A comunidade negra de Sacramento estará em festa neste domingo 25 com a realização do 13º Encontro Regional de Congado, Moçambique, Marujos e Catupés, realizada, excepcionalmente, este ano no Parque de Exposição, em comemoração aos 60 anos da fundação da Guarda de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, pelos saudosos, Valdivino Inácio e Vó Tonha, em maio de 1955, no bairro São Geraldo, na época conhecido como Baixada.
“- Queremos dar mais visibilidade a essa nossa tradição tão bonita. O encontro é uma festa da cidade e o povo só vê quando o cortejo desce. Ali no parque, a exemplo do que ocorre com o Encontro de Folias de Reis, teremos a presença do público, além do que é um oportunidade de um entrosamento maior entre os ternos visitantes”, justifica a presidenta da Guarda, Maria Aparecida de Fátima Moreira
O grande encontro começa a partir das 8h com a chegada dos convidados das cidades da região. Às 10h, será celebrada uma missa campal com a presença de reis, rainhas e toda a corte que acompanha os ternos. De Sacramento, o Rei Perpétuo Weverton (Tom) Inácio Pires e a Rainha Perpétua, Lucimar dos Reis participam da celebração e da coroação de Na. Sra. do Rosário. Ao final da celebração, serão também coroados os capitães mores, José Augusto Felício da Silva e Delcides Tiago (Cid), seguida do almoço.
Às 15h, de ônibus os ternos seguirão até a praça Getúlio Vargas, e, após a saudação à Basílica do Santíssimo Sacramento, seguirão em procissão até a Igreja de Nossa Senhora do Rosário para a saudação à santa de sua devoção, com apresentações e despedidas na praça. “Devemos respeito à Basílica por ser nossa igreja maior, a Igreja Mãe. Não vamos entrar, mas vamos circulá-la em saudação à nossa padroeira, Na. Sra. do Patrocínio do Santíssimo Sacramento e depois vamos saudar a Mãe do Rosário na sua igreja”, informou.
Exaltando os fundadores da Congada na cidade no início do século XX, Maria Aparecida justifica que a intenção é mostrar o trabalho dos ternos atuais e homenagear os verdadeiros donos da Congada que plantaram essa semente e que atravessa gerações. “Estamos comemorando 60 anos da Guarda de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, mas muito antes disso, com certeza, há mais de 100 anos já era tradição a Congada na cidade”, afirma lembrando algumas lideranças.
“- Eles foram os precursores, devemos isso a muitas e muitas pessoas, que nos deixaram essa herança: o general Zé Santana, Tia Joana, Azor, Desidério, Temístocles, Tio Adolfo, Zé Bertulino, Cristiano, o rei Divino, a rainha Vó Tonha, Bigico, Terezinha, Tia Hirma, Tio Alencar e Tia Maria, Mandino, Tutim e tantos outros. E vamos ter a missa, para rezarmos na intenção de cada um”.
60 anos da Guarda de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário
A Guarda de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário está no ano do seu cinqüentenário, completo no mês de maio. De acordo com o Estatuto, a Guarda foi fundada por Valdivino Inácio (Divino Inácio), em 13 de maio de 1955. Comprova a data da fundação da Guarda, o Estatuto da entidade elaborado na gestão da então presidente, Terezinha Maria dos Santos (in memorian), filha de Divino Inácio e Vó Tonha e assinado pelos demais membros da diretoria, dentre eles, Luiz Almir e Lucimar dos Reis, ambos filhos de Terezinha e, Maria Antonia dos Santos, os três, netos do fundador da Guarda. O Estatuto foi registrado em cartório no Livro A-3, fls. 223V, sob o nº 724, no dia 28 de junho de 2000. Assina o registro, Cleuza Valdo dos Santos Brigagão.
Outro fato que comprova os 60 anos da Guarda, é um depoimento do saudoso Matuzalém Ferreira (Tutim), publicado pelo ET, em 08/08/13 (Ed. Nº 1374), na comemoração de seus 81 anos. Diz a matéria: “Filho de José Ferreira, o Santana do Congado, Tutim teve a oportunidade de desfrutar dos ensinamentos do pai, até os 15 anos. “Papai era general do Congado, comandava o Congo na cidade, eu era criança e já participava, mas depois que ele faleceu, o Congado deu uma parada. E quando reiniciaram, eu já não me interessei mais, porque estava ligado ao futebol no XIII de Maio”. A comprovação reside no fato de que a Guarda foi fundada na mesma década (1950) da fundação do clube de futebol pelos veteranos, José Francisco Pereira (Curtume), Azor Guimarães, Desidério, Cabeleira (Antonio Pereira), Tutim e outros.
Congado da cidade tem mais de 100 anos
O Congado e demais manifestações afros são manifestações fortes nas Minas Gerais, sobretudo na mesorregião Triângulo/Alto Paranaíba, com festas regulares anualmente.
O sociólogo Júlio Cesar Pereira, um dos estudiosos da cultura afro na região, aponta que os primeiros negros, livres ou não, teriam chegado a Sacramento, na segunda metade do século XIX, a maioria, para trabalhar na construção da Mogiana, que não empregava escravos, mas homens livres.
“- É correto então afirmar que desde as primeiras levas de trabalhadores nas terras de Sacramento a mão de obra escrava sempre esteve presente e, consequentemente, as suas manifestações culturais e religiosas. (...) Nesse período eram férteis as manifestações dos pretos pois a Cia. Mogiana não aceitava escravos em suas frentes de trabalho e, sim, homens livres”.
Outro autor que faz referência ao trabalho dos negros na ferrovia é o escritor Vicente Higino, no seu livro, 'O Toque de Xangô'. “Eu era menino e me lembro do meu avô contar causos de Sacramento, Conquista e de meus tios que viveram por aqui. Meu avô contava histórias da estação, a ferrovia aqui, quer dizer, eu cresci ouvindo histórias daqui”, revelou ao ET em 30 de abril, quando do lançamento de seu livro na cidade no dia 30/04 (Ed. nº 1464 - 08 Maio 2015). Assim, com a leva de trabalhadores para a região, com eles vieram as tradições.
Júlio Cesar cita as dificuldades de aceitação que as manifestações afro enfrentaram em todo o país, até o início dos anos 1950. “No Brasil, até o início dos anos de 1950 todas as manifestações de matriz africana eram tidas como criminosas, fossem elas religiosas como o Candomblé e a Umbanda, ou cultural como a Capoeira, Congada, Moçambique, Catupé, Tambores da Crioula, ou manifestações simples como a procissão dos pretos e os blocos de carnaval”, afirma.
De acordo com o sociólogo, o mesmo ocorreu em Sacramento. “Com a construção da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, as manifestações das comunidades de negros, a Festa dos Pretos passou a ser tutelada então pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, que se manifestava duas vezes ao ano, desde a fundação da igreja, com o agrado da população e do comércio local. Mas, no ano de 1948 foi proibida a entrada do cortejo na igreja, a pedido do padre vigário da época”.
O historiador Amir Salomão Jacob, no seu livro Matriz da Vila, e em artigo publicado no ET em 2013 (Ed. nº 1387 - 08 /11/13), cita o então vigário, 'Monsenhor Fleury' como responsável pela absurda proibição, que perdurou por 29 anos, só voltando a ser realizada em 1977, com a chegada do arcebispo Dom José Pedro Costa. A partir de então, anualmente, a tradição vem sendo mantida pelas novas gerações.
Falando sobre o cortejo do Congado em Sacramento, Júlio Cesar explica que o cortejo saía das casas dos festeiros, residentes em sua maioria na Baixada e Traz do Morro, hoje João XXII. “Geralmente, se reuniam no hoje São Geraldo, até porque o 'Terreirão', local onde as divindades de matriz africana se manifestavam. O cortejo descia pela praça da Gameleira (onde hoje está a UBS Aracy Pavanelli) e prosseguia até o centro, passando em frente à Igreja Matriz e dali até a Igreja do Rosário”, afirma, apresentando um dado novo: “A pedido de Tia Joana, o cortejo passou a seguir pela estrada dos boiadeiros, a atual rua dos Inconfidentes, pois onde hoje é a praça José Natálio seria erigida a Igreja de São Benedito e dali seguia para a Igreja Matriz”.