Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Aparecida, a mulher que faz da vida um poema

Edição nº 1398 - 24 Janeiro 2014

Maria Aparecida Pereira Borges, 39, é uma poetisa nata, que visitou o ET esta semana para mostrar o seu trabalho, vários poemas escritos ao longo dos anos. Natural de Tapira, desde o início viveu o dilema entre a vontade de estudar e as dificuldades da vida familiar. A maior parte de sua vida passou na zona rural, de fazenda em fazenda acompanhando os pais. Os estudos fragmentados pelas constantes mudanças só foram concluídos há pouco tempo. A volta à escola deu-se depois de 12 anos, logo após ficar viúva aos 23 anos e com dois filhos pequenos, Lázaro e José Carlos, hoje moços feitos, 21 e 18 anos. Aparecida casou-se mais tarde com Antônio dos Reis Borges, com quem teve mais três filhos João Cláudio, 14, Lidiane, 8  e Luiz Felipe, 4. Está vindo morar na cidade para acompanhar mais de perto o tratamento do filho caçula, que requer atenção contínua.   Mas, tudo isso são estímulos para nascerem belas palavras, belos poemas de vida e de amor. 

 

Os primeiros anos de vida...

O gosto pelas palavras nasceu muito cedo, antes da idade escolar. “Na época, quando eu era criança, não existia a pré-escola. Eu não tinha idade, mas chorava pra ir para a escola com os meus irmãos. Minha mãe, então, conversou com a professora,  elas eram comadres  e eu comecei ir para a escola. Saíamos de casa ás 5h30, para andar uns seis quilômetros até a escola. Muito criança, com saudades de minha mãe, às vezes chorava na escola. No dia seguinte, minha mãe não deixava eu ir, mas chorava em casa porque queria voltar à escola... E assim foi indo”, lembra. 

“Completando meus sete anos – prossegue - já pronta para me matricular regularmente, nos mudamos para Tapira. Aliás, a mudança foi contínua na minha vida. Parecíamos  ciganos e com isso acabei repetindo o segundo ano, o terceiro, porque chegava no final do ano, papai dizia: 'Vamos mudar'. Moramos  em São Roque de Minas, Vargem Bonita, Araxá e em várias fazendas. E assim foi a minha vida de estudos; minha  e dos meus 11 irmãos. Sempre mudando”, conta e recorda como formou as primeiras palavras. 

“Foi em Tapira, no 1º ano, que meu pai anunciou mais uma mudança. E eu chorei tanto, porque não queria sair da escola, que decidiram me deixar com vovó Bernarda, onde fiquei um ano e com ela aprendi muita coisa. Eu sabia o alfabeto e ia juntando as letras das palavras escritas nas latas de biscoito que ela guardava na prateleira. Eu formava as palavras. Lembro-me que havia uma lata  com  a palavra “ Doçura” e eu lia “docura”, depois é que  aprendi o 'ç' (cedilha).  E fui aprendendo assim”, conta.

Mas a vida não era fácil e Maria recorda bem as dificuldades vividas na infância, e tem boas lembranças das  brincadeiras  e das escritas  com carvão na parede. “A gente nunca teve banheiro em casa, tomávamos  banho no córrego, era tudo muito pobre, simples,  brincávamos de gangorra  com outras crianças, mas era eu ter um tempinho, corria para   escrever na parede com carvão.  E,  com o 'muda para cá, muda pra lá', terminei o 4º ano em Araxá. E eu já escrevia  poesias, só que a gente jogava fora.... E aí foi o fim dos estudos. Moça da roça tinha  que aprender costurar, bordar, socar,  rodear e abanar o arroz  na peneira, aprender as coisas  pra poder  casar”.

 

O casamento aos 17 anos...

“Eu me casei aos 17 anos e continuei na lide rural. Eu era vaqueira, fazia de tudo. Tive dois filhos, Lázaro e José Carlos. Aos 23 anos fiquei viúva com dois filhos pequenos e continuei morando no Bananal. E aí decidi voltar a estudar, depois de 12 anos. Eu criava os filhos trabalhando de vaqueira -  aliás,  sou vaqueira até hoje.  Fui para a escola no Quenta Sol e lá, estudei até a sétima série.

Maria Aparecida, que dá lição de vida,  garante que assim que puder, voltará para a zona rural. “Eu disse que sou vaqueira e sou mesmo e vou voltar pra roça para ser vaqueira. Na roça sei fazer de tudo. Eu tirava leite, carregava latão nas costas, apanhava café,  roçava pasto com o Nilson, meu primeiro marido. Minha vida de infância e de casada mais nova foi muito difícil, mas foi muito boa, fui feliz.  A maturidade traz uma beleza diferenciada, a gente aprende muita coisa”.


As segundas núpcias...

Maria Aparecida é casada com Antônio dos Reis Borges, pais de João Cláudio, 14, Lidiane, 8  e Luiz Felipe, 4. “Fiquei viúva com os dois filhos, fui estudar e conheci o Antônio, casamo-nos e  continuei ajudando-o como vaqueira nas terras alugadas na região do Bananal. Depois mudamos para outra fazenda, por dois anos;  fomos para Jaguarinha, de lá para Peirópolis onde ficamos oito anos. Em Peirópolis  fiz  a 8ª série. O primeiro e segundo ano do ensino médio fiz em  Ponte Alta. E foi nessa época que passei a escrever mais.  Minha professora de Português me incentivava muito, aprendi até computação”. 

E mais uma mudança para a  região do Cocal. “Dali voltamos ao Bananal, e aí  terminei o terceiro ano do Ensino Médio no Quenta Sol. Logo depois  nasceu nosso  filho Luiz Felipe que tem problemas de saúde, precisa de acompanhamento constante, então optamos por mudar para Sacramento para o tratamento dele”. 

Maria parou os estudos, mas é categórica em afirmar que quer  continuar. E, entre risos, diz que quer cursar Astronomia,  mas esclarece. “Adoro as estrelas, mas de um jeito diferente de como os cientistas as vêem. Eu gosto do mistério das estrelas. Na verdade, gostaria de ser astróloga, que é diferente de ser astrônomo, mas gostaria de ser uma astróloga científica, coisa que não sei se existe, mas sonhar faz bem. Mas que quero mesmo é voltar a estudar,  isso eu quero”. 


A paixão pela leitura

O poeta gaucho Mário Quintana (1906/1994), afirma que “Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem”, tal afirmativa não  servem para Maria Aparecida que é amante dos livros. Para ela servem as palavras do ensaísta francês,   André Maurois (1885/1967), “A leitura de um bom livro é um diálogo incessante: o livro fala e a alma responde”. 

A leitura, conforme diz, são sua paixão  e o livro mais recente lido por Maria foi,  “Ouro verde, gado negro”, do escritor mineiro de Matozinhos,   Agripa Vasconcelos (1896/1969), romance  que tematiza  os    ciclos do café e da abolição do cativeiro nas Gerais. “Um livro muito forte, mas gostoso de ler, é daqueles livros  que a gente quer chegar ao final. Se não tiver livro,  leio  o que aparecer na minha frente, até jornais vencidos. Mas já li muitos bons autores: Aluisio de Azevedo, Euclides da Cunha, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos. Já li autores sacramentanos. Não tenho muito conhecimento de escritores estrangeiros. Do estrangeiro já li Almada Negreiro e Fernando Pessoa que são portugueses.  Mas do Brasil conheço muitos.

 Acho a cultura brasileira muito bonita, muito diversa, muito rica.  Gosto de Augusto dos Anjos, mas o meu poeta preferido é  Castro Alves, o Poeta dos Escravos. Mas há também  Drummond, Vinícius, Cecília, que  não podem ficar de fora. A poesia moderna é boa, porque podemos escrever como quisermos, não precisamos obedecer regras, mas eu gosto mais do estilo mais clássico, com  rimas e métricas”, revela Aparecida. 

A afinidade de Maria com as palavras é tanta, que ela,  às vezes,  adota o pseudônimo, “Salustiano”. “Quando eu coloquei Salustiano, disse para o meu filho: 'Eu sou mais ou menos um Pessoa', porque ele tinha seus pseudônimos e cada um com suas características.  E eu, todas as vezes  que escrevo um poema vem um oposto,  se faço um poema de ódio, me vem logo um de amor na cabeça. Eu escrevi há poucos dias o 'Menininho pagão' e logo, nasceu o oposto,  'A Santinha'. 

Essa é a vida da poetisa Maria Aparecida Borges, que faz da vida um poema  fazendo jus aos versos cecilianos,  “Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: Sou poeta”. 

 

 

Contradição

Eu quero a paz,

Quero a paz além da paz,

Não só a paz que extingue a guerra,

Mas, também a paz que acorda a terra.

Eu quero a paz que eu sei que existe,

Muito além da outra paz.

Eu quero a paz!


Eu quero a paz que deixa o mundo em alvoroço,

Que faz o povo mexer o angu e tirar o caroço,

Que faz a massa se dar as mãos e sair do poço

Que faz o velho sair da casca e sentir se moço.


Quero uma paz tão mais profunda e verdadeira

Que seja a cura dessa mentira alcoviteira

Que diz que a paz é toda branca, tudo leseira

A paz que eu quero é colorida, muito festeira


Quero a paz que bote o povo em movimento

Que arranque do peito este silêncio de sofrimento 

Que faça dele, a luta justa o instrumento

Abrindo a boca, dizendo chega, esse é o momento!


EU quero a paz que ponho nos homens um sonho novo

Mas que não seja só sonho, a alimentar a alma do povo

A paz que eu quero é a realidade a sair do ovo

Abrindo as asas sobre a vitória desse meu povo.


Quero a paz que ponho nos homens um novo sentido

Mas maior que o sonho é a realidade do prometido

Tirar a venda dessa justiça, ser acolhido

Que a paz não sesse sem a certeza de ter vencido.


Eu quero a paz que faça explodir o grito guardado,

Que tire o povo dessa mesmice de estar calado

Faça o gigante andar pra frente, bem acordado

 

E mesmo de paz não aceite nunca ser enganado.