Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Deda Faria: “Sou grato pela vida”

Edição nº 1124 - 19 Outubro 2008

ET - Por quê um atrito no primeiro encontro?

Seu Deda – Na verdade, não foi um atrito, foi mais uma polêmica sobre um ponto de vista. Acho que foi comentando um filme... ela era muito fã daquela artista do  cinema americano, Clark Gable e, talvez, eu a tenha contrariado... (risos). Mesmo assim, conversamos muito  e eu fiquei bem intencionado. No outro dia ela foi nos visitar e eu fui levá-la até sua casa.

ET – Naquela caristia toda, desempregado, tentando acertar a vida em Uberlândia, como podia se casar?

Seu Deda - Arrumei dinheiro emprestado. Um amigo nosso de Guairá, José Rosinha, foi a Água Suja e passou em  nossa casa. Ele me emprestou dinheiro para abrir uma oficina e comecei a trabalhar. Depois disso, conheci minha sogra e dois de meus cunhados, o Dr. João e o Periquito, que foram passar as festas de fim de ano em Uberlândia. Ao se despedir de minha mãe, minha sogra disse que era de bom grado o meu casamento com Julieta. E como o Dedão mudou-se pra Uberaba, a Julieta foi morar de pensão na nossa casa. E assim as coisas foram se acertando. O Jurandir, meu cunhado, casou-se no dia 26 de junho de 1943 e mandou convite, fui com Julieta ao casamento, em Nova Ponte. Vi a família reunida, fiquei impressionado. No dia 13 de agosto vim falar com o seu Itagiba, e pedir a mão de Julieta em casamento. No dia  26 de dezembro de 1943, nos casamos, após um ano e pouco de namoro, na Igreja Matriz de Sacramento, com o Pe. Alaor.

ET – E quando fizeram a opção por morar em Sacramento?

Seu Deda - Com a crise de 1945, as coisas dificultaram ainda mais, o comércio caiu muito. Já tínhamos nosso primeiro filho, o Toninho. Em busca de dias melhores nos mudamos para Buriti Alegre, quando nasceu Abadia, que, na verdade veio nascer em Sacramento. E quando a Julieta voltou pra casa a Abadia adoeceu. Passando por lá, meu cunhado Nenê viu o estado de Abadia e avisou ao Dr. João que foi buscá-la para fazer um tratamento aqui em Sacramento. Foi quando Julieta veio com os dois meninos. Abadia estava muito doentinha mesmo. Um dia a Julieta me escreveu, pedindo para vender tudo e vir pra Sacramento. Vendi a selaria e, no dia 17 de abril de 1947, desembarquei aqui de mala e cuia. 

ET – E mais uma vez começando a vida com uma mala...

Deda – De caixa e cuia! (risos). E um dinheirinho... 

ET – Até naquela época tinha dinheirinho na mala? (risos)

Seu Deda – Mas esse foi conseguido graças à venda das máquinas que tinha na selaria e em casa... até o enxoval da Tia Leta eu vendi (risos). Ela disse que era para vender tudo. Então vendi, mas ela deu uma bronca danada. Mas trouxe um pouquinho de dinheiro. Por isso, fui trabalhar de empregado com o Celeste Boniuvo, que tinha selaria e sapataria com um movimento grande, onde é hoje a Eletrozema. Trabalhavam lá cinco sapateiros e um seleiro, o Zé Cassiano, muito bom seleiro, aí eu entrei. Depois de uns vinte dias que eu estava lá, aquele tanto de serviço, o Celeste me ofertou a selaria por Cr$ 60 mil (cruzeiros). Claro, não tinha condições de comprar. Vendo que eu não iria comprar, não me deu mais serviço.

ET – De novo na 'rua da amargura'...

Seu Deda - Mas nunca desanimei, fui trabalhar debaixo de uma laranjeira na casa do meu sogro, onde é hoje o Bradesco, em frente a Caixa Econômica. Lá debaixo dessa laranjeira, eu fazia colchões, reformava móveis e outros serviços. Peguei muito serviço. Juntei um dinheirinho e com a ajuda da família, porque eu pagava uma pensãozinha, tinha médico e farmácia de graça, não foi difícil fazer um pé de meia e recomeçar. Um amigo do meu sogro, Luiz Ferreira Borges, que morava em Uberaba, me arrumou uma máquina de costura, meu cunhado me emprestou um dinheirinho pra inteirar e organizei uma oficina por Cr$ 2.100,00  (cruzeiros). 

ET – Tudo ali debaixo das mangueiras?

Seu Deda – Laranjeira. Então, a vida começou a organizar, mas precisava alugar um cômodo, que na cidade não tinha. Assim, em maio de 1948, o Juquinha Vigilato me alugou uma portinha onde é hoje a farmácia do Herculano, de frente pra onde é hoje uma loja de R$ 1,99. Estabeleci e ali fiquei algum tempo.  Foi o meu primeiro estabelecimento, em que eu era proprietário, um pequeno empresário. A firma chamava “Reformadora Selaria”, porque ali eu fazia de tudo: estofados, colchões de capim, de mola, acolchoados, arreios, arreatas, tudo o que pessoal precisava. Naquele tempo os três irmãos seleiros da cidade, o Cincinato, o Boanerges e Alberto haviam  chegado em Sacramento, há pouco tempo. E tinha também o Ledo que tinha sapataria, ali perto, onde é hoje o Varejão Central, na casa do  Langerton. 

 ET - E dali, do Juquinha Vigilato, pra onde foi?

Seu Deda – Até então, eu morava com meu sogro, porque vim pra cá com a mudança na mala. Depois de algum tempo com a minha oficina, alugamos uma casa do Abraão Jorge, onde é hoje o Banco Popular. Pude comprar móveis e usei alguns cômodos pra fazer a oficina e o quintal pra depósito e fazer colchões. Transformei a firma em 'Sapataria e Selaria'. Só que, de repente, as coisas se atrapalharam. O movimento começou a cair. O comércio esfriou. Nesse tempo, 1953, a cidade recomeçou com seus times de futebol e eu fui me envolvendo. Isso também contribuiu para que meu movimento caísse ainda mais, eu tinha que atender o futebol. Eu comecei a entrar em decadência  pra engrandecer o futebol, no Clube Atlético Sacramentano. Eu fui acudir o Armelindo Tomaz, técnico que reabriu o clube em 1952. Ele treinava uma garotada da época, era o juvenil do Atlético Clube, o Chuca, Nenzão, Marinho, Eliberto, Sozé,

ET - Falando em Atlético a história desse clube tem no Sr. um dos mais ardorosos incentivadores e defensores... Sem falar que, com sua memória prodigiosa, é o seu grande biógrafo. Conta como foi essa ressurreição do clube, fundado em 1917...

Seu Deda - O Armelindo tinha tinturaria, ali subindo a rua Major Lima, onde era a Cinelândia. E eu, funcionava com a Selaria Reformadora, em frente, onde hoje é a farmácia do Herculano. Havia outra porta ali, dando pra Major Lima. E a gente batia muito papo, falava de futebol, principalmente sobre a derrota do Brasil na Copa do Mundo, em 1950, na inauguração do Maracanã. O povo desiludiu muito. Aí o Armelindo resolveu  organizar um time e fundou o Juvenil Atlético Clube. Os estudantes freqüentavam muito a minha sapataria pra discutir política, porque eu era metido a ser comunista, querendo resolver os problemas do mundo (risos). Aí, fui arrebanhando jovens para o time. No dia 20 de outubro de 1950, teve o jogo de estréia com o juvenil da Usina Junqueira.  Os estudantes me deram um ultimato pra ir ao campo. Fui, e assisti ao jogo, porque gostava muito dos meninos. Antes de iniciar o jogo, compareceram vários veteranos com a chuteira embaixo do braço, mas o Armelindo não deixou nenhum deles jogar, justificando que o jogo era de quem tinha treinado. Eu gostei do jeito dele e pensei:  “Esse aí tem valor” e passei a me interessar e até a freqüentar os treinos.

ET - E com isso a Selaria foi pro brejo?

Seu Deda – Bom, isso foi em 51... Eu fiquei com a Selaria até 1954, quando comprei o bar do Viriato. Fiquei ali remediando, sacrificando a família, porque eles me ajudavam muito. Acabava trabalhando pouco, porque perdia muito tempo com o futebol. E tinha a sapataria também, com dois empregados, o João, mais traquejado, e o Sozé, aprendiz.  Na Selaria, eu trabalhava, mas pouco... Eu passei a fabricar bola, chuteira. O Sozé, que era craque do Armelindo foi o aprendiz de fazer chuteira e ficou bom aquele rapaz.

ET – Quando foi que passou, de simpatizante a diretor do clube?

Seu Deda - Vai escutando.  Para o reinício do clube, quando ele fundou o Juvenil do Atlético, Armelindo havia convidado um grupo de seletos cidadãos para constituir uma diretoria, tendo como presidente o Rui Rezende, e mais o João Vieira, Alberto Bianchi, Arnaldo Pavanelli... Mas um dia ele desanimou, falou que não ia mexer mais. Veio me queixar, reclamando que não teve o apoio que esperava e que estava muito difícil... E como eu tinha visto o trabalho dele,  me ofereci para ajudá-lo, me dispondo para arrumar uma nova diretoria, desde que ele destituísse aquela que ele tinha nomeado. Estava na hora de a gente aproveitar o Dr. João, que tinha sido craque profissional, era bem relacionado e recém eleito prefeito. Entrei disposto a ajudá-lo a  legalizar o time e não parei mais. Ele reiniciou o clube, mas se eu não ajudasse o clube afundava. Eu passei a fabricar bola, chuteira. 

ET – O sr. se lembra desses novos diretores do Atlético?

Seu Deda – Todos. Presidente, Dr. João Cordeiro; vice, eu, José Antônio de Faria, a pedido dos companheiros, para me aproximar de Dr. João, que era meu cunhado; 1º Secretário, Saulo Wilson; 2º, Eliberto Vieira; 1º Tesoureiro, Aristófero Mendes do Nascimento; 2º, Armando Nascimento; Diretor Esportivo, Hércules Pucci; Diretor Social, José Sobral Caetano; Diretor de Propaganda, Rui Rezende e Orador, Hugo Bianchi. 

ET – E de onde veio esse gosto pelo futebol? Participou de peladas na sua infância em Guairá?

Seu Deda – Muitas!!.. Jogávamos bola de pano, o time, formávamos na hora e jogávamos na rua. A falta do olho não me atrapalhava, eu metia o pé na bola, mesmo. Mas depois de crescido, não joguei futebol.

ET - Desde o início do Atlético, o sr. teve uma grande relação com o clube, ocupando vários cargos, inclusive chegando a morar no estádio, cuidando de tudo. Até quando foi isso?

Seu Deda - Fechei a selaria em 1954 e comprei a Confeitaria Brasil, que o pessoal  chamava de Bar do Viriato. Indiretamente, ali ficou sendo a sede do clube, onde fazíamos as reuniões da diretoria, além de ser o ponto de freqüência dos jogadores. Eu colocava num  quadro as escalações, aliás eu sempre sonhei com uma sede social, muito mais do que com um estádio. Até 1959 fui ocupando cargos, mas depois continuei a trabalhar com o clube, durante muitos anos.

ET - Foi ali nesse bar que nasceu, a 'Rádio da Praça', com o seu serviço de notícias e propagandas divulgadas com os antigos alto-falantes, tipo cornetas, não foi?

Seu Deda – Exatamente. Fui o pioneiro, mas a idéia não foi criar uma rádio com fundos financeiros para mim. O único objetivo era fazer propaganda para o Atlético. Iniciamos esse serviço de propaganda ao vivo, em 1957. Fazia a propaganda na rua nos finais de semana, anunciando os jogos e, no bar, com uma aparelhagem fixa virada para a praça, durante a semana. Comprei dois aparelhos, um fixo e um ambulante. O carro era alugado, um carro de praça (táxi). Era tudo ao vivo, eu ia falando de dentro do  carro. 

ET – Aliás, o sr. tinha uma excelente voz, de locutor mesmo...

Seu Deda - (Risos) Que nada!! Nunca ouvi as propagandas... 

ET - E não sabemos? Seresteiro que era, com o Mamão ao violão? Dizem que era um cantor e tanto... (risos). 

Seu Deda - Como cantor tive muitos fãs. Eu  não era educado para a música, mas tinha boa voz. Um amigo, Elias Salomão, o Mamão,  me acompanhava no violão. Eu cantava valsas, samba-canção. Eu cantava no Jazz Band, que tinha vários instrumentos violinos, piston, bateria, banjo e três cantores, dois solistas e eu. Era muita música bonita. O samba não era muito aceito nas cidades grandes, mas no interior era muito famoso. Pra dançar, então, nem se fala (cantando):

do que eu? / Quem é que já me viu chorar? Sofrer foi um prazer que Deus me deu / eu sei sofrer, eu sei sofrer / com certeza Deus já me esqueceu”. Essa é do Noel Rosa. Havia muita música boa naquela época... A Carmem Miranda era um estouro.

ET – Lembra do clássico, Saudades de Guaíra?

Seu Deda – Claro que me lembro, de Pedrinho Queirós. Vou cantar a última estrofe: “Mas eu ainda guardo a esperança / que tudo para mim há de voltar / então, não viverei só da lembrança / de um sonho, de um amor e de um olhar. Guaíra, se ao lembrar me desespero / dos sonhos de amor que se desfez / pra ser feliz de novo, eu quero /rever-te ainda outra vez.” A letra é maravilhosa. Pedrinho teve um grande amor, a Maria de Lourdes Correia, uma portuguesinha linda, mas não deu certo, porque o pai dela não aprovou o namoro. Ele só voltou pra Guaíra depois que o português, mudou de lá com a família. Sofreu por amor. 

ET – A Rádio da Praça tinha também o seu lado de propaganda política. Não era difícil conciliar sua ideologia comunista com o 'direitão' PSD? (risos).

Seu Deda – Se era (risos). Mas aí já virou uma questão familiar, meu cunhado, o Dr. João Cordeiro, foi prefeito pelo PSD, do Dr. Juca. Foi Dr. João quem construiu o campo do Atlético, depois doado ao clube através de lei, aprovada pela Câmara. Então, havia esse lado. Dr. João foi um grande homem. Eu fazia muitas propagandas para os políticos do PSD, mas o que arrecadava era para murar o campo. Principalmente, na política de 1958, eu trabalhei para os políticos colhendo frutos para o muramento do campo. Também nos comícios, eu animava e anunciava os candidatos. Mas sempre para o  Dr. Juca. É claro que havia outros candidatos bons, de outros partidos, para quem eu gostaria de trabalhar. Isso até me contrariava, mas era uma questão política. Aí vocês já viram... (risos). Tinha que ser do Dr. Juca.

ET – O sr. tá dando uma de político do PSD e se escorregando da resposta... (risos). Não me respondeu: como misturar comunista com pessedista?

Seu Deda - Não teve problema, porque eu vivi o período de Sacramento. O período socialista era lá na Rússia... (risos). Nós aqui não tínhamos nada a ver. Eu vivi o período político familiar. Conheci o Comunismo na minha juventude, mas nunca tive militância. Li muitos livros, mas aqui em Sacramento não li mais nada.  Gostava muito do Luiz Carlos Prestes, lia muito a história dele, era um grande idealista. 

ET – O sr. era um dos 11, do famoso Grupo dos 11?

Seu Deda – Não, não cheguei a pertencer  ao Grupo dos 11. Não me filiei, já morava em Sacramento e permaneci independente. Em Buriti Alegre e Uberlândia foi que me aproximei mais  do partido e tomei conhecimento da doutrina. Eu freqüentava a sede, era o 'Partidão', um partido de expressão. O partido de Uberlândia era famoso. Aqui eu peguei fama de comunista, porque não me contive e acabei discutindo com algumas pessoas e a turma era revoltada com o Comunismo, aquilo me marcou, mas passou...

ET - Foi por isso que o sr. teve uma briga com o Dr. Amur, filho do Dr. Juca? 

Seu Deda - Não. Não, foi por isso, não. Em questões políticas nos dávamos muito bem. Ele era filho do Dr. Juca, mas era bem socialista. Logo que ele chegou dos estudos foi me visitar e conversamos muito. Pelo contrário, ele me passou muitos conhecimentos, trouxe muitas notícias e nos dávamos muito bem, nesse ponto de vista ideológico. A nossa indisposição foi lá no Clube Atlético, mas por outro motivo. Foi uma bobagem. 

ET – A sua vida em torno do Atlético foi de uma dedicação incomum, de um verdadeiro herói mantenedor do clube... Parece até que sacrificou a família por conta do clube. Como a Tia Leta, os filhos, encararam essa paixão?

Seu Deda – Os filhos eram todos novos... E davam também esse apoio, os meninos treinavam, gostavam... Já minha esposa, a Julieta, era fanática pelo clube também, gostava do futebol, da cidade natal... Acho até que se houvesse uma indisposição nessa parte, poderia reverter na felicidade dos filhos, porque teria me afastado mais cedo do clube. 

ET – Esse trabalho ligou-se a outras instituições? Como foi viver esse voluntarismo?

Seu Deda - Vontade de servir... Dediquei parte de minha vida também ao Sacramento Clube, como diretor e procurador. Ali permaneci durante dez anos. Também na Santa Casa, onde permaneci três anos  como diretor. Foi quando chegaram para Sacramento as irmãs de São José de Cluny. O provedor era o Pedro Gianni. Sem deixar de apoiar todas as outras ações em prol das entidades assistenciais da cidade. Mas sempre fiz esse trabalho voluntário pelo gosto de servir a comunidade.

ET – Um trabalho voluntário de um verdadeiro benemérito, mas que foi reconhecido com muitos títulos, não?

Seu Deda – É verdade. Recebi várias  moções da Câmara Municipal, Título de Cidadão Honorário, a Comenda da Ordem de Nossa Senhora do Patrocínio do Santíssimo Sacramento, várias homenagens do CAS, do Jornal 'O Estado do Triângulo', o título de Personalidade do Ano. Tudo isso representa uma bondade profunda de todos que me outorgaram essas homenagens, porque eu pouco dei pelo muito, muito  que recebi. Recebi muito sem nada oferecer. O que eu fiz foi obrigação. Ser útil aos outros é obrigação.

ET - Vamos falar um pouquinho da sua religiosidade. Primeiro, o que o povo dizia: 'O Deda é comunista, e ateu'. Mas eu sempre percebi no sr. e na família uma grande religiosidade... O sr. se afastou da religião e depois retornou?

Seu Deda – Sou católico, fui batizado, fiz minha primeira comunhão. E filho de uma família extremamente piedosa. Como você disse, foi só propaganda. Intimamente, eu nunca me afastei da Igreja, nem de Deus. A fé em meus protetores sempre se manteve acesa. (retirando da carteira velhas  estampas de Santa Terezinha, Nossa Senhora Aparecida). Elas me amparam desde que nasci, Jesus Cristo, nem se fala. Eu nunca fui anti-católico, só estive afastado dos preceitos, até hoje é assim. Mas sempre que desço vou à igreja, faço as preces, agradeço, peço por tudo e todos. Estou debaixo do manto de Nossa Senhora e tenho a proteção de Jesus Cristo. Mas sempre visito também Eurípedes Barsanulfo que é também um grande benfeitor e protetor, é um arauto de Deus. Deus é um só, para todas as religiões, todas elas pregam o amor de Deus...

ET - Como era o relacionamento de um comunista com os padres? 

Seu Deda – Foi sempre muito bom. Ainda alcancei o padre Julião, padre Pedro e padre Saul, um grande sacerdote. Eu não ia à igreja, não, mas tinha amizade com ele. Apesar de ele ser um tanto sectário, foi muito zeloso, cuidadoso. Pe. Saul consertou a Igreja, enquanto instituição católica,  porque estava toda desorganizada pela acomodação e velhice de dois padres. Seus antecessores descuidaram da Igreja...

ET - No alto dos seus 90 anos, como é o seu dia-dia?

Seu Deda - Comer e dormir (risos). Dizem que eu gosto de passear, mas não é, ando por necessidade, o organismo pede. Toda manhã desço vou até a pracinha de Nossa Senhora D'Abadia. Lá eu converso com ela, agradeço e peço bênçãos para todos e volto pra casa. 

ET - Mas chegando em casa, tem o lado do leitor assíduo, do declamador de poemas. Como anda esse lado, podemos recordar alguns poemas preferidos?

Seu Deda – Leio ainda um pouco. Quanto aos poemas, claro que me lembro, embora a  memória não esteja tão boa. Eu gosto dos poemas do Guerra Junqueira. Há várias  máximas no prefácio da segunda edição do livro dele e se puxar pela memória ainda me recordo. (E tivemos a oportunidade de ouvi-lo declamar algumas máximas e o  lindo poema,Caridade e Justiça, de Guerra Junqueira.). Eu decorava pelo simples gosto pela poesia, sempre gostei muito de ler...

ET - Chegar  aos 90, o que o sr. diria sobre essa data?

Seu Deda - Comer, beber e esperar o chamado de Deus (risos) Mas foi uma bênção, está sendo uma grande bênção. Sou grato pela vida. Aliás,  não sei como recebi tanto, porque nada ofereci. Eu fui, desde criança, protegido, amparado por Deus, por Jesus, por meus  pais, meus familiares, meus amigos, minha esposa, meus filhos. A acolhida, a estima, as homenagens que recebi... Se há uma pessoa feliz, esta sou eu, sou a única ou uma delas... Sou feliz, muito feliz... Quero agradecer por vocês me ouvirem, vocês me honram com essa homenagem e minha família há de guardar com satisfação essa gentileza, muito obrigado.