Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Resistir sempre

Edição nº 1130 - 30 Novembro 2008

Com a demolição em outubro do prédio que abrigou a companhia Auto-Viação, construída no início do séc. XX  em Sacramento, ficou a dúvida sobre a preservação do Patrimônio Edificado como fator de desenvolvimento de uma comunidade. A terra vermelha do basalto decomposto exposta na Avenida Benedito Valadares após a derrubada do prédio serviu de suporte para a edificação da sede de uma das primeiras empresas de transporte coletivo do nosso país, registrada no livro de Waldemar Stiel sobre a História do Transporte Coletivo no Brasil. Existe uma vasta bibliografia sobre esta verdadeira saga na qual Sacramento é protagonista pelo espírito empreendedor do Cel. José Afonso de Almeida e dos seus admiráveis motoristas, e colaboradores. Todo o transporte de passageiros, mercadorias oriundas do Rio de Janeiro e São Paulo e por extensão todo o nordeste paulista se fazia via Mogiana para Sacramento e Araxá. Recebeu imigrantes, fez comércio e intercâmbio através das “máquinas” da empresa Auto-Viação e dos bondes. Meios de transporte existentes no início do século XX entre o ramal da Mogiana e a cidade balneária.

Lamentar a derrubada do prédio não é o correto uma vez que o mesmo se tornou entulhos num aterro ignorado. Lamentável é a investida de jovens empresários sobre o patrimônio edificado que certamente serviria para incrementar o turismo da cidade de Sacramento e fonte de renda para todos como acontece na Europa que fatura somas incríveis anualmente explorando o turismo histórico. Enquanto não houver um crescimento cultural da comunidade, espaços significativos da nossa história continuarão a ser considerados prédios velhos com destino de se tornarem apenas fotografias nos álbuns e publicações. A inoperância do Poder Público na defesa do patrimônio edificado em Sacramento ficou na inércia e omissão. Despreparo público e notório. O castigo veio antecipado, à derrubada da Auto-Viação, no resultado eleitoral de 05 de outubro de 2008.  

Conforta-nos saber que a história da empresa Auto-Viação é indestrutível e não pode ser demolida como fizeram com a sua sede de significado incompreensível pelos pragmatistas que ignoram memórias e raízes.

A trajetória da empresa Auto-Viação pertence a historia de um grande empreendedor e de trabalhadores que fizeram a revolução industrial acontecer à ribanceira do ribeirão Borá, levando o desenvolvimento e a ocupação dessa vasta região do Triângulo Mineiro. Perdemos um importante espaço para fazer esta reflexão cultural. Porém, sabemos da importância do imaterial da história que engrandece nossa gente pelo legado fidedignamente descrito no livro “Os Bondes de Sacramento”.

O registro da transformação urbana promovido pela ocupação imobiliária não pode passar em brancas nuvens, sob pena de envaidecer jovens que zombavam o conhecimento e a história transformando esses universais valores em irrelevância diante do pseudo-modernismo. Memória? Perguntariam. A resposta seria resistência, sem contudo fazer disso heroísmo a ponto de ficar a frente das retroescavadeiras e tratores demolidores. Resistência pela divulgação da história e da cultura. Resistência coletiva e característica da gente brasileira, num momento de poucos mas que não pode ficar no isolamento, deve ser semente para crescer e frutificar. 

C. A. Cerchi é autor do livro “Memória Fotográfica de Sacramento”