Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

O Esporte nos 200 anos de Sacramento

Edição nº 1741 - 24 de agosto de 2020

A identidade cultural através do esporte

Júlio César Pereira

 

Data de 1918 o registro fotográfico de uma equipe organizada como esporte em Sacramento. Mas os jovens atletas da cidade se exercitavam muito antes dessa data. Em frente à Santa Casa, nas 'máquinas' na Rua da Estação. Espaços que reuniam jovens para recreação tendo o futebol como sua principal expressão. Mas para sintetizar a proposta do artigo que segue. O esporte em Sacramento é definido por três passagens históricas específicas, devido a mudanças sociais e econômicas as quais se passaram estes períodos. A criação do Clube Atlético Sacramentano (CAS) em 1917. A fundação do XIII de Maio futebol clube em 1958. A inauguração do Ginásio Poliesportivo Alberto Marquez Borges (Marquezinho), nos anos de 1980. O CAS foi fundado no segmento dos clubes das capitais brasileiras. Inaugurado em 1917 pelo Coronel José Afonso de Almeida, na rua da Estação, era um estádio de parca estrutura. Porém, com a proposta de uma organização pública objetivando uma alternativa de entretenimento familiar. Lá neste local, os atletas treinavam e marcavam jogos entre as equipes, como o Meridional, o Duque de Caxias, equipe das Pedreiras, dos Alfaiates, da zona rural ou das Máquinas. Em 1920, Odorico Tormin assume a sua diretoria, com a proposta de melhorias na estrutura do estádio. Em 1951, o então prefeito, Dr. João Cordeiro, percebe a necessidade de um departamento que pudesse levar o esporte e o lazer a comunidade como um todo. Inaugura então um estádio municipal em 03/08/1952, no final da rua Major Lima. Esse prefeito, entendendo que o CAS estava esquecido, doou o estádio municipal ao CAS. No mesmo período doa ao Estado, no dia1º de março de 1953, o espaço onde seria futuramente o Sacramento Tênis Clube, conhecido como Praça de esportes. O CAS então teve sua reinauguração em 08/03/1957. Oportunizando a prática desportiva, valorizando equipes femininas como, a exemplo, o voleibol. Nessa esteira, o Banco do Brasil fundou nos anos 70 a Associação Atlética Banco do Brasil (AABB). O desenvolvimento urbano da cidade estava em crescimento, metrópoles regionais, em detrimento da capital mineira, influenciavam o comércio local. O que fazia com que as equipes da periferia, das máquinas, que, a contraponto do CAS, ainda não tinham sede, se organizassem em equipes e agremiações. Nesse levante surgiu o XIII de Maio Futbol Club, em 1958. Um clube com bases familiares fortemente ideológicas, especificando naquele momento um fenômeno social amplamente conhecido nos dias atuais, a 'territorialidade', que são representações com bases em imagens e projetos de tomar consciência de seu espaço de vida. Territorialidade que deu voz aos desportistas sem clube fixo, que jogavam os campeonatos com nomes como da 'Vendinha do Cascalho', das Máquinas, do Sucuri. Criando uma rivalidade saudável, dando oportunidade ao surgimento de clubes como o da Congregação Mariana, depois denominado Clube dos Marianos. Essa rivalidade desportiva e mormente social rendia grandes frutos em contendas municipais. Esses três clubes oportunizam atletas se qualificarem quanto a desportistas e a se filiaram à Liga Araxaense de Desportos, para representar, a exemplo, os clubes da cidade na Taça Tubal Vilela. Uma organicidade necessária ao desenvolvimento desportivo e a criação de figuras representativas no meio desportivo e social criando um fator de identidade cultural e social através do esporte. Identidades culturais são construídas em meio a classes sociais, não foi diferente nas próximas décadas. Quem não era sócio da AABB ou da Praça de Esportes frequentava espaços esportivos alternativos como a quadra do Seminário. A cidade seguia crescendo, sendo urbanizada. O êxodo rural dos anos de 1960 havia chegado ao seu limite. Bairros com crescimento desordenado passaram a ter núcleos habitacionais e nomes cristãos. Perpétuo Socorro. São Geraldo Magela. João XXIII. O prefeito José Alberto Bernardes Borges cria escolas técnicas e rurais, a Casa da Cultura e inaugura o poliesportivo Marquezinho. Motivo de orgulho para qualquer sacramentano desportista que, quando alguém da área o visita, ainda se assusta com a qualidade estrutural daquele ginásio de esportes em relação a quantidade de habitantes de Sacramento. O Marquezinho foi o responsável pela criação do esporte especializado na cidade. Dois esportes neste período cresceram junto ao nascimento do Poli. O karatê que valorizou categorias individuais e femininas, em detrimento ao esporte coletivo, e o futsal. Com esses dois esportes vem a criação de ídolos juvenis que são o caso do futsal e suas equipes, na maioria categorias escolares, valorizando ídolos até então conhecidos somente nos áureos tempos do futebol do CAS, do 13 de Maio e dos Marianos. O karatê passa ser referência em esporte individual conquistando títulos estaduais e nacionais, com um atleta na seleção brasileira da modalidade e o Poli passa a ser um celeiro de atletas no futsal conquistando vitorias regionais, estaduais, no JIMI, juntamente com uma também campeoníssima dos Jogos do Interior de Minas, a equipe de basquete. A cidade deixa de ser exclusivamente agropecuarista, com o crescimento de fábricas de sapato, bolsas, industrializando uma boa parte da economia, juntamente com a criação de novos bairros construídos em mutirões, universalização do saneamento com estações de tratamento de água e esgoto. Um período de administração pública de Nobuhiro Karashima que propicia a reestruturação dos desportes municipais em uma categoria jamais vista na cidade, passamos a ter a massificação do esporte. Os bairros passam a ter estruturas de quadras desportivas, vilas olímpicas e outro ginásio, descentralizando e dando oportunidades a novas modalidades esportivas como a equipe de voleibol. O pioneirismo das artes marciais e dos esportes individuais dos anos de 1980 passa a levar aos bairros seus projetos de inclusão social na presença de seus professores de Capoeira, juntamente com a disciplina tradicional do Kung Fu. As ações inclusivas desse período, caracterizado por um governo municipal mais participativo, eleva a cidade a ser uma referência cultural desportiva quando se diz respeito a encontros regionais como os de Capoeira e formação de novos instrutores, campeonatos regionais de kung Fu. Com o fortalecimento da URS, União Recreativa Sacramentana, como instituição e a massificação do esporte nos bairros, a maioria das atividades de lazer tem sua representatividade no desporto. Com campeonatos municipais em todas as modalidades esportivas, estudantis, rurais com maior expressão nas férias escolares com o “Copão”, sem antes passar pelo profissionalismo que foram as equipes femininas de voleibol. Modalidade que volta a dar às categorias coletivas da cidade maior visibilidade para além do futebol e, principalmente, criando agora novos ídolos em categorias femininas fazendo com que a cidade passe a ser novamente um celeiro de atletas nesta modalidade país afora e várias no exterior. Assim como o futsal sacramentano que passa a ter um atleta da modalidade a nível internacional. A memória é uma construção social, produzida através das relações humanas, que neste contexto observa que as modalidades esportivas de Sacramento cresceram junto com seu povo, sua cultura e diversidade em ações esportivas e desportivas inerentes ao crescimento populacional, que tipifica modos de ser, sentir e agir de um grupo social, onde tal grupo produz discursos de si mesmo. Os 200 anos do esporte neste caso não é apenas um registro histórico dos fatos, mas uma combinação de construções sociais passadas, com relações arraigadas e significantes da vida social presente, sendo permanentemente reconstruído.

 

Júlio César Pereira é sociólogo, árbitro pela CBK (Confederação Brasileira de Karatê), escritor e funcionário público da Cetesp