que dá um a média de 35 a 40 km por dia. No final de semana, pedalo de 80 a 100 km. 


ET – Vamos falar de suas aventuras fora de Ribeirão. Primeiro no Brasil, depois a gente fala sobre suas pedaladas no exterior. Qual foi a maior?

Ricardo - No Brasil, duas coisas que gostei muito de fazer foram, a primeira, o Caminho da Fé, que é uma estrada que sai de Descalvado e vai até Aparecida do Norte, passando por Porto Ferreira, Santa Ria do Passa Quatro, Águas da Prata, Ouro Fino, Paraisópolis, serra da Mantiqueira, passando por Campos de Jordão, Pindamonhangaba e Aparecida. São mais de 500 km de pedal, mas a estrada, somando todas as subidas,  dá uma elevação de quase nove mil metros, por causa da serra da Mantiqueira. Foi muito gratificante ver o pessoal todo incentivando, as pessoas nas lavouras, nas estradas, acenando e pedindo: 'Nossa Senhora que te acompanhe'. A caminhonete de apoio tinha uma tarja, “Caminho da Fé”, então, quando a gente pegava algum trecho de asfalto, a caminhonete ia atrás protegendo a bicicleta, aí os caminhoneiros passavam por nós buzinando, saudando... 

 

ET – Foi gratificante?

Ricardo – Foi. Foi muito legal. Foram cinco dias pedalando, uma média de 100 km por dia. Saíamos bem cedo, parávamos  para almoçar e depois pedal novamente. Outro percurso no Brasil de que gostei muito foi em Ouro Preto. Lá, eles realizam o Iron Biker, que sai de Ouro Preto e faz toda aquela região ouropretana. No dia seguinte, sai de Mariana e volta. São dois dias de competição e pegamos o quarto lugar. Na minha opinião, essas competições de cross country, em estrada de terra, são as melhores que temos no Brasil. E é muito gostoso...

 

ET - Qual a parte do corpo que mais sofre num percurso desses?

Ricardo – Nenhuma parte do corpo pode sofrer. Se sofrer, é porque você não está préparado. Para se fazer um pedal mais longo, o corpo não pode sofrer nada. Você tem que chegar cansado, mas bem, sem fadiga. Provas em dias consecutivos, a gente sofre mais, mas do segundo dia em diante, a pessoa se adapta e vai embora. O ideal e o correto é não sentir nada. Por isso, a bicicleta tem que estar muito bem adaptada.

 

ET – Uma bicicleta bem adaptada deve estar toda de acordo com a ergonomia?

Ricardo – Sim, tem a distância do selim, do guidão, da altura... É uma série de medidas que, se a gente sair  daquilo, as costas sofrem, as nádegas sofrem, os joelhos, panturrilha... tudo sofre. Selim muito baixo força os joelhos, selim alto força as costas. A bicicleta tem que estar adaptada, tudo na medida certa. Hoje já existem vários locais que fazem o que se chama de bike fit, onde eles colocam a bicicleta em cima de um rolo,  medem todos os ângulos (joelho, ombro, dorso) do ciclista em cima da bicicleta e aí posiciona. Sem a bicicleta estar adaptada aos ângulos do corpo não há corpo que resista. Razão de levarmos sempre nossas bicicletas quando fazemos essas aventuras. Em Santiago, por exemplo, foram 12 dias de viagem, mas estávamos com nossas bicicletas. Já na Argentina, sofremos mais, pois eram bicicletas alugadas 

 

ET – Falando no histórico e fascinante 'Caminho de Santiago de Compostela'... Como nasceu esse desejo?

Ricardo - Quem tem um a mountain bike, quer achar lugar para pedalar, disso não tenho a menor dúvida. E Santiago de Compostela é uma magia. Desde que Paulo Coelho escreveu, foi plantada aquela curiosidade de saber por que uma pessoa anda 840 km a pé. Por que faz um trajeto desses e chega lá bem? Isso nos motivou. Um amigo de Araraquara e eu decidimos ir. Vamos? Vamos! Levamos nossas bicicletas e saímos de Saint-Jean-Pied-de-Port, aos pés dos Pirineus, que dividem a França e Espanha. Isso foi há dois anos. 

 

ET – Fale um pouco do caminho, dessa experiência fantástica...

Ricardo - A gente vê aquela peregrinação, centenas e centenas de pessoas. A estrada é coberta de peregrinos, durante o caminho todo. E o que chama mais a atenção é a aura de todos, pessoas dos mais variados locais todos imbuídos da  mesma ideia. A vantagem de a gente estar de bicicleta é que a gente ultrapassa centenas de peregrinos e pudemos ver que as pessoas têm uma compenetração, uma aura boa, rezando, pessoas sozinhas, debaixo de sol, debaixo de chuva. Além da aventura há um quê de espiritual nas pessoas, no caminho. Um jornalista de Araraquara me perguntou se eu cheguei a sentir a presença de Deus no trajeto. Eu lhe disse: 'Eu não sei, só sei que a gente sente uma aura, uma coisa gostosa'. No caminho todo as pessoas estão sintonizadas  em algo, num raciocínio diferente. Não tem como explicar. O caminho é maravilhoso, 60% do caminho é por baixo de bosques. Uma coisa incrível...

 

ET – Ao chegar a Igreja onde o apóstolo São Tiago foi sepultado, qual foi a sua emoção?

Ricardo - Quando a gente chega sente que atingiu o objetivo. É a realização. É gratificante. Desde que a gente sai, o pensamento é chegar àquela igreja, pegar o seu diploma de peregrino carimbado. O pessoal que chega a pé, depois de 40 dias de caminhada é uma festa. É uma realização pessoal, que não  há como descrever. 

 

ET – Da Espanha, para a Argentina... E como foi pedalar na Patagônia?

Ricardo – À Patagônia fomos no início deste ano, foi recente. E foi uma coisa interessante. Temos um amigo que foi duas vezes a El Chatein, uma parte dos Andes que divide a parte patagônica do Chile e da Argentina. O lugar é maravilhoso. Lá é o paraíso do traking. Ele retornou e nos contou de uma competição de bicicleta. Eu não sou competidor, mas gosto de aproveitar a competição para usufruir o caminho, conhecer o local. E aí nos inscrevemos, eu e um amigo. Minha esposa Rita e outros casais resolveram ir e acabou virando uma excursão. Fomos até o Chuai, depois Calafate e El Chatein, desfrutamos da região toda. Como não levamos as bicicletas, tivemos problemas sérios com a adaptação. 

 

ET – Como é a competição?

Ricardo - A competição não é internacional é entre o pessoal da região, mas é muito interessante. Eles fazem um trecho de 30 km de bicicleta e 15 km na montanha, o que pra quem anda de bicicleta é uma tragédia... De bicicleta fomos bem, mas depois era uma corrida na montanha... Eu brinco, que sempre que participamos  dessas competições, somos aquele pessoal do fim da São Silvestre. Vamos mais para curtir, pra ter a chegada... Na Patagônia, o pessoal é muito forte em ciclismo e corrida nas montanhas. 

 

ET – Uma última pergunta, voltando à questão da segurança. Com relação à prática desse esporte, ficou claro que, o importante é a avaliação médica e a segurança. Qualquer um pode pedalar desde que siga essas recomendações?

Ricardo – Exatamente, qualquer idade. A única exigência para a pessoa pedalar é estar bem. Coração bom e fisicamente bem e aí é começar a pedalar.  Na época em que  eu dava plantão em Franca li num jornal que um sapateiro e o filho pegaram a bicicleta e foram para o Nordeste. Quando retornaram, o jornal perguntou-lhes: “Quanto tempo vocês se prepararam para essa viagem?”. Eles responderam: “Não nos preparamos. Pegamos as bicicletas e saímos. No primeiro dia andamos cinco quilômetros e quase voltamos. O segundo dia, terceiro dia foram difíceis, depois fomos acostumando. A partir do décimo dia, pedalávamos o dia inteiro”. A bicicleta tem isso, ela dá preparo. A pessoa vai se adaptando...