Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Arnaldo Chaer uma história de sucesso na UFV

Edição n° 1219 - 20 Agosto 2010

Há 53 anos, Arnaldo Chaer Borges, 67, reside em Viçosa (MG), como professor da Universidade Federal de Viçosa. Mas tantos anos de vivência e convivência na Zona da Mata, não mataram o seu amor pelas terras do Borá, onde nasceu.  Digamos que tiraram daqui uma mudinha e replantaram entre as serras da Mantiqueira, do Caparaó e da Piedade, mas aqui ficaram as raízes: o pai José do Pandó, de saudosa memória, a mãe, dona Alzira, hoje com 103 anos,  os irmãos, sobrinhos, demais familiares e amigos dos tempos da infância e dos tempos  das férias na cidade continuam nos últimos espigões da serra da Canastra.  E, pelo menos uma vez por ano, nas férias da Universidade, Arnaldo pega a estrada rumo ao Triângulo e percorre os 700 km que o separam de sua terra natal para reabastecer as energias e matar as saudades. Arnaldo, com uma simpatia ímpar recebeu o ET na casa da mãe, para recordar e falar de seus grandes projetos na Universidade Federal de Viçosa, onde estudou desde 1958 e nunca mais saiu,

salvo para os inúmeros cursos que fez, alguns deles no exterior. 

 

ET - Arnaldo, são tantos anos fora de Sacramento, que tem muita gente que acha que você é mesmo de fora. Desconhece que é mais um dos ilustres sacramentanos que brilham lá fora. Então vamos começar lá em 1943, quando você nasceu na fazenda São Basílio. 

Arnaldo - Não nasci na fazenda. Papai morava na fazenda, mas mamãe veio dar à luz aqui na cidade. Nasci no hotel Avenida, naquele tempo não usava ir à Santa Casa, eram ainda os tempos das parteiras. Sou o mais novo dos sete filhos. O mais velho era o José Rodrigues Borges, o Zé Dentista, depois o Edson Chaer, ambos falecidos. Aí nasceram a Rosalina, Selma, Plínio, Maria do Carmo e eu, a rapa do tacho (risos). Crescemos entre a fazenda São Basílio, na região da Tiborna e a cidade. Porque já morávamos na cidade. Estudei na Escola Normal, sob a orientação da professora Amélia de Oliveira, uma professora vigorosa, pessoa saudosa que muito contribuiu para educação na cidade.  Éramos uma turma grande de alunos e muitos ainda estão por aqui, mas a gente, fora tanto tempo, vai perdendo o contato. Mas sempre encontro o José Alberto, o Luiz Fernando, que não  mora aqui, mas às vezes coincide de nos encontrarmos. Há muitos outros, mas a gente perdeu o contato,  saí daqui com 14 anos. Completei 15 anos em Viçosa. 

 

ET - Dos seus primeiros 14 anos aqui, quais sao as lembranças? A fazenda, a Escola Coronel, o cinema?..

Arnaldo - Tenho lembranças muito boas. As melhores possíveis. Eu fui engraxate. Tinha caixa de engraxate e fazia isso com muito orgulho, papai nos estimulava a ter ocupação. E foi uma meninice muito boa.  Depois trabalhei no armazém do seu Carício Afonso, que ficava aqui perto, em frente à casa do Sr. Ferrúcio e nós moravamos na av. Visconde do Rio Branco, aquela casa de alpendre, que está lá até hoje. Depois mudamos para uma casa acima do posto de gasolina ali do centro, perto da casa do Pe. Saul. Depois, mudamos para essa casa, aqui na Benedito Valadares, e nunca mais saímos. Mas muita coisa mudou na cidade, como mudou!  

 

ET – Saudades da Escola Normal?

Arnaldo – Muitas, muitas... Que coisa, a Escola Normal, nunca mais retornei lá. Sempre que passo vejo que houve uma grande transformação. O primário todinho foi com a dona Amélia de Oliveira. O diretor era o doutor Paulo da Graça Lima. Terminei o Ginásio  e saí daqui com 14 anos, a diretora já era a dona Aracy. Mas eu não tenho muita lembrança da formatura. São muitos anos. Cinema era parte da vida da gente. O dinheiro que eu ganhava como engraxate, gastava com cinema pra ver o Tom Mix e as séries que passariam no domingo seguinte;  Tarzan, Rock Laine e aquelas histórias que a gente gostava. Outra coisa, era o tio Mário, gerente do banco da Lavoura, levava a gente para a Gruta, para o Benjamim e lá a gente fazia as nossas artes. 

 

ET – Esse tempo de 'moleque do Borá', certamente, marcou a todos daquela geração.  A adolescência, o 'primeiro alumbramento', como diz, poeticamente, Bandeira. Mas logo foi embora e não teve o prazer de curtir a juventude aqui...

Arnaldo - Tive, sim. Foram muitas as  festas e as namoradas. Nas férias estava sempre por aqui, embora fosse muito difícil a viagem. Eram três dias daqui a Viçosa. Íamos daqui a Araxá, na jardineira, estrada de terra... Dormíamos na Pensão Tormim, que era perto da rodoviária. No outro dia, às 5h00 da madrugada saia o ônibus para Belo Horizonte, um Chevrolet antigo cujo motorista era um sacramentano, o Anésio que havia trabalhado com o José Martins como motorista da linha de Sacramento a Uberaba. Chegávamos  na capital às 16h00 e só no dia seguinte embarcávamos para Viçosa. 

 

ET - Por que Viçosa, cidade tão longe, e você tão jovem... Não quis fazer por aqui o Científico ou o Clássico, cursos naquela época equivalentes ao Colegial/ensino médio de hoje?

Arnaldo – Não, porque Viçosa oferecia um curso Técnico de Agricultura, equivalente ao ensino médio de hoje, só que era curso técnico. A gente fazia um exame pra ingressar nesse curso. Daqui fomos o Irineu, do Eduardo Afonso e eu. Éramos muito amigos, brincávamos juntos. Papai nos levou, íamos  fazer o mesmo curso. Eu continuei, mas ele só fez o primeiro ano e não quis voltar. Ele não retornou em 1959. Foi fazer o curso de piloto em Belo Horizonte.


ET – E cuja vida foi marcada por uma tragédia, que chocou violentamente a cidade, lembra-se?

Arnaldo – Sim, é verdade. Eu me lembro muito bem. Como senti aquilo tudo. Éramos muito amigos. Foi muito trágico. Irineu já se considerava habilitado e resolveu vir para o aniversário de sua mãe. Fazer uma surpresa e trouxe o seu irmão, Vicente, que estava se preparando para o vestibular de Medicina, em Belo Horizonte.  Eles se perderam e o avião bateu no contraforte de uma serra perto de  Bambuí. Foi um choque muito grande. 

ET – E por que o curso Técnico de Agricultura? Se na época predominavam os cursos, Científico, o Clássico? Por causa da sua origem, da vida na fazenda?

Arnaldo – Sim, foi uma orientação paterna, pois com o curso Técnico de Agricultura eu teria uma profissão. Pelas minhas raízes eu teria uma profissão e não simplesmente o Científico, que não me daria a oportunidade de trabalho como daria um curso técnico. Preferi ir para essa atividade e tive sucesso. Terminado o curso, eu ia parar, mas o meu pai, aqui no quarto dele, homem simples que ele era,  me convenceu com uma frase: “Se você quiser voltar para fazer o superior, você tem o meu apoio. Quem pode ser patrão, não deve ser empregado. Voce vai ser sempre empregado com curso técnico”. No dia seguinte, retornei a Viçosa para o vestibular, que já era bem concorrido. Mas eu era bom estudante. 

 

ET - Especialmente, naqueles anos já era um privilégio ingressar numa faculdade como Viçosa?

Arnaldo – Sem dúvida! Era um privilégio e com uma vantagem: Viçosa permitia uma vida muito simples e barata. Tínhamos alojamento, lavanderia  e o refeitório da faculdade.  Papai me deixou lá numa situação muito boa. Ele arrumou a infra-estrutura inicial para que eu pudesse ficar, de modo a não pesar pra ele, que tinha outros seis filhos. E foram sete anos como estudante lá.  Fiz o Técnico em Agricultura, depois cursei Engenharia Agronômica, que concluí em 1964 e lá fiquei como professor.  Depois, fiz Mestrado, tive a oportunidade de desenvolver meu trabalho de tese em Porto Alegre, com o renomado professor, Jardim Freire. Em 1973, fui para os Etados Unidos cursar Doutorado. Em 1977, retornei a Viçosa, já como Doutor e, em 1988, retornei para o Pós-Doutorado, na Carolina do Norte, na capital, Raleigh. 

 

ET – Essa vocação para a agricultura, com certeza nasceu com sua vida na fazenda, com seu pai, trabalhando ali nas lides rurais, apaixonou-se e ...

Arnaldo - Não. Papai mexia com gado de leite, gado de corte, plantava café, arroz, mas eu não  cheguei a trabalhar. Quando nos mudamos para a cidade eu tinha seis anos, era muito novo e era poupado dessas atividades. Passava o tempo mais era brincando no paiol com os meninos. Não trabalhei na fazenda. 

 

ET – Falando de seu pai, o 'seu' Zé do Pandó, ele tinha um dom especial para encontrar água com um pêndulo ou uma forquilha, essas coisas de radiestesia. Ele era muito procurado pra encontrar agua em vários lugares. Você herdou esse dom dele?

Arnaldo - Eu consigo fazer a mesma coisa. Consigo perceber a água com uma varinha ou pêndulo, mas não tenho a experiência que papai tinha, faço como forma de distração. O fenômeno ocorre, sim, e não é com todas as pessoas, mas de fato acontece. Eu fiz isso lá em Viçosa e consegui locar um poço artesiano no condomínio onde moro. Disse para o pessoal: 'Estou fazendo isso brincando', mas funcionou (risos). A forquilha vira mesmo, ela quebra. Papai era, realmente,  muito bom nisso. Ele estudava, eu não faço isso...

 

ET – Ainda recordando o Zé do Pandó, ele era uma pessoa muito influente, politicamente falando. Nas suas férias, a sua ligação com a ODUS (Organização dos Universitários Sacramentanos) e esse lado político de seu pai, não o influenciaram a uma militância, a uma filiação partidária, não?

Arnaldo – Não. Tivemos alguma participação, mas nada que fosse além. Éramos um grupo de amigos, o José Alberto, Sérgio Rezende, José Armando, Luiz Fernando Valadares, Divaldo Castanheira... Houve alguns movimentos em relação ao prefeito da época, mas nem me lembro direito dos detalhes. Houve o movimento e eu participei. O certo é que nunca me filiei a nenhum partido, nunca mexi com política. Papai gostava da política do PSD, com o doutor Juca, doutor Valadares. Mas papai nunca nos impôs nada, nunca nos quis ver envolvidos em política. Ele participava, tinha uma atividade grande. José Alberto sempre recorda que papai teve uma participação muito grande na implantação da BR 262 mais próxima a Sacramento, pois o seu traçado original seria Araxá/Uberlândia. Papai era muito bem relacionado em Belo Horizonte, conhecia muito bem a região e conseguiu convencer as autoridades de que esse era o traçado mais correto. 

 

ET – Dessa militância, o ET pesquisou e soube do fato: Vocês fizeram o enterro de um prefeito aí da época e depois queimaram o caixão dele lá na praça da Matriz... Lembra?

Arnaldo -   Sim, o fato ocorreu como expressão da vontade dos jóvens da época de fazer com que a cidade deixasse de ser a do “Passaperto”.... (favor responder. Se não quiser, apague)

 

ET – Você chegou a Viçosa há 50 anos... O que foi e o que é hoje a Universidade Federal de Viçosa? 

Arnaldo - Quando entrei lá eram apenas dois os cursos superiores: Agronomia e Ciências Domésticas. Depois veio o de  Florestas (Engenharia Florestal). Éramos 300 estudantes, hoje são mais de 15 mil universitários divididos em 46 cursos, nas áreas de Ciências Agrárias (6), Ciências Biológicas e da Saúde (8), Ciências Exatas e Tecnológicas (17) e Ciências Humanas (15), nos campus de Viçosa, Florestal e Rio Paranaíba. Foi um crescimento estrondoso, tanto na universidade, quanto na cidade que tem hoje, cerca de 90 mil habitantes. Quando eu cheguei,  era uma cidadezinha de 10 mil habitantes, a iluminação era uns tomatinhos nos postes, como a nossa aqui em Sacramento, nessa época. A cidade verticalizou. O campus cresceu muito, não tem mais lugar para prédios... A Universidade é referência nacional e internacional. E é hoje um canteiro de obras. O programa ReUNI, do governo federal, destinou muitos recursos para a expansão das universidades. Temos a fazenda com 1.300 hectares, mas temos estações experimentais fora, como o campus de Florestal, temos o horto do Rio Paranaíba, que a universidade assumiu e está implantando o campus, em plena expansão. 

ET – Esse é o aspecto físico. É possível fazer uma comparação do nível do conhecimento dos alunos, daquela época e hoje, ou a Universidade de Viçosa é uma exceção?  Quem entra lá é realmente bom?
Arnaldo - A verdade é a seguinte. Quando a universidade era menor, a gente tinha um contato mais frequente com os colegas e com os alunos. Hoje, fazer uma comparação fica um pouco difícil, porque o conhecimento chega de uma forma muito mais ampla e mais rápida. A Internet facilita muito a vida do estudante. O aluno do ensino médio, hoje, tem um conhecimento, um  preparo maior que na minha época, ou deveria ter. Mas eu vejo que a juventude tem respondido de uma forma satisfatória. A gente fica surpreso quando coloca desafios para esses jovens e é essa a experiência que tenho na universidade. O jovem tem a motivação e a gente tem que saber despertar essa motivação e colocar os desafios corretos. Quando colocamos os desafios, eles respondem e até ultrapassam nossa expectativa. Tenho exemplos nos cursos de pós-graduação, que surpreendem. Muitos estudantes chegam com deficiências, mas eles conseguem superar, no período em que estão lá, e nos surpreendem. Muitos vão para o exterior e concorrem lá, com igualdade de conhecimento. 
ET – A Universidade de Viçosa pode ser comparada a um centro de excelência, comparável a universidades internacionais?
Arnaldo – Não tenho dúvida disso. A formação que nossos universitários têm  é comparável a dos melhores centros internacionais. Nosso vestibular é um dos mais concorridos, e considerado difícil. Veja que agora está aí a notícia do ENEM, em que o Colégio Aplicação, dentro da universidade, classificou-se em primeiro lugar no Estado e o sétimo no país. Para entrar no Colégio Aplicação existe um processo de seleção muito rigoroso, onde entram, realmente, os melhores estudantes. E esses melhores estudantes tornam-se os melhores profissionais e concorrem com  muita vantagem nas melhores universidades do país, sem fazer cursinho. Mas Viçosa oferece oportunidades para alunos que vão de outras partes do país e muitos desses estudantes utilizam bem as oportunidades e buscam superar as deficiências. Outros, realmente 'passam' por lá. Não temos só estudantes bons, temos estudantes muito fracos.
ET - Como foi sair da enxada, conviver e acompanhar a evolução tecnológica na área da agropecuária?
Arnaldo - Isso faz com que a notícia desse instante, chegue nesse instante. Isso é de um importância muito grande. Comecei na universidade na enxada, no lápis, borracha. Íamos para a biblioteca e eram só antiguidades. Hoje, temos um sistema como  o Portal de Periódicos da CAPES/MEC atualizados, temos acesso a  bibliotecas dentro do computador, em qualquer lugar do mundo. Para os trabalhos de campo utilizamos internet sem fio. Todos os registros são feitos no computador. Não fazemos aulas sem usar o power point e temos um sistema PVANet em que as aulas são disponibilizadas para os alunos. Os trabalhos sao entregues todos em power point. Não faço ideia do que ainda virá. Mas é uma coisa fantástica. 
ET – Em 53 anos de universidade, você pode dizer que conviveu com toda essa transformação, mas e a sua trajetória, como foi? De aluno aplicado a Doutor?
Arnaldo - Como eu disse, cheguei como estudante. Já formado iniciei como iInstrutor, em 1965. Passei a Professor Assistente, em 1967, mediante concurso, banca examinadora e tudo o mais.  A Universidade sempre fez questão de seus concursos para  docentes. Passei a Professor Adjunto e me aposentei, em 1992. Como estava com menos de  50 anos, fiz outro concurso e tive a felicidade de ser aprovado com muito louvor, com nota máxima em todos os exames da banca, e cheguei a  Professor Titular. Fui chefe do Departamento de Microbiologia por mais de dez anos. Ocupei recentemente o cargo de Diretor do Instituto de  Biotecnologia Aplicada à Agropecuária, por um período relativamente curto. Voltei à atividade de Professor e estou a espera dos 70 anos, mas não esperando a aposentadoria, porque estamos com projetos em vista, um deles está sendo negociado com a Secretaria de Ciência e Tecnologia em Educação Superior e com um valor bem significativo...
ET - Pode nos adiantar de que trata esse projeto?
Arnaldo - Ainda não posso detalhar as informações. A notícia tem que ser dada pelo Sr. Secretário de Ciência Tecnologia e Educação Superior, mas me comprometo, tão logo seja possível passarei pra vocês, com todo prazer...  Já fizemos vários projetos, fomos a Instituição em Minas a ter o primeiro projeto do Fundo Setorial do Petróleo- MCT na área de Microbiologia do Petróleo, aprovado pela FINEP. Levamos na época R$ 1 milhão, quando montamos um laboratório, que é referência na área. Tivemos um segundo financiamento de R$ 1 milhão ainda na área de Microbiologia do Petróleo, com apoio do CENPES-PETROBRAS e FINEP. Agora estamos trabalhando para obter o financiamento de um projeto de Ecologia Microbiana, para ser executado em tres anos e inicialmente orçado em R$ 6 milhões, esperamos ainda captar mais R$ 9 milhões dos parceiros. Isso é uma atividade natural do professor, dentro de sua especialidade. Cada um procura financiar recursos para as pesquisas que realiza. Somos uma equipe e temos na universidade, uma pós-graduação forte, exatamente, porque temos o apoio grande. A pós- graduação em Microbiologia Agrícola da UFV que tem conceito 6 na CAPES, o conceito máximo é 7. Nosso curso é considerado de padrão internacional. São mais de 60 estudantes de Mestrado e Doutorado, oriundos de diferentes partes do Brasil e do exterior. Já orientei vários estudantes de outros países em suas teses. Temos uma atividade bastante grande e como tudo é feito com muita seriedade, a gente consegue colocar problemas que interessam a sociedade brasileira e que merecem o apoio das agências de fomento, como da FAPEMIG, dirigida pelo Mário Afonso Neto Borges, outro sacramentano, que tem o reconhecimento da comunidade científica.
ET – Qual a visão de um PhD de Viçosa, que passou sua infância na roça, assistindo de perto aquele trabalho, até então milenar do arado puxado com boi, e hoje com toda essa transformação tecnológica, em relação à agricultura no país? 
Arnaldo - Uma coisa que tem que ser dado mérito a Viçosa é o da participação substantiva na grande transformação da agricultura no país, a partir de estudos no cerrado. Todos consideravam  o cerrado como área imprópria para agricultura e o  relevante papel da Universidade de  Viçosa nessa história, foi o de ter realizado e pesquisas sobre calagem e fosfatagem dos solos, concluindo pela elevação do valor do pH para 5,5, suficiente para  neutralizar o efeito tóxico do alumínio e tornar , o cerrado agricultável. A tortuosidade das árvores do cerrado é atribuída a problemas advindos da toxidez de alumínio e manganês do solo. Viçosa tinha um convênio com a universidade de Purdue, em Lafayette, nos Estados Unidos e o professor José Mário Braga, começou a trabalhar numa pesquisa de acidez de solo e fosfatagem e conseguiu recuperar essa área de cerrado para a atividade agrícola e com vantagens, em razão das características físicas do solo e à topografia favorável. E isso coincidiu com o programa de melhoramento de soja, que Viçosa foi a pioneira, em 1966, desde então, transformando a paisagem e trazendo melhorias para a agricultura.
ET – Sobre essa transformação do cerrado, há um estudo do Instituto Socioambiental e também do Instituto Akatu falando da importância do cerrado como fonte de vida de 1.500 municípios brasileiros, modos de vida, cultura, etc, e onde se encontram também diversos aqüíferos, entre eles o Guarani, o Urucuia, por isso o cerrado é chamado de 'Berço das Águas'...  A destruição desse bioma riquíssimo não vai comprometer a natureza? 
Arnaldo - O ecossistema não foi destruído, ele foi usado para produção de alimentos. Quando pegamos os parâmetros em tornos de aumento populacional, renda, melhoria do padrão de vida, isso tudo se deveu ao fato de que a agricultura e a pecuária sustentaram  e sustentam o país. Mudou a forma de exploração, mas há áreas que são mantidas, não são áreas contínuas, há espaços e a lei ambiental é também um avanço e tem mantido áreas de cerrados. 
ET – No município de Sacramento, muito pouco. Por exemplo, a partir do reflorestamento dos chapadões nos anos 70, com o pinus e o eucalipto; depois, a soja e hoje a cana de açúcar, os cerrados praticamente desapareceram: 5%, em 3 mil Km² de área.  Gostaríamos que você fizesse uma avaliação dessa relação agricultura e preservação ambiental e, também sobre o relatório do deputado Aldo Rebelo.
Arnaldo - Todo processo de desenvolvimento  leva a distorções e sabemos que em muitos aspectos houve muitos prejuízos, mas quando se faz o balanço a atividade ainda beneficia muito o país. O melhor exemplo disso que eu vejo é o relatório do Aldo Rebelo. Existe um programa de geopolítica muito importante nessa história toda, demonstrando interesses maiores externos no sentido de manter aqui no Brasil áreas sem utilização para fins de agricultura e pecuária, mas representando renda  e desenvolvimento para outros países.

ET – Como assim?
Arnaldo -  Há um estudo nos Estados Unidos intitulado, "Farms here, Forests there" (Fazendas aqui, florestas lá) afirmando que os agricultores dos EUA podem ganhar até US$ 270 bilhões (dólares- grifo nosso) até 2030 com a redução do desmatamento nos países tropicais. Pelo documento americano, eles querem que o Brasil freie a soja, a expansão da pecuária e os deixem produzir lá. Só para se ter idéia, quando comecei como professor em 1965, todas as sojas do Brasil eram plantadas do Paraná para baixo e todas as sementes tinham nomes de generais americanos. Onde está a soja,  hoje, no Brasil? Está de norte a sul, e isso é resultado de  pesquisas, da ciência feitos por brasileiros que se capacitaram nos Estados Unidos e também no Brasil. Pelo documento  americano, a proposta seria mais ou menos esta: 'Parem de plantar aí, nós plantamos aqui e vendemos pra vocês'.
ET – Segundo Aldo Rebelo, o seu relatório, se transformado em lei, deve regularizar a situação de 90% dos problemas rurais brasileiros. Mesmo prevendo, entre outras coisas, a redução da mata ciliar, as chamadas APPs (àrea de preservação permanente), de 30 para 15 m? Segundo o programa Mata Ciliar, do governo paulista, um único hectare de mata gera mais de 1,3 milhão de litros de água por ano. O ideal não seria fazer uma exploração da soja, da cana, das pastagens de uma forma sustentável? 
Arnaldo - Sustentabilidade, hoje, é a palavra que se destaca nessas questões de progresso e meio ambiente.  Então se não tiver uma forma de colocar a tecnologia e o conhecimento que se tem  desses ambientes naturais, como fazer o uso dessas áreas de forma sustentável, o país vai realmente condenar a sociedade a uma dependência, que não  é desejável para a nossa sociedade. O Aldo Rebelo, de uma forma muito inteligente, procurou conciliar o conhecimento técnico da exploração de áreas agricultáveis e de pecuária, inclusive prevendo a  incorporação de áreas que estão absolutamente degradadas para atividade econômica do país, preservando o meio ambiente, garantindo a sustentabilidade. 
ET – O fato do relatório consolidar as áreas que já estão sendo usadas, fruto de grandes desmatamentos e depredações, para as atividades agropecuárias, e impedir qualquer desmatamento futuro, concedendo aos grandes proprietários de terras uma anistia, não estaria punindo quem cumpriu a lei e a preservou? 
Arnaldo - A situação, o  conhecimento hoje é um, há anos atrás era outro. Há muitos anos atrás, havia o estímulo, que o próprio governo dava, para que a pessoa colocasse aquilo que era capaz de gerar nessas áreas novas, desbravando tudo. Não havia as atuais leis ambientais .  A pessoa vai, faz e agora, diante de uma nova visão, querer penalizá-los por isso é incoerente. Se pegarmos hoje a atividade de agricultura e pecuária, ela está cada vez mais abandonada em razão do fato de que no Brasil não se valoriza o sucesso. Quando uma pessoa tem sucesso no Brasil, normalmente, é penalizada. Costumamos dizer: 'Se está bem, é porque tem alguma coisa aí'. Ao contrário de outros países, onde o sucesso é valorizado, eles reconhecem que a pessoa acreditou, investiu, pôs a sua vida ali. 
ET - Bom, agora, caminhando para o final desse bate-papo gostoso, vamos voltar a Sacramento. As suas vindas aqui se restringem a visitas. Você se sente mais sacramentano  ou mais viçosense?
Arnaldo - É difícil separar, porque raiz a gente não tem como abandonar, independente da distância ou do tempo distante. Não sou cidadão viçosense, embora conheça a história da cidade muito bem, afinal boa parte da minha vida tem sido lá. 
ET – E Sacramento, poderia sonhar um dia com o Dr. Arnaldo Chaer Borges residindo em Sacramento com a farmacêutica Déborah, e contribuindo com seu desenvolvimento e progresso na área agrícola?
Arnaldo –Todos aqueles que têm o privilégio de conhecer Sacramento e conviver com os sacramentanos, mesmo brevemente, gravam em suas memórias a opção de que é um lugar para se viver com qualidade de vida. Em verdade, o fato de continuarmos em Viçosa poderá nos propiciar oportunidades de melhor contribuir para a nossa Sacramento.
ET – Agora, para realmente finalizarmos, vamos deixar o PhD e falar do Arnaldo, pai de família...
Arnaldo - Sou casado com Déborah Souza, farmacêutica, formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, mas é natural de Lavras. Nós nos conhecemos nos Estados Unidos. O pai dela, professor Paulo de Souza, fazia doutorado também. Ele era um professor famoso de Lavras, pessoa notável, um dos fundadores da Universidade Federal de Lavras, foi Secretário Nacional de Produção Agropecuária, uma pessoa muito conhecida no meio agronômico. Ele fazia doutorado e  com mais de 50 anos, o que ele fazia, nós com toda nossa juventude não conseguíamos fazer.  Eu me casei com Déborah nos Estados Unidos, em 1976. Temos um filho, Paulo José  de Souza Chaer Borges, que se formou em Administração pela PUC, de Belo Horizonte, e trabalha  na Suzano. Paulo está com 27 anos, é solteiro, e ainda não tive a alegria de ter um neto. 
ET – Dr. Arnaldo, foi um grande prazer. Agradecemos sua gentileza.