Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Em 'Caminhos do Desemboque' é outra a história real

Edição nº 1363 - 24 Maio 2013

Falando sobre a obra, 'Caminhos do Desemboque', Virgínia Dolabela justifica que a história real do Desemboque precisa ser trazida à tona, porque aquele povoado tem uma importância muito maior do que a que lhe é atribuída. “Desemboque foi uma rota comercial e isto precisa ser resgatado, e assim, toda a história da Serra da Canastra, do médio rio Grande e de nossas comunidades rurais”, afirma a pesquisadora, ressaltando que o projeto tem como base o desenvolvimento histórico das comunidades rurais. “A pesquisa, base para o projeto, esclarece a história do Desemboque e os indícios históricos da ocupação e caminhos na região, durante os séculos XVIII e XIX”, destaca.

De acordo com Virgínia, utilizando como base de pesquisa a cartografia histórica, foi possível reconhecer que existiam diversos caminhos que chegavam ao Arraial das Cabeceiras do Rio das Abelhas, nome inicial de nosso Desemboque, assim como ao primeiro povoado fundado às margens do rio Grande, também denominado de Desemboque. 

“- Confrontando com documentos primários e publicações, foi possível identificar três caminhos principais e resgatar a 'Estrada do Desemboque', que era uma estrada real e que foi durante mais de 50 anos o caminho mais utilizado de São Paulo para a Vila Boa de Goiás”, informa, destacando que ao longo de todo esse tempo foram surgindo fazendas, a partir dos pousos e distribuição das sesmarias. 

 

Eram dois os povoados: Desemboque do rio Grande e Arraial do Rio das Velhas 

 

Virginia explica que é preciso fazer uma distinção importante sobre o primeiro Desemboque, estabelecido no rio Grande, e o nosso atual Desemboque, que era chamado de Arraial do Rio das Velhas. “Existiu um Desemboque no século XVIII, às margens do rio Grande, mais ou menos onde é hoje a Usina de Peixotos, cujos vestígios foram inundados pela represa. O povoado, que pertencia a Capitania de Minas, era uma entrada para a capitania de Goiás, cuja existência é reconhecida oficialmente pela área acadêmica e publicações diversas”, afirma. 

A primeira parte do projeto, cujo acesso foi permitido ao ET pela autora, aponta que o Desemboque do rio Grande aparece na cartografia dos anos 1740, antes da separação da capitania de Goiás. “Quando se separam Goiás, Minas e São Paulo, esse Desemboque foi o ponto de referência nessa divisão das capitanias”, informa, lembrando que o local foi motivo de briga entre Minas e São Paulo. 

“- Inicialmente, o topônimo Desemboque era de um arraial no rio Grande, local de disputa de divisas das Capitanias de São Paulo e Minas Gerais, o que foi um dos motivos para as distorções da história na região, pois documentos relativos ao Desemboque do século XVIII, foram considerados como se fossem do então Arraial do Rio das Velhas”, esclarece Virgínia.

De acordo com sua pesquisa, “o Arraial do Rio das Velhas foi fundado a mando de Goiás e dado a Pedro Franco Quaresma, entre 1751 e 1752, que veio para o reconhecimento e conquista das divisas da Capitania de Goiás com a Capitania de Minas Gerais. Mais tarde, Franco Quaresma vai para outros lugares e o arraial fica como guarda, local de segurança e só mais tarde vêm os mineiros que exploram o garimpo”. 

Para Virgínia, essa confusão entre os dois povoados permaneceu assim ao longo dos anos por falta de pesquisa. “Muitos equívocos relativos à história do Desemboque vêm se repetindo ao longo dos anos pela falta de pesquisas em fontes primárias, como documentos oficiais e cartográficos dos séculos XVIII e XIX, de diversas procedências.  As confusões têm como consequência as várias tentativas dos governos da capitania de Minas, para a conquista de mais territórios, principalmente para os lados das capitanias de Goiás e de São Paulo, como nas regiões dos rios São Marcos, Paranaíba, Grande e das Velhas”, esclarece. 

Virgínia explica ainda que “a região que ficou conhecida como o Sertão da Farinha Podre, compreende basicamente a mesopotâmia formada pelos rios Grande e Paranaíba, delimitada a leste, pelas Serras da Canastra e Marcela. Após anos de tentativas de conquista e demanda dos moradores dos povoados do Araxá e Desemboque, a região é anexada a Minas Gerais através do Alvará de 04 de abril de 1816”, afirma.

A autora faz uma sugestão às universidades e faculdades da região para estimularem pesquisas sobre o assunto. “Seria muito bom que as universidades promovessem esse estímulo entre seus acadêmicos visando o resgate da história do antigo Julgado das Cabeceiras do Rio das Velhas, assim como dos inúmeros sítios arqueológicos pré-históricos e históricos na região, que estão se perdendo, sem nenhuma pesquisa ou política de preservação”.

A pesquisa aponta que eram três os caminhos que chegavam ao Arraial do rio das Velhas no final do século XVIII: um que vinha da região de Ouro Preto e do Rio de Janeiro, passando por Piumhi, o segundo que vinha do sul de Minas e São Paulo passando por Ouro Fino e Jacuí e o terceiro, que vinha de São Paulo, passando por Franca e pelo Porto de Santa Bárbara, que não é o atual povoado de Santa Bárbara no município de Sacramento. Este só surgiu como nova rota, já no século XX.

Virgínia mostra que a Carta Topográfica e Administrativa da Província de Minas Gerais (1849 - Visconde de Villiers de L'ile Adam –Cartografia das Minas Gerais – da Capitania a Província – Costa, Antonio Gilberto da; Editora UFMG -2002), aponta em destaque a região em que se localiza o Desemboque e o Porto de Santa Bárbara, cidades  e povoações, principais rios e acidentes geográficos. 

 

Desemboque do rio Grande tem maior destaque do que a Vila do Santíssimo Sacramento

 

De acordo com Virgínia, na região em estudo, o Desemboque do rio Grande tem maior destaque que a Vila do Santíssimo Sacramento, o Porto de Santa Bárbara e Jaú-Guará (Jaguara), onde foi construída a primeira ponte de madeira para travessia do rio Grande, na região.  “O meu trabalho é justamente resgatar esta história, a sua importância e a do Arraial do Rio das Velhas – nosso Desemboque – nessas rotas comerciais, durante os séculos XVIII e XIX.”

A autora destaca ainda: “Trata-se de uma documentação muito rica e importantíssima que precisa de uma pesquisa mais fundamentada, coisa de longos anos. E a minha intenção é conseguir contatos com pesquisadores que se interessem pelo assunto, para que realmente possamos ter uma história mais profunda. Para mim foi uma grande surpresa os dados encontrados', declara.

Por fim, informa Virgínia, que o nome Desemboque dado ao povoado no nosso município teve como causa a busca do governo de Minas tomar posse do chamado Triângulo Goiano. “Existem já diversas pesquisas e documentos comprobatórios dessa tese. O próprio Hildebrando Pontes, que é a maior referência histórica que temos, mostra que o nome vem do Desemboque do rio Grande, que é uma união de serras e rios que desembocam no Rio Grande. O que se busca hoje é saber quando é que este nome passa a denominar o Arraial do Rio das Velhas e a referência que se tem é de que isto aconteceu no início do século XIX, pouco antes da anexação do Triângulo Goiano a  Minas Gerais”, 

Concluindo, Virgínia, enfatiza que o Desemboque é referência para a história regional. De acordo com a pesquisadora, foi da sede do Julgado que partiram diversas expedições para a conquista dos territórios a oeste e ao norte. Mas, principalmente, durante dezenas de anos, o povoado foi rota comercial e os caminhos percorridos necessitam ser resgatados.

“- Podemos chegar à conclusão – afirma a autora - através dos documentos cartográficos e nas referências documentais apresentadas, que a Estrada de São Paulo a Goiás durante a segunda metade do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX, passava pelo Porto de Santa Bárbara e pelo antigo Arraial das Cabeceiras do Rio das Velhas, atual Desemboque, que deve ser reconhecida como uma Estrada Real”. 

 

E conclui: “Reconstruir estes trajetos é essencial para compreender o desenvolvimento da região e as mudanças históricas como a chegada das linhas férreas, inicialmente de São Paulo, através da Companhia Mogiana e depois de Belo Horizonte, através da Oeste de Minas. Muito precisa ser pesquisado e resgatado, distorções históricas necessitam ser corrigidas, e projetos de desenvolvimentos devem ser desenvolvidos, respeitando a história e as referências culturais das comunidades”, conclui.