Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Cidadania, Florestania: a Amazônia, titular de direitos

Edição nº 1685 - 26 de Julho de 2019

Amigos, estou enviando um texto, em continuação daqueles ecológicos sobre a Amazônia,pensado como subsídio ao sínodo panamazônico a se realizar em Roma em outubro deste ano.

Abraço

Lboff

 

Fenômenos novos exigem palavras novas. Assim cidadania se deriva de cidade e florestania, de floresta. Esta nova palavra, florestania, foi criada no Estado do Acre, sob o governo de Jorge Viana, representando conceito novo de desenvolvimento e de cidadania no contexto da floresta amazônica.

 

O propósito é implementar a cidadania dos povos da floresta, dos indígenas, dos seringueiros e dos ribeirinhos que se traduz por investimentos públicos na educação, na saúde e nas formas de produção extrativista, tendo como referência maior a floresta e sua derivação a florestania.

 

Floresta e ser humano vivem um pacto sócio-ecológico includente, onde o ser humano se entende parte da floresta e a floresta passa a ser um novo cidadão, respeitado em sua integridade, biodiversidade, estabilidade e luxuriante beleza junto com os outros cidadãos humanos. Ambos são beneficiados – povo e floresta – pois abandona-se a lógica antropocêntirca e utilitarista da exploração e se assume a lógica ecocêntrica, da mutualidade que implica respeito mútuo e sinergia.

 

Esta compreensão abre espaço para um enriquecimento possível do conceito de cidadania a partir da reflexão ecológica mais avançada. Agora trata-se da florestania não só como cidadania na floresta mas como cidadania da floresta. A floresta é considerada, pois, como um novo cidadão.

 

A compreensão que subjaz a esta afirmação e que entrou nas constituições do Equador e da Bolívia, reside no fato de a natureza e a Terra serem a condição necessária para a vida. Esta somente existe porque é sustentada pelos fatores físico-químico-ecológicos terrestres sem os quais não haveria vida. Se a vida tem dignidade, fato aceito por todos, ela engloba também a dignidade dos elementos que a tornam possível sobre o planeta.

 

Ademais, a natureza e a Terra possuem valor em si mesmo, independente da existência humana, que irrompeu quase no final do processo cosmogênico. Tendo valor em si mesmo, Terra e natureza, devem ser respeitadas. O próprio ser humano há de se entender parte da natureza e da própria Terra, formando com elas uma grande e única entidade. Este é o o legado que os astronautas nos transmitiram de suas naves espaciais e da Lua: Terra, natureza e humanidade formam uma única e complexa entidade.

 

Nesta visão, mais e mais sustentada pela moderna biologia e cosmologia, a floresta como floresta, a natureza bem como a Terra são vistas como sujeitos e como cidadãos e como tais titulares de direitos.

 

Isso ficou mais claro quando a ONU numa sessão solene no dia 22 de abril de 2009 decidiu chamar a Terra de Mãe Terra, dando-lhe a ela o mesmo tratamento que devotamos às nossas mães: o respeito, o cuidado e a veneração.

 

Impõe-se, portanto, a ampliação da personalidade jurídica à floresta, aos ecossistemas e à Terra como Gaia. Bem disse o pensador Michel Serres: “A Declaração dos Direitos do Homem de 1789 teve o mérito de dizer 'todos os homens têm direitos' e o defeito de pensar 'só os homens”. Os indígenas, os escravos e as mulheres tiverem que lutar para serem incluídos em 'todos os homens”. E hoje esta luta inclui as florestas e outros seres da natureza também sujeitos de direitos e, por isso, novos membros da sociedade ampliada.

 

Leonardo Boff é eco-teólogo, filósofo e escritor e escreveu Saudade de Deus- A força dos pequenos, a sair pela Vozes.

 

Continua na próxima edição