Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Meus 12 meses de Banco do Brasil

Edição nº 1205 - 14 Maio 2010

Fui funcionário do Banco do Brasil durante, exatamente, um ano. Quase não consegui completar esses 12 meses, mas foi uma experiência valiosa e muito divertida. Divertida desde a preparação para o concurso, quando estudávamos juntos, de madrugada, o Luiz Barbacena, o Acácio Spini (Nano), o José Bonifácio Cruvinel – esses dois com promissora carreira no banco - e eu. Combinamos o horário, das 4h30 às 7h00, numa residência vaga da saudosa Da. Sinhá. O Zé ensinava Matemática, eu, Português, e os dois, ávidos assistentes. O Nano chegava sempre beirando às 7h00; o Barbacena, que morava a uma quadra da casa, era pontualíssimo. Mas apenas mudava de cama. Chegava às 4h00, estendia-se numa das camas e dormia até às 7h00. Adivinhem quem passou!! 

E assim iniciei minha curta carreira bancária. Melhor que isso, naqueles  belos anos 70, era ser médico ou engenheiro da Cemig, na efervecente Jaguara. Jovem professor, acho que com o mesmo salário que ainda ganham hoje, R$ 336,26, saí para meu novo emprego, empinadinho, tênis novo, guarda-roupa impecável, feliz da vida. Funcionário do BB. Uau!!

Mal o expediente começa, me colocam atrás de uma mesa com um livro tipo lista telefônica cheio de regras... E quando notaram que eu estava de tênis e sem meias, me mandaram embora prá trocar tudo. Foi minha primeira de várias decepções com o novo 'status' alcançado. 

Para o dia seguinte, comprei cinco pares de meia, uma de cada cor: amarela, azul, verde, rosa, vermelha prá mostrar que era um funcionário obediente. Eu, que ainda hoje detesto a subserviência. Me assentei e logo cruzei as pernas deixando sapatos e meias à mostra. No expediente da tarde, pensava, eu volto com outra cor. Não durou nada essa exibição, pois logo me chega um bilhetinho do 'chefe' me mandando embora prá colocar um cinto. 

No terceiro dia eu tinha cinco correias, de couro, lisa, trançada, veludo, uma prá cada dia da semana. Nesse dia exibia uma calça importada, meia verde-bandeira, um cinto amarelo ouro... e tomei o livrão tipo lista, que chamavam de CIC, e reiniciei o maçante estudo das regras. Chega o 'chefe' a minha mesa e diz, educadamente, dando a ordem: “Olha, o banco proíbe calças 'rancheira', a regra é o tergal. O Sr. pode sair prá trocar”.

Gente, eu vestia um 'blue jeans' original da Levi's, presente de uma família amiga da Suíça, residente em Jaguara, uma calça caríssima e rara no Brasil, que só o James Jeans usava e o cara me chama o meu meu jeans de 'rancheira'. Lá fui eu pela terceira vez de volta à casa para me vestir com um horrível 'nycron'. Aquele do reclame: “Senta, levanta, senta, levanta...” Retomo a leitura da CIC com os deveres e obrigações dos funcionários. Não me lembro se havia no texto, 'os direitos dos funcionários'.

A partir daí a semana foi tranqüila, a exceção das bateladas de documentos que chegavam a minha mesa para assiná-los, colocar a impressão digital, colar foto, tudo segundo as formalidades burocráticas do Banco. Dela Líbera, Adão, Rolando estavam preparando o mais completo dossiê do Dops para apresentar à gerência, comprovando minha incipiente alma socialista... Tudo não passava de um trote, mas quando chegou às mãos do gerente Leopoldino, foi rejeitado...  Naqueles tempos quentes da ditadura o gerente julgou 'forte demais', a brincadeira dos colegas - me contaram mais tarde. Deixei essa marca: Acabei com os trotes aos calouros do BB. 

Assim, prestes a mudar de vida, a trocar o índigo blue e o tênis pelo tergal e poliéster; a 'T Shirt' por uma camisa 'volta ao mundo'; o poeta Lindolf Bell, Balzac e Machado de Assis pelas'Cédulas Rurais Pignoratícias', me dei conta de que eu era Professor, que não poderia estar ali, apenas por trocar meu minguado salário de trabalhador da Educação.  Ali me viam os amigos de camisa amarela e gravata vermelha e exclamavam, atônitos: “Quem te viu, quem te vê!!”  

Disse no início que foi também uma experiência valiosa. E foi. Como bom aluno, dei corda aos preciosos ensinamentos de Mário Dela Líbera, meu primeiro chefe. Depois, Vander. Aprendi a me organizar, sistematizar, a ser criterioso, responsável, justo e profissional no trabalho. Mas a lição mais bonita foi a da amizade colhida e repartida com dezenas de amigos, o carinho sincero de companheiros competentes, que me ensinaram lições que nortearam toda minha vida profissional. 

E quando já estava com todas as cláusulas das 'Cédulas Rurais Pignoratícias' decoradas, e quando Dela Líbera me mostrou a média de idade dos bancários, e quando me lembrei de 'Morte e Vida Severina'; do poeta pacifista, Allen Ginsberg; e quando termina a Guerra do Vietnã, assinei, prá assombro de meio mundo, minha carta de demissão. 

De tênis, jeans e camiseta básica, eu me mandei prá Europa, cantando com os hippies, a bordo do Eugênio C, a bela canção de John Denver, 'Sunshine on my shoulders'. 

(WJS)