Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Simone Silva, direto dos Estados Unidos

Edição nº 1470 - 19 de Junho 2015

ET – Que coisa, parece que foi ontem, você, no finalzinho do século passado,  fazendo pra morar no exterior. Você só dizia que iria pra longe... Pra começar, conta como foi e por que a opção pelos Estados Unidos?

Simone – Com certeza a Europa é o sonho de todos os artistas plásticos, mas as oportunidades são mais amplas aqui. Os Estados Unidos são um país moderno e conservador em muitos aspectos. A cultura é importante aqui também, as pessoas apreciam muito a arte. Hoje em dia muitos artistas europeus expõem e vendem suas obras aqui como o pintor espanhol Royo. Quase todas  as suas obras são vendidas aqui. 

Muitas obras famosas de grandes artistas europeus se encontram aqui também. A maior coleção de Van G., muitas obras de Dali, Monet, Renoir, Pablo Picasso, etc., se encontram aqui. É muito importante pra mim estudar os grandes mestres.

ET – Por que decidiu sair de Sacramento?

Simone – Naqueles anos, eu curtia muito a vida em Sacramento, mas em termos de realização pessoal, eu estava muito distante. E depois, eu sempre acreditei na intuição de meu coração. A Arte sempre foi minha paixão, meu sonho desde pequena. Sentia uma necessidade muito grande de explorar novos horizontes, aprender mais sobre a vida, novas culturas, enfim buscar no desconhecido elementos para minha auto realização.

    ET – Como aconteceu tudo, o visto de entrada, a cidade escolhida, a primeira impressão?

Simone – O visto naquela época era mais fácil, passei pela entrevista no Consulado americano, no Rio de Janeiro. Meu destino era Madison, passei antes por Miami e Chicago. Hospedei-me em uma pensão mais barata... Mas foi a primeira impressão que me surpreendeu. Nunca vou me esquecer, foi  muito, muito engraçado. Eu cheguei em Wisconsin no meio do tão famoso inverno, sem ter a menor idéia do que estava me esperando (em termos de temperatura). Eram 10:20 da manhã, quando cheguei no aeroporto de Madison, o sol estava brilhando, como no verão aí no Brasil. Tomei um táxi, todas as ruas estavam desertas, a paisagem seca, um silencio total, (o trânsito aqui, os carros não fazem barulho como aí) parecia que o lugar tinha sido bombardeado. Tudo feio, árvores secas, a neve suja, negra, nas ruas e nas calcadas. Eu pensei comigo …que país e esse? E o que eu estou fazendo aqui? Foi um choque!!

ET – Como se virou até decidir ficar?

Simone -  Como criança quando está aprendendo a caminhar, um passo de cada vez. Consegui prorrogar o visto, preenchendo todos os formulários necessários. Não cheguei a ficar como clandestina, mas fiquei na prorrogação do último visto. Isso é legal de acordo com a INS (Serviço de naturalização e imigração Americano). Na verdade, não passei nenhuma dificuldade nesse sentido, além da tensão nervosa, na verdade também, desnecessária. Quanto ao ficar por aqui, eu ainda não me decidi em permanecer nos Estados Unidos. 'Estou vivendo' por aqui. Minha condição hoje aqui, para o governo americano, é legal: Sou residente do estado de Wisconsin.

ET – Queremos saber agora o que fez nesses dez anos. Formada em Artes Plásticas, seu trabalho esteve ligado à sua profissão?

Simone -  Sempre trabalhei em escolas pré-escolares. No começo como assistente de professor, depois como professora. Hoje continuo trabalhando como professora e coordenadora artística de uma escola pré-escolar. Aqui trabalha-se mais que no Brasil e, ainda, existe mais responsabilidade em termos jurídicos. As pessoas são muito preocupadas com multas, processos, principalmente, quando se trata de crianças. Inspetores do estado, da cidade e do país estão sempre investigando, visitando. E quando digo visitando, me refiro ah… como se diz…eles passam uns cinco a seis meses observando toda a escola, os professores na sala de aula, os documentos no escritório, seguro da escola, limpeza,etc. Passam quase uma semana das 8 da manhã até às 5 da tarde acompanhando o desenvolvimento e desempenho dos professores em cada  sala de aula, observam tudo: relacionamento com estudantes, com pais de alunos, com outros professores, etc.

ET – E a artista plástica, Simone Silva, continua pintando, criando suas telas?

Simone - Estou sempre pintando, faço algumas exposições, trabalho como coordenadora artística da escola, fazendo também desenho gráfico e ilustração para a escola. Estou enviando pra vocês algumas de minhas telas, que chamo de 'meus filhos'. 

ET – Conta pra gente como é o dia-a-dia de uma professora pré escolar? Você disse que aí se trabalha mais... O que é esse 'mais'.

Simone - Que saudade da comidinha lá de casa, daquele tempo da rua Joaquim Murtinho… Ah, minha rotina diária começa cedo. Acordo às 5:00 da madruga, quando o sol ainda não nasceu. Tomo um banho quase frio, que é pra acordar. De vez em quando faço um suco de vegetais e tomo rapidinho, na maioria das vezes, o café da manhã. Chego à escola às 7:00 horas, depois de dirigir meia hora de carro. O almoço é na escola mesmo, e um lanche no carro ao voltar do trabalho, às 5:00 horas. Que loucura!!!! E assim eu vou vivendo…

ET – Como são os seus 'week-end', aproveita para descansar em casa ou vai curtir alguma balada, algum cinema? Viaja muito?

Simone – Meus fins de semana começam assim: pela manhã, o cafezinho que não é o mineiro. Ou é francês ou colombiano, são os que encontro por aqui. A música clássica e um bom livro são sagrados. Isso é parte da minha rotina nos fins de semana. Também limpo meu AP, vou ao supermercado, vejo alguns amigos, faço o evangelho no lar e sempre ligo para meus pais. Às vezes vou a Chicago com alguns amigos para encontrar outros amigos, que são também artistas Aproveitamos para ir ao museu de arte de Chicago, galerias e movimentos artísticos.

ET – Já deu alguma esticadinha maior do que essa, outros estados, países, o Canadá, aí pertinho. Europa? Conta suas aventuras internacionais...

Simone -  Vou sempre em busca de Museus de Arte. Quase tive um ataque cardíaco de felicidade, quando estive no Museu de Arte de Nova York, na sala de Van Gogh. Eu chorava, sem parar! O mesmo aconteceu no museu de Arte de Chicago, onde está o famoso quadro de Pablo Picasso,  “O Guitarrista”. Olha, eu fui para o México uma vez e fui a Espanha. Visitei Madri e, claro, o museu de arte de Madri, fui para Andaluzia, onde conheci Granada, a terra sonhada de Pavaroti e visitei Alhambra, Sevilha, Cordova, Cadiz, Málaga, onde Pablo Picasso nasceu. Visitei o museu de Pablo Picasso, sua primeira casa, enfim estive em todas as cidades e pequenos povoados de Andaluzia.

ET – Como combate o sedentarismo e a rotina da escola? Alguma academia, caminhadas. Alguma atividade física pra manter o corpo saudável?

Simone -  Então, há três anos atrás eu fui diagnosticada com HMS. Isso é... acho que em português, síndrome de hipermobilidade. De acordo com a minha junta médica existe apenas 3% da população com isso. Sou muito mais flexível que o normal. E a cada ano a minha flexibilidade aumenta. Por isso, tive sérios problemas na minha coluna vertebral. A única solução para isso é manter os músculos firmes, ou seja tenho que fazer exercício físico com orientação de especialistas todos os santos dias. Também fiz aulas de flamenco, dança espanhola, para ajudar na postura.

ET – Em Sacramento, você era ligada ao movimento Espírita. E aí, como exercita esse lado espiritual?

Simone - Faço o culto no lar todos os domingos e estudo as obras de Kardec, André Luis e Emmanuel. Aqui em Madison, existe espiritualismo mas não Espiritismo. As pessoas nunca ouviram falar de Allan Kardec, Chico Xavier ou Eurípedes Barsanulfo.

ET – Algum trabalho voluntário junto a alguma entidade assistencial, se é que exista?

Simone - Essa e uma das minhas maiores frustrações. Aqui como disse, as pessoas têm muito receio das leis, processos, etc. Já tentei várias vezes participar de algum trabalho voluntário, mas é muito complicado. Por exemplo, há um ano atrás, eu tentei ser voluntária no hospital da universidade, tive que fazer exame de sangue, aids tuberculose e vários outros... Passei por uma orientação de quase três horas, e no fim eu não pude completar a última fase da orientação,porque estava trabalhando. Daí não pude ser voluntária. E todos os lugares são assim.

ET – E o amor, continua lindo como no Brasil?

Simone – (Risos). Bom, casada eu saí daí, né... (risos). Agora, filhos, tenho vários (risos) Vou te mandar fotos. O amor continua lindo aqui também. Fiquei noiva no final do ano passado. Karim é o nome dele. Não é americano, não. É descendente de espanhóis. Cresceu em Marrocos, falando espanhol, francês, árabe e um pouco de hebreu. Hoje fala inglês e português também. Era surfista profissional,  por isso teve oportunidade de  conhecer vários lugares como: Austrália, Europa, toda a costa Africana, Havaí, Indonésia, etc. Ah! E o Rio de Janeiro, também. Ele gosta muito do Brasil. Atualmente, é professor de  Yoga e trabalha para a Universidade e é escritor também. Sua paixão, além de mim  (risos) e do mar,  são os livros. Lê pelo menos oito livros por semana, em diferentes idiomas e muita diversidade. Às vezes, eu comento com ele que ele lê muito. Ele me diz, não o suficiente, olha a livraria/biblioteca está cheia de livros e muitos sendo lançados  a cada dia. É uma pessoa muito espiritualista, humilde e honesta. Se souber o que eu estou escrevendo sobre ele, vai me olhar e dizer:  Simone, não... não...não... Talvez ele vá comigo no final do ano.    

ET – A partir do 11 de setembro, pelo que a gente viu e vê,  os imigrantes passaram a ser muito mais 'vigiados'... Houve mesmo esse endurecimento, com leis mais severas?

Simone – Sim, é verdade. No 11 de setembro eu estava na sala de aula. E partir daquele dia, posso dizer com certeza que as decisões políticas afetaram todos os moradores desse país, em geral. Mas para nós imigrantes, as leis se fizeram mais severas. Principalmente para aqueles imigrantes ilegais. É muito triste ver crianças serem colocadas para adoção, porque os pais foram deportados.

ET – Faz tempo que a gente não te vê por aqui. Não tem férias?

Simone – Tenho, claro. Mas você se lembra, daquela estudante que deixava tudo pra última hora, na aula de gramática portuguesa? Então, essa mesma estudante deixou o passaporte vencer. Que vergonha! E teve um prazo muito curto para colocá-lo em dia. Enfim, eu passei por Sacramento um dia e meio, só, para atualizar todos os meus documentos necessários para o renovamento (sic) do passaporte.

ET – 'Renovamento'? (risos) É ruim, hem!! Renovação, tá?

Simone – (Risos) Desculpe, 'Renovação' do meu passaporte, em fevereiro. Não revi os amigos, não tive tempo de nada. O pouco que fiquei aí passei em Santa Maria, com meus amados, Soarino e D.Rosa. Vou voltar no fim desse ano ou começo do outro se Deus quiser, para rever os amigos, tomar cafezinho e comer pão de queijo.