Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Pondé e o PT

Edição nº 1645 - 19 de Outubro de 2018

O colunista da “Folha de S. Paulo”, Luís Filipe Pondé, cujo nome o jornal ainda grafa, como é seu costume generalizado, conforme a ortografia que predominou no país até a reforma ortográfica de 1943, comete, como também é seu generalizado costume, diversas impropriedades no artigo “Um Partido Marxista-Leninista”, de 17/09/18, a começar por considerar marxista-leninista, portanto revolucionário, simples partido reformista como o PT.

 

Atente-se, no caso, para a declaração da candidata à presidente da República pelo PSTU, Vera Lúcia Pereira da Silva Salgado: “O PT [....] é um partido que governa para o agronegócio, os latifundiários, a grande indústria e para o sistema capitalista” (“Folha de S. Paulo”, 02/10/2018). Observe-se a análise do banqueiro Ricardo Lacerda, de que o PT “apoia mais impostos para os ricos e para os bancos que não cortarem os juros cobrados nos empréstimos” (“Folha de S. Paulo”, 04/10/2018), bem como se atente para a afirmação de Bruno Garschagen, de que, “como na blague contra o FMI, o governo do PT tirará ainda mais dinheiro dos pobres para dar aos ricos fingindo que tira dos ricos para dar aos pobres” (“Folha de S. Paulo”, 08/10/18), isto depois de dizer que, “se eleito, Haddad será 'lula lá' com conteúdo marxista”, quatro afirmativas, pois, contraditórias entre si e, algumas, em si mesmas.

 

Já no referido texto de Pondé, algumas acusações não têm o mínimo compromisso com a realidade dos atos e fatos.

 

Nesse sentido, principalmente quando acusa que “o PT pretende, desde sua fundação, chegar ao poder e não sair dele nunca mais”. Qual o partido (de esquerda, direita ou centro) não pretende isso? Se não o pretender, para que existe, para que serve?

 

Outra grande impropriedade é dizer que o PT “entre a ordem institucional e a defesa da manutenção do poder, escolhe a segunda”. Se assim fosse, o PT, ao assumir o poder em 2003 com Lula, tentaria, por todos os meios e modos, não se submeter à eleição ao término do mandato ou, pelo menos, tentaria não fazê-lo, promovendo “autogolpe” ou realizando plebiscito para permitir reeleição ou simplesmente, como os “democratas” FHC e PSDB fizeram ao fim do primeiro período governamental deles, inclusive com acusações de compra de votos, o que não indignou (nem indigna) os falsos e hipócritas moralistas.

Quarta impropriedade a de que “para o PT, o Lula é a ordem institucional”, com o acréscimo de “dane-se o resto”. O antipetismo do Autor, ou coisa pior, não lhe permite perceber que Lula é apenas líder do PT, como, no Brasil, só Getúlio conseguiu sê-lo do PTB original. Isso, como em Getúlio, mercê de suas qualidades de inteligência, habilidade, dedicação, conhecimento da realidade e percepção das circunstâncias, permanentes e momentâneas.

 

Não fica só nisso, porém, o articulista, estendendo ainda mais suas diatribes, ao atribuir intenções malévolas à “insistência do PT em fazer de Lula seu candidato mesmo após sua condenação em segunda instância”, quando essa circunstância não passou (e não passa) de inconformismo com a perseguição e discriminação contra ele cometidas e como apelo partidário de mobilização dos militantes e apelo eleitoral para transferência de votos.

 

Nesse sentido, escreve Jorge Alexandre (Ph.D pela Universidade de Wisconsin-Madison/EE.UU. e professor do Departamento de Sociologia da UFMG): “O contraste com decisões referentes ao ex-presidente Lula é gritante. Lembremos que, em mais um caso absurdo no qual não se seguiu a jurisprudência dominante, o ex-presidente Lula foi impedido de dar qualquer entrevista, desde que foi preso. Mais um exemplo de um direito excepcional inventado sobre medida para ele. Nesta luta insana do estamento jurídico brasileiro contra Lula há várias dimensões. Uma delas é a política e nesta o ex-presidente está ganhando de goleada, apesar de todas as excepcionalidades e ilegalidades cometidas contra ele. Fernando Haddad, que substituiu Lula como candidato do PT à Presidência da República, já garantiu sua presença no segundo turno, no qual entrará com clara vantagem, por ter rejeição bem menor do que seu concorrente. Além disso, os analistas têm mostrado que o PT aumentará seu número de senadores e governadores e terá a maior bancada da câmara federal. Um fenômeno!” (in jornal “Hoje em Dia”, Belo Horizonte, 28/09/2018).

 

Afirma, ainda, Pondé que Cuba é “mantida na miséria”, como se isso fosse só por desacertos econômicos, sociais e administrativos, que existem e até decretaram a ruína do regime soviético, conforme constatado no livro “O Século Vermelho”, de Orlando Figes, mas “esquecendo-se”, como é useiro e vezeiro nos conservadores e direitistas, que a pequena ilha do Caribe sofreu por mais de 40 (quarenta) anos bloqueio do Império (os EE.UU.) e dos governantes a ele subordinados da América Latina e Europa. Se um bloqueio, como o efetuado agora contra a enorme e poderosa Rússia, a está afetando, imagine-se contra a pequena ilha rebelada contra o domínio econômico, social e cultural dos EE.UU!.

 

Por fim, atinge Pondé a máxima inexatidão, ao dizer, que “o discurso do PT e da esquerda brasileira se aproxima mais da 'via chilena' dos anos 1970: chegar ao poder via voto popular e dele não sair nunca mais”.

 

Primeiro, quem usurpou o poder no Chile por meio de golpe armado contra a vontade popular externada livremente nas urnas com a eleição de Salvador Allende foi a direita militar radical, que dele (poder) saiu obrigada − como no Brasil, Argentina, Uruguai (que coincidência, hein!) − após seu enorme fracasso administrativo e gerencial da coisa pública.

 

Segundo, indaga-se: qual foi o ato do democrático (esse sim) governante Allende para se perpetuar no poder e “dele não sair nunca mais”?

 

Terceiro, o PT, vítima dessa insídia caluniosa, como já demonstrada acima, chegou ao poder pelo voto não só em uma, mas em três livres manifestações e dele saiu por meio de golpe institucional, como ocorrido em Honduras (de Manuel Zelaia) e Paraguai (de Lugo), não acontecendo o mesmo na Argentina, Chile e Colômbia, por exemplo, porque a direita saiu vitoriosa nas últimas eleições ocorridas nesses países.

Cite-se, ainda, o lúcido banqueiro Ricardo Lacerda, ao afirmar no mesmo depoimento acima indicado, que “O PT governou o país por 13 anos, sofreu um processo de impeachment e não representou nenhuma ameaça à democracia ou às suas instituições”.

 

OBSERVAÇÃO: Não sou e nunca fui petista, de cujo ideário e programa discordo em vários e distintos pontos, porém, procuro pautar análises e julgamentos pela racionalidade e objetividade, respeitando os fatos, porque, como alguém já disse, “a verdade está na realidade e não nas nossas cabeças”. 

 

 

Guido Bilharinho*