Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Longevidade

Edição nº 1131 - 07 Dezembro 2008

Por coincidência, os dois últimos livros que li neste mês, abordam exaustivamente o tema da longevidade, doença, e morte. A escolha dessas leituras não foi baseada nos temas, mas na admiração que tenho pelos escritores que acabam de colocar, no mercado literário, suas mais recentes produções. Como se não bastassem as  referidas  leituras sobre o envelhecimento, o articulista da Folha, João Pereira Coutinho, (Ilustrada-25/11/08), aborda,  com realismo, a questão da vida e morte numa crônica intitulada justamente: “Vida e Morte”. E, para fechar o ciclo das coincidências sobre esse tema, numa visita a uns amigos, o assunto predominante foi a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e as angústias por que passam o doente e suas famílias no período de duração do tratamento.

Mas os dois livros citados são de uma riqueza incalculável. A feminista, Benoîte Groult, escreve, aos 85 anos, –“Um Toque Na Estrela” (Record-2008). Com lucidez, coragem, muita poesia, humor, realismo chocante, ela descreve o envelhecimento que experimenta na própria pele. A personagem central do livro é uma famosa cronista setuagenária (75 anos), que trabalha há mais de vinte anos numa revista feminina e que começa a pressentir a proximidade de sua demissão do emprego por estar, aos olhos da direção, desatualizada e ultrapassada (a demissão acontece). Referindo-se à velhice como “a mais solitária das navegações”, ela brinda os leitores com momentos de fortes emoções. Entretanto, a despeito da aparente aceitação do envelhecer, comenta: “Não tenho a menor vontade de assistir ao envelhecimento de meus filhos e nem admitir que meus netos se tornem quinquagenários”... e conclui: “a longevidade desarranja a cadeia das gerações”. 

Já Philip Holt, - com “O Fantasma Sai de Cena” (Companhia das Letras), centraliza o seu personagem principal num famoso escritor que, aos setenta e um anos, operado de câncer da próstata, se vê impotente e solitário, esforçando-se para conviver com as complicadas trocas de fraldas, higienização constante, banhos e curativos, que a nova situação exige. Afastado por 11 anos dos grandes centros, vê-se tentado a voltar a Nova York  em busca de um tratamento revolucionário  que promete reverter, em parte, a incontinência urinária e, quem sabe, devolver-lhe a virilidade perdida. Para agravar um pouco mais  a situação, ele se apaixona pela dona do apartamento  que pretende alugar. A intrigante moça é casada, bonita e fã de seus  romances. Com ela, ele vai viver uma intensa paixão.

Já o cronista da Folha, após ter comparecido ao funeral de um senhor de 97 anos, vinte dos quais numa cama e cadeira de rodas, comenta que, a rigor, ele só viveu 80 anos, vinte dos quais foram de desperdício. E finaliza a crônica com uma oração na qual pede a esse Deus desconhecido: “morrer vivo... na altura certa... sem a perspectiva da eternidade ilusória”. 

Longevidade: Vale a pena?  

Mariú Cerchi Borges é Pedagoga