Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Discutindo a 'Escola Domiciliar'

Edição nº 1672 - 26 de Abril de 2019

Escrever, que forma maravilhosa de comunicar. As palavras se tornam indeléveis, têm uma autenticidade própria, não podem ser modificadas ou adulteradas, sob pena de serem mal interpretadas. A escrita não se perde no ar e não adquire conotação: é o que é. 

Esse seria o pressuposto para a defesa da escola. Lá fomos alfabetizados e aprendemos a escrever, porque fomos criticados na essência do termo para fazermos sempre melhor. 

A escola pública, laica, multisseriada para ambos os sexos e universal para as etnias é uma conquista da humanidade. Não era assim no passado. Desnecessário dizer que somente os ricos tinham acesso. Ainda existem resquícios identificados pelo monopólio da elite, que não perdeu o viés da dominação e jamais vai perdê-la, daí a necessidade da defesa da escola como instituição popular e libertadora numa sociedade de classes onde a luta das classes é um determinismo histórico. 

Paulo Freire jamais desprezou os saberes populares, ao contrário o seu legado expresso nos livros que escreveu, valoriza-os e os potencializa na escola regular como fermento das massas. Porém, o consagrado educador não abre mão do ensino formal, laico e coletivo sem distinção de sexo, cor da pele ou condição social. O agente dessa ação é o educador na acepção da palavra, onde o professor é uma peça, porém educa quem mantém a escola limpa e prepara a comida. 

Essa cadeia de ações positivas vai desde o porteiro que cumprimenta e acolhe o diretor/a que, mediante decisões colegiadas, também decide e promove diretrizes. Esse é o diferencial da escola: Inspira a democracia e valoriza o coletivo. O questionamento do ensino regular é justificável. Como todas as instituições, é passível de erros e mazelas, oriundas da condição humana. Entretanto, é uma falácia atribuir à educação coletiva embotamento ou dificuldade para o indivíduo ser criativo e liberto. 

A escola reforça a noção de optar partindo do convívio das diferenças oriundas da vivência de cada um. Haverá sempre um poeta, um prático, um inovador até mesmo um pastor ou um revolucionário, no mesmo nível de escolaridade, todos fugindo ou negando a bitola que pretende atribuir ao ensino formal. 

A sala de aula ensinou-nos a convivência, a ansiarmos pela liberdade e a executar a camaradagem, a entender a disputa como salutar sem o senso de dominação. Os melhores amigos foram descobertos na escola. Podemos até imaginar e viver um mundo sem escola. Fascinante. Daí negar os valores intrínsecos  do ambiente escolar existe uma distância estabelecida pelo processo histórico. 

Existem falhas? Onde elas não estão? Esse aspecto justifica a luta constante para valorizar e aprimorar a escola, reconhecendo-a como conquista da humanidade. Em Sacramento, Eurípedes Barsanulpho foi educador na acepção da palavra. No início do século XX introduziu salas mistas na rígida estrutura de ensino masculino. Introduziu o ensino de Astronomia na grade curricular e valorizou a aula de Campo como complemento da teoria. Manteve o processo de avaliação com respeito ao mérito pessoal e reconheceu a disciplina como elemento para o aprimoramento da personalidade.

Barsanulpho está vivo na escola que acolhe alunos de todas as origens proporcionando trabalho, alimento, abrigo, respeito às diferenças (inclusive religiosa)  e construindo a paz como fruto do entendimento. 

Nada impede a concepção de uma formação sem escola, fruto de uma aprendizagem doméstica, ao convívio dos pais e educadores. Utopia ou revolução possível?

Entretanto seria necessário mudar o tecido social e reverter o sistema capitalista e a sociedade de classes. 

O momento histórico propõe soluções estabelecedoras em todos os aspectos. Quanto mais inusitadas as propostas, mais fascínio exercem sobre as pessoas. Entretanto, mesmo os defensores de um mundo sem escolas admitem a existência de mestres imprescindíveis para a evolução humana.

Concluindo, Prof. Walmor, gostaria que completasse este texto com sua opinião. 

 

(Carlos Alberto Cerchi)


Respeito, mas contraponho

Caro Prof. Berto, me pede o impossível. Completar o quê? Em quê? Me ponho humilde a refletir um pouco sobre o tema. Outra atrapalhada de nosso presidente que amplia o leque de desassossego na educação, que começou sob Temer com o congelamento por 20 anos dos recursos para Educação e o PL193/16, mais conhecido como 'Lei da Mordaça', ou Escola Sem Partido', que proíbe os professores do ensino fundamental e médio, pasmem, de discutir, expor e emitir suas opiniões em sala de aula temas sobre ideologia política, religião, sexualidade... proibindo também passeatas e atos públicos. Mas este é outro assunto para um novo texto.

O tema proposto é a Homeschooling, termo criado por John Holt, doutor da Universidade de Harvard, nos anos 60 e que veio ganhando simpatia de educadores e famílias mundo a fora. Pesquisas mostram que 63 países já adotaram a Escola Doméstica, que prega a desescolarização, quer dizer, pra que escola? Crianças e adolescentes não necessitam de uma educação sistemática intramuros com professores, orientadores pedagógicos, supervisores e o escambal da escola pública, especialmente. Os pais são os educadores, buscando apoio nos programas curriculares e em professores contratados, para dar suporte aos temas mais complexos. No Brasil, sabe-se, 2.500 famílias já educam seus filhos na modalidade; nos Estados Unidos, onde os Bolsonaro gostam de buscar suas bugigangas ideológicas, as escolas domésticas somam 2 milhões de crianças.

Os adeptos da escola domiciliar fustigam a escola tradicional a começar de seu obsoletismo em contraposição aos avanços da tecnologia digital, conforme defende a Associação Nacional de Educação Domiciliar. É, eles têm até uma associação que aponta alguns pontos negativos na escola de Piaget e Paulo Freire: sua homogeneidade, defasagens estruturais, violência, droga, bullyng, sem falar de questionamentos de foro religioso e moral, argumento maior das famílias americanas que defendem a homeschooling.

Refletindo a questão pelo lado jurídico, a escola doméstica não encontra guarida na legislação brasileira, a começar pela Constituição Federal, passando pela Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional e chegando ao ECA (Estatuto da Criança e Adolescente). O poder judiciário pode condenar as famílias que desrespeitarem a lei por 'abandono intelectual'. Mas deixam brechas, o suficiente para o 'jeitinho brasileiro' entrar em ação. 

Uma delas foi a liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, à jovem Lorena Dias 17 para que obtenha o certificado de conclusão do ensino médio, após ser aprovada no curso de Jornalismo, na UNB (Universidade Nacional de Brasília), sem passar pela escola regular. 

Professor, não me escandalizo com essa flexibilização. Respeito a coragem dessas famílias que não enxergam na escola regular o ambiente propício para que seus filhos ali se eduquem, apontando-a como obsoleta e desatualizada. Concordo até em muitos pontos.  E acrescento, a educação sistemática é muito burra, caduca e inflexiva. Os professores, diretores não nos atualizamos, somos analfabetos funcionais até hoje no domínio das ferramentas digitais, quando nossos alunos nos dão aulas. Vergonha! 

Mas dizer que o isolamento no lar é a escola ideal, aí não, 'o buraco é mais embaixo', diria o amigo e finado Burdog. Lembrando Aristóteles, preceptor de Alexandre, o Grande, grandiosidade que até hoje não entendi... por conquistar reinos matando seres humanos aos milhares? Talvez, arrependido, o filósofo grego criou o que chamou de Escola Peripatética, juntando seus alunos debaixo de frondosas árvores, transformadas nas primeiras salas de aula. 

Dali vieram Comênios, imitando a natureza; Rousseau respeitando a evolução natural do discípulo; Pestalozzi comparando o professor a um jardineiro e Herbart valorizando a instrução dos pais e mestres, educadores que representam as quatro colunas da pedagogia moderna. E chegamos a John Dewey, Piaget, Paulo Freire, Rubem Alves, Frei Betto, com quem termino, subscritando com o Prof. Berto o seu desconsolo com os atuais mandatários deste país.  

“- Na escola dos meus sonhos, a interdisciplinaridade permite que os professores de Biologia e de Educação Física se complementem; a multidisciplinaridade faz com que a História do livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e dança e associa a história da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas. Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo, o pai-de-santo, do candomblé; o padre, do catolicismo; o médium, do espiritismo; o pastor, do protestantismo; o guru, do budismo, etc. Se for católica, há periódicos retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja...” ('A escola dos meus sonhos', Frei Betto)

Mourão, Mourão, ponha ordem na 'troupe', desculpe, tropa!                                (WJS)