Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Que nos dirão nossos filhos e netos?

Edição nº 1643 - 5 de Outubro de 2018

     Todos os países, especialmente os que estão passando por crises financeiras, como é o caso do Brasil, são tomados por uma obsessão persistente: temos que crescer; temos que garantir o crescimento do PIB que resulta da soma de todas as riquezas produzidas pelo país. Crescimento é fundamentalmente econômico na produção de bens materiais. Ele cobra uma alta taxa de iniquidade social (desemprego e compressão dos salários) e uma perversa devastação ambiental (exaustão dos ecossistemas).

         Na verdade, deveríamos antes falar de desenvolvimento integral que comporta elementos materiais imprescindíveis, mas principalmente dimensões subjetivas e humanísticas como a expansão da liberdade, da criatividade e das formas de moldar a própria vida. Infelizmente somos todos reféns desse súcubo que é o crescimento.

         Há bastante tempo que o equilíbrio entre crescimento e preservação da natureza foi quebrado em favor do crescimento. O consumo já supera em 40% a capacidade de reposição dos bens e serviços do planeta. Ele está perdendo sua sustentabilidade.

         Sabemos hoje que a Terra é um sistema vivo auto regulador no qual todos os fatores se entrelaçam (teoria de Gaia) para manter sua integridade. Mas ela está falhando em sua auto regulação. Daí as mudanças climáticas, os eventos extremos (vendavais, tornados, desregulação dos climas) e o aquecimento global que nos pode surpreender com graves catástrofes.   

 

         A Terra está tentando buscar um equilíbrio novo subindo sua temperatura entre 1,4 e 5,8 graus Celsius. Começaria então a era das grandes devastações (o antropoceno) com a subida do nível dos oceanos afetando mais da metade da humanidade que vive em suas costas. Milhares de organismos vivos não teriam tempo suficiente para adaptar-se ou mitigar os efeitos danosos e desapareceriam. Grande parte da própria humanidade, em até 80% segundo alguns, poderia não mais poder subsistir sobre um planeta profundamente alterado em sua base físico-química.   

         Com acerto afirma ambientalista Washington Novaes: “agora não se trata mais de cuidar do meio ambiente mas de não ultrapassar os limites que poderão pôr em risco a vida”. Cientistas há que sustentam: já nos acercamos do ponto de não retorno. É possível diminuir a velocidade da crise mas não de sustá-la.

         Essa questão é preocupante. Em seus discursos oficiais, os chefes de estado, os empresários e, o que é pior, os principais economistas, quase nunca abordam os limites do planeta e os constrangimentos que isso pode trazer para a nossa civilização.      Não queremos que nossos filhos e netos, olhando para trás, nos amaldiçoem e toda a nossa geração por que sabíamos das ameaças e nada ou pouco fizemos para escapar da tragédia.

         O erro de todos foi seguir ao pé da letra o conselho estranho de Lord Keynes para sair da grande depressão dos anos trinta:

         “Durante pelo menos cem anos devemos simular diante de nós mesmos e diante de cada um que o belo é sujo e o sujo é belo, porque o sujo é útil e o belo não o é. A avareza, a usura, a desconfiança devem ser nossos “deuses” porque são eles que nos poderão guiar para fora do túnel da necessidade econômica rumo à claridade do dia… Depois virá o retorno a alguns dos princípios mais seguros e certos da religião e da virtude tradicional: que a avareza é um vício, que a exação da usura é um crime e que o amor ao dinheiro é detestável” (Economic Possibilities of our Grand-Children). Assim pensam os principais responsáveis da crise de 2008, que nunca foram punidos.

         É urgente redefinir novos fins e os meios adequados a eles que não podem mais ser simplesmente produzir, devastando a natureza e consumir ilimitadamente.

         Ninguém detém a fórmula de saída desta crise civilizacional. Mas suspeitamos que ela deve se orientar pela sabedoria da própria natureza: respeitar seus ritmos, sua capacidade de suporte, dar centralidade não ao crescimento, mas à sustentação de toda vida. Se nossos modos de produção respeitassem os ciclos naturais seguramente teríamos o suficiente para todos e preservaríamos a natureza da qual somos parte.    

         Cobrimos as chagas da Terra com esparadrapos. Remendos não são remédios. Praticamente nos restringimos a esses remendos na ilusão de que estamos dando uma resposta às urgências que significam vida ou morte.

 

Leonardo Boff escreveu: Para onde vai a Terra e a Humanidade: sinais de esperança, a sair pela Vozes em 2015.