Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Diretores do IMS vêm a Sacramento ampliar conhecimento sobre Carolina

Edição nº 1710 - 17 de Janeiro de 2020

João Fernandes, diretor artístico do Instituto Moreira Salles (IMS) e Paulo Roberto Pires, editor da revista de ensaios, intitulada Serrote, também pertencente ao IMS, estiveram na redação do ET nessa quarta-feira 15, acompanhados do secretário de Cultura, Carlos Alberto Cerchi, oportunidade em que revelaram o interesse pelo acervo de Carolina Maria de Jesus, guardado no Arquivo Público Municipal.

 

 “O Instituo Moreira Salles, que tem no seu acervo, dois cadernos com os manuscritos de Carolina Maria de Jesus, vai apresentar uma exposição dedicada a essa escritora sacramentana. Em sendo ela um nome de destaque na história da Literatura, da Cultura e da condição negra do Brasil, achamos que seria uma boa oportunidade, neste momento do Brasil, fazer uma exposição sobre sua obra, sua vida e sobre o efeito que Carolina traz para a discussão sobre os direitos do cidadão brasileiro e a vida deste país”, Justifica o diretor, acrescentando que a exposição acorrerá paralelamente a outra, dedicada a Clarice Lispector. 

“Essas duas mulheres são contemporâneas, tiveram a oportunidade de se encontrarem e são, indubitavelmente, duas manifestações de maior singularidade literária e feminina do Brasil. De certo modo, são duas mulheres que escrevem e ampliam as possibilidades da escrita num país que neste momento se vê como um país do futuro. E elas são ambivalentes a respeito do futuro. Mas ao mesmo tempo são suas protagonistas e essa situação extremamente rica para compreensão do passado e presente do Brasil que essas duas exposições vão tratar”, destaca.

De acordo com Fernandes, para a exposição de Carolina Maria de Jesus o Instituto constituiu uma equipe externa para protagonizá-la. “Seus curadores são Raquel Barreto, uma importante estudiosa dos movimentos negros, e Hélio Menezes, curador de Artes Contemporâneas e dirigente da programação de exposições, do Centro Cultural de São Paulo. Essa equipe  com sua autonomia vai lidar com as equipes do IMS, composta dentre outros, por Paulo e eu”.  

Para Fernandes, a visita em Sacramento era imprescindível. “Não poderíamos deixar de vir a Sacramento, terra natal de Carolina, onde parte de seus arquivos estão guardados e preservados. Conhecer esses arquivos e os lugares de Carolina, tem sido muito importante para entender também um pouco de sua figura, de seu contexto e da história de Sacramento. Nesta manhã, tivemos acesso aos arquivos digitais, aos seus cadernos e materiais biográficos  e obtivemos orientações necessárias para realizar a exposição e o livro que a acompanhará”, explicou. 

O jornalista Paulo Roberto Pires explica que os cadernos de Carolina que estão no IMS vieram da França. “Uma das pessoas que editaram o caderno na França ficou com os cadernos durante vários anos e, quando retornou ao Brasil, porque o marido dela iria fazer uma exposição no Instituto, ela achou melhor que os cadernos ficassem sob a guarda do Instituto e lá estão até hoje”.

João Fernandes, que é português, 'revela que conheceu Carolina quando começou a estudar os acervos do instituto. “E confesso que senti a dimensão das minhas lacunas, em relação ao conhecimento do Brasil, quando encontrei os textos de Carolina Maria de Jesus e os poucos textos disponíveis nas livrarias, que não eram conhecidos no meu país. Apesar de 'Quarto de Despejo' ter sido traduzido em quase todo mundo, em Portugal o livro foi censurado pela ditadura portuguesa, que não autorizou a publicação”. 

Segundo o diretor, essas informações estão em entrevistas da própria Carolina sobre a qual ele e Paulo Roberto estão investigando, inclusive por que o livro foi proibido em Portugal. “Porque é muito curioso ver que a ditadura em Portugal teve medo de publicá-lo. Quando comecei a ler Quarto de Despejo, percebi a dimensão e porque ela tinha sido um fenômeno com todos os paradoxos e contradições que apresentou em relação à questão racial, à manipulação da fragilidade, da exploração de mão de obra e toda a história de sua ascensão e queda, que são uma importante história para discutir não só no país, como no mundo”. 

Para Fernandes, “descobrir a textualidade de Carolina Maria de Jesus foi um enriquecimento muito grande, que me lembra 'Isto é um homem', do italiano Primo Levi, porque há uma abordagem da condição humana, tão radical. Carolina Maria de Jesus soube exprimir a condição humana de forma radical,  intensa e pungente e contribuir para que se conheça muito mais dela”, afirma, e completa: “É necessário criar espaços para a expressão das consequências do seu ponto de vista sobre o Brasil de seu tempo e o Brasil de hoje”.

Fernandes finaliza lembrando que Carolina Maria de Jesus foi homenageada no  desfile da Mangueira, campeã do  carnaval em 2019, com outras personalidades. “Carolina estava ao lado de muitas outras personalidades de uma história diferente da cultura do Brasil, porque é uma história contada não a partir do ponto de vista dos vencedores, mas dos vencidos que têm um lugar importante”. 

 

Instituto Moreira Salles

O Instituto Moreira Salles é uma organização sem fins lucrativos fundada pelo diplomata e banqueiro Walther Moreira Salles em 1992, com a criação de seu primeiro centro cultural na cidade de Poços de Caldas (MG). Posteriormente, o instituto passou a funcionar também em São Paulo (1996), num casarão localizado no bairro Higienópolis, e no Rio de Janeiro (1999), numa antiga residência da família Moreira Salles, construída em 1951 com projeto arquitetônico de Olavo Redig de Campos e projeto paisagístico de Burle Marx.

Administrado pela família Moreira Salles, o instituto tem por finalidade exclusiva a promoção, a formação de acervos e o desenvolvimento de programas culturais nas áreas de fotografia, literatura, iconografia, artes plásticas, música e cinema. 

 

‘Meu primeiro contato com Carolina foi o do preconceito

Falando sobre seu primeiro contato com a obra de Carolina, Paulo Pires reconhece que foi ruim. “Foi o contato do preconceito, porque quando comecei a ler a série. Foi na década de 1980, tinha pouco tempo de sua morte e a série estava marcada para ser lida para a universidade e aí surgiu a questão: 'Isso é um documento, não é literatura'. E acredito que para várias gerações foi assim. Uma mulher pobre, negra, ou seja, não queriam lhe conceder um lugar na literatura. Então foi assim. E só de alguns ano pra cá é que passei a perceber diferente, porque acho que há um grande hiato: as pessoas param de falar dela por um tempo, depois voltam a falar dela com um  interesse diferente. E isso é um estrago grande. E no momento em que os estragos são grandes tem que procurar recuperar”, afirma, citando uma lembrança vista numa reportagem na antiga revista semanal, 'Cruzeiro'. 

“Encontrei na revista Cruzeiro uma foto de Carolina num festival literário, ela totalmente isolada. Uma foto terrível, fui pesquisar e comecei a ver uma série de detalhes perversos daquela situação. Por outro lado, podemos perceber hoje que ela está muito presente em lugares que tinha poesia, literatura, música, que é um jeito de torná-la conhecida. E tenho a certeza de que ela está sendo lida hoje sem o preconceito de antes”.

Para o secretário Carlos Alberto Cerchi, a visita de João Fernandes e Paulo Pires a Sacramento buscando subsídios da vida de Carolina foi muito honrosa para a cidade. “Sem dúvida que, o interesse do Instituto Moreira Sales para com a Secretaria de Cultura bem como para a cidade é gratificante, porque é uma instituição muito importante, que tem na sua coordenação e curadoria pessoas a altura de sua importância. Com certeza, dada sua estrutura e finalidade na promoção da cultura e da arte, tem todo suporte para cuidar e  conservar esses documentos. Só temos que agradecer e desejar que eles possam estar sempre na vanguarda dos valores culturais do nossos país”.