Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

'‘Devolver Carolina a Sacramento

Edição nº 1417 - 06 Junho 2014

A escritora Carolina Maria de Jesus foi tema da tese de Doutorado de Maria Madalena Magnabosco, escrita em 2002, com otítulo, “Reconstruindo imaginários femininos através dos testemunhos de Carolina Maria de Jesus - Um estudo sobre o gênero”.  

‘‘- Por que Carolina Maria de Jesus? Foi o enfoque da Profa. Dra. Maria Madalena, assim carinhosamente conhecida em Sacramento, na palestra,falando da  sua motivação em estudar Carolina. “Sou nascida em Sacramento e desde há muito resido fora. Mesmo distante fisicamente não esqueço as vivências e aprendizagens aqui adquiridas. O conhecimento sempre foi algo que me moveu e me fascinou e fascina até hoje. Sem o conhecimento, eu nada seria. 

Quando em meu doutorado escolhi estudar sobre Carolina, já havia percorrido diversos caminhos, conhecido diversos autores, vivenciado experiências como pessoa e como terapeuta. Em outras palavras, já havia percebido que enquanto humanos possuímos dois nascimentos: um biológico e outro ético. Ou seja, nossa humanidade não vem com o nascimento físico,mas antes deve ser construída cotidianamente com o desenvolvimento de nossa ética. Mas para desenvolvermos essa ética devemos nos perguntar: o que é ser humano? Humano vem de húmus que significa terra.  Terra aqui não é mero espaço físico,mas espaços da alma onde com húmus e em busca dele devemos nos presentificar no mundo. 

Assim sendo, meu objetivo com a tese era devolver Carolina a Sacramento. Devolver Carolina a Sacramento seria um modo de transformar olhares de uma Sacramento dos anos 30-40,onde ser mulher e não se pautar pelos códigos comportamentais da época,  era ser excluída, banida, ainda mais quando essa mulher era negra, semi alfabetizada e nos dizeres de alguns,  arrogante. 

Sacramento devia a Carolina um olhar e uma relação de gratidão, postura e atitude que jamais existiu enquanto em vida. Foi em Sacramento que Carolina viveu as primeiras discriminações, preconceitos, vivências de perda e morte, aprisionamentos não apenas psíquicos, mas físicos (ela foi literalmente presa por ler um livro de São Cipriano e ser considerada bruxa). 

Essas primeiras vivencias possibilitaram à Carolina tanto se conhecer como conhecer um mundo de relações que a fizeram realizar seu modo de ser e suas escolhas nessa vida. Devolver Carolina a Sacramento seria permitir habitar a terra com a dignidade de ser humano e não com os preconceitos de gênero e raça com que ela vivenciou seus primeiros tempos de vida. 

Assim, meu objetivo era reconstruir um ethos do cuidado e, de certa forma, permitira Sacramento habitar humanamente a memória reconstrutiva que tanto nos protege da loucura e do desespero. Memória esta que Carolina hoje habita e que nos permite, aqui, nos reunirmos para desfazer um pecado histórico, o pecado da discriminação pelo credo, pela etnia, pela classe social e pelo gênero – que nada mais era que um modo de pensar construído por homens”, afirmou no debate em Jaguara. 

De acordo com Madá, “hoje Carolina nos permite a dádiva de repensarmos a nós mesmos na construção de nossa ética, de nossa humanidade, oferecendo-nos a chance de refletirmos sobre o modo como estamos cuidando da nossa terra e das relações que a constituem. Seremos nós humanos ou ainda nos disfarçamos sobre peles de cordeiros apenas para nos protegermos de nossos pré-conceitos, de concepções já formadas e repetidas automaticamente como se fossem a verdade do mundo? Vivemos no respeito ao diferente, à alteridade ou ainda buscamos o mesmo como modo de nos acomodarmos para não nos humanizarmos?”, indagou. 

De acordo com a Profa. Madalena, no percurso da tese tentou se colocar no lugar de Carolina e pensar-sentir como ela viveu. “Assim a pergunta de base de minha tese foi: Quem é essa mulher? E desse princípio parti para esboçar um fragmento da memória de Carolina Maria de Jesus em Quarto de Despejo”, ressalta e segue falando das muitas Carolinas em Carolina Maria de Jesus: a realidade sócio-histórico-cultural em que ela viveu em Sacramento e na grande São Paulo, até ser de fato reconhecida, a sua psicologia e feminilidade, a mãe de família e política nata, a mulher que se fez ouvir, num tempo em que as mulheres ainda lutavam pelo seu espaço na sociedade’’. 

A tese de Madalena com cerca de 300 páginas é dividida em quatro capítulos subdivididos: o primeiro, “Territórios e fronteiras da representação: percursos de Carolina Maria de Jesus”, começando por Sacramento até a sua casa de alvenaria em São Paulo.  O segundo capítulo trata de “As representações de gênero”com interfaces  da literatura e da psicologia. No terceiro capítulo, o enfoque é para os escritos de Carolina, “Os elos discursivos entre testemunhos e diários” e, o quarto capítulo, “A arquitetura da palavra”, com assubjetividades (de)formadoras e (trans)formadoras  de Carolina Maria de Jesus em seus diários. A tese traz ainda um longo anexo com documentos relativos a Carolina. 

 

Maria Madalena Magnabosco