Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Arthur Recidive: vivendo a liberdade com qualidade de vida

Edição nº 1131 - 07 Dezembro 2008

O sacramentano Arthur Recidive Gonçalves, 29 anos, desde os 20, deixou para trás a família (os pais Nilda Recidive Borges e José Cassimiro Filho e os irmãos, Henrique, Rafael e Érica) e foi em busca de seus sonhos, passando a residir, primeiro em Uberlândia, depois na paradisíaca ilha catarinense, Florianópolis. Hoje, mora numa casinha na orla da praia, mas no início morava no meio da mata, num dos pontos mais altos da cidade, com uma vista quilométrica de pelo menos quatro praias e grande parte da cidade. Feliz da vida, Arthur esteve esses dias visitando a família, matando a saudade da terrinha e das gostosuras que a mamãe Nilda faz, embora seja adepto da dieta vegetariana.  Confira a entrevista dada com toda a expansão que a liberdade lhe permite. 

 

ET - Arhur, você concluiu o ensino médio e sumiu de Sacramento. Foi estudar? Formou? Afinal, o que fez nesses nove anos residindo longe de Sacramento?

Arthur - Digamos que saí em busca de um projeto de vida. A formação acadêmica de livros foi aquela adquirida na Escola Coronel, onde fiquei até o 3º Colegial. Depois, ingressei em duas faculdades, num período de cinco anos, mas desisti das duas, portanto, eu não sou formado em nada, aliás, sou formado na universidade da vida. Primeiro ingressei no curso de Direito, mas desisti. A faculdade estava me bloqueando o conhecimento. No curso percebi que havia muita coisa que não faz parte da minha essência. Explodi e parti pra prática, mas mesmo assim ingressei no curso de Ciências Sociais, isso expandiu um pouco meus conhecimentos, participei de projetos sociais, mas também desisti, sou muito livre. Pensei, então, em cursar filosofia, mas acho esse pessoal muito extremista. A minha essência pedia liberdade. Desde criança fui assim, muita música, poesia, rock in roll, uma guitarra debaixo do braço, cabelão, escrever versos, músicas... e a faculdade me prendia, eu não me encontrava. 

 

ET - E qual é a sua essência?

Arthur - Liberdade, liberdade, liberdade... 


ET - Como você usa essa liberdade na sua essência?

Arthur - Tenho o meu projeto de vida e dentro desse projeto sou padeiro. Trabalho com alimentação natural, faço pães diferentes, pão integral. Só que eu não faço os pães, simplesmente, trabalho com intenção, coloco minha energia nos pães que eu mesmo faço, com produtos naturais. Eu dou um sentido para aquilo que eu faço. Não é apenas uma produção como padeiro, tem algo a mais.  

 

ET - Padeiro? Então você trabalha numa padaria, fez curso pra padeiro?

Arthur - Sou padeiro no sentido literal da palavra, mas não trabalho em padaria e nem fiz curso. Alias, trabalhei em muitos lugares, menos em padaria. Mas decidi fazer a minha própria história. Sou um artesão de pães. Ser padeiro tem um pouco de herança da família. Minha mãe sempre fez muitos pães em casa, não pão integral, mas sempre fez, até hoje faz. Sintam o cheiro que vem da cozinha...(chamando a atenção para o delicioso cheiro de roscas que a mãe Nilda assava).  Moro na praia, numa casinha simples, com fogão a lenha, uma vida extremamente saudável. Eu optei por ser vegetariano e preparava a minha própria comida. Eu ficava criando, inventando os sucos, as comidas. 

 

ET – Aquele clic para as massas, nasceu quando?

Arthur - Um dia, uma amiga, a Saula Almeida (neta do Sr. Eduardo Afonso de Almeida, fazendeiro aqui de Sacramento), que é oceanógrafa, um dia ela fez um pão integral. Fiquei encantado de ver a forma como ela amassava o pão, com toda força, dando o máximo de si, colocando toda a sua energia... Quando eu comi o pão, senti a delícia que era. Foi o que bastou, passei a criar os meus pães, com sementes variadas. O pão está lá na Bíblia, como o primeiro alimento da humanidade. O pão envolve muitas coisas e alimenta o corpo e o corpo estando bem o espírito está bem, é associar saúde e espiritualidade e ter como resultado qualidade de vida. Para um jornal de Florianópolis eu disse que, “falar de pães é conceber o amor, semear e colher saúde. Um produto sagrado que alimenta não apenas o corpo mas também o espírito”, (mostrando a matéria). 

 

ET - E por que a opção pelo pão natural?

Arthur – Justamente, porque envolve vários fatores: é saudável, ecologicamente correto... A matéria prima que uso vem direto do fornecedor, tudo fresquinho, tenho contato direto com eles, e juntos procuramos degradar o mínimo o meio ambiente, é algo assim ecologicamente correto. Os pães ou bolos como eles chamam, são veganos, ou seja, não têm proteína animal, não têm ovos nem leite. A base são as fibras, sementes e água. Trabalho atualmente com mais de 50 tipos de sementes e frutas desidratadas: linhaça, gergerlim, trigo em grão, granola, etc. E o pessoal se interessou pelos pães e por que não vender?. Aí comecei a vender, porque dentro do meu projeto de vida sempre sonhei em transformar as pessoas internamente. E como o pão vem dessa relação sagrada, de transformar as pessoas de dentro para fora, tive essa projeção de produzir os pães integrais

 

ET - Você diz que é um artesão em pães. Como assim?

Arthur - Sou um artesão padeiro, porque cada pão é um pão, eles não têm forma fixa, não é uma produção em série, eles são variados, com diferentes sementes ou frutas. Eu trabalho em casa. É uma produção exclusiva...

 

ET - Quantos pães fabrica por dia? Tem ajudante. 

Arthur - Não tenho ajudante, trabalho sozinho e esse é o diferencial. As pessoas pedem receita, perguntam o que é que coloco na massa e eu digo para elas que é a receita de qualquer pão integral. Eu posso dar a receita, mas o pão não vai ficar igual. O segredo é o foco, a energia que a gente coloca na massa. Hoje tenho estrutura para receber encomenda de até 500 pães ou mais por dia. Mas a produção ainda não chega a isso.  Hoje estou numa fase de expansão, mas quando eu comecei há dois anos, era um fogão de quatro bocas, depois dois fogões de quatro bocas. Eu pedalava entre 80 a 100 km por dia pela cidade vendendo pães, visitando pessoas. No início, o que me salvava eram duas feiras onde eu comprava a matéria prima pra pagar depois da venda dos pães. E a freguesia foi aumentando, hoje forneço pães para três lojas de produtos naturais. Eles pegam em casa ou eu levo de carro, mas se for preciso ando de bicicleta. Hoje tenho dois fornos, um para 50 pães e outro para 20 e comprei uma amassadeira de pães. 

 

ET – Com um equipamento industrial, os pães não perderam a sua energia vital? O pessoal não reclamou?

Arthur - No começo eu pensei nisso... Até fiquei apreensivo com aquilo, aquele barulho, mas passou a ser uma relação natural. Eu não manuseio a massa, mas coloco a intenção, uma energia positiva. Eu passei dois anos amassando pães, comecei com cinco, e aí foi crescendo, dez, vinte, trinta, quarenta, por dia. Chegou uma hora que meu corpo pediu pra parar. Eu sentia muitas dores nos ombros. O meu corpo pediu mudança de dinâmica e depois aquilo não era qualidade de vida. Aí optei pela máquina. Os fregueses não reclamaram, acho que ficou até melhor, pois a massa ficou mais batida, mais homogênea. 

 

ET - Você pretende voltar a estudar, por exemplo, na área de pães, gastronomia, por exemplo?

Arthur - Não. Se eu fizer gastronomia vai cair naquela coisa de tudo igualzinho. Fazer pão, para mim, é igual música. A música pra mim foi percepção musical. Eu aprendi música sozinho, de ouvido. As pessoas diziam para eu fazer um curso de música, mas nunca me interessei. Assim é a minha produção hoje, o conhecimento, no caso de uma faculdade, às vezes ela te fecha muitas possibilidades, gosto de ser livre pra trabalhar com os pães. Se eu me especializo em gastronomia vou conviver com coisas assim: não faça isso, faça aquilo, use isto, não use aquilo... Pode ser que eu perca a essência e caia na existência da produção. 

 

ET - Em Sacramento você viveu uma fase, digamos de preconceito. Era tido como rebelde... com aqueles cabelos longos, chinelos, uma guitarra... E hoje você está provando que não era rebeldia, aquele comportamento na escola básica já fazia parte de sua essência.  Lá fora também você viveu esse 'preconceito”? Você não vive isso em Florianópolis?

Arthur – É... eu era bem mal visto (risos) justamente por querer mudar. Lembro-me que a nossa época marcou, porque deixamos o cabelo crescer e enfrentamos um certo preconceito das pessoas, que são muito certinhas. Até da própria polícia. A gente de cabelos longos, tocando um rock in roll, mas sem bebida, sem fumar, sem bagunça e éramos advertidos, abordados... Isso aconteceu também em Uberlândia, onde fui abordado várias vezes pela polícia. Foi aí que ingressei no Direito, para saber meus direitos e me ajudou um pouco. Lá em Florianópolis não tive esse problema, vivo na praia. No início morava na mata, para chegar ao meu chalé tinha que subir 104 degraus de pura pedra, mas de lá eu via grande parte da ilha, pôres do sol maravilhosos, noites eternecedoras... (e o pai Zezinho endossa e mostra fotos do local, conformando que esteve na casa da mata). Lá em Florianópolis, criei uma relação mútua, tenho contato direto com os produtores, com os consumidores, conheço todos. Tenho uma boa relação com a vizinhança, e muitos adeptos de produtos orgânicos. E como eu tenho açúcar mascavo, farinha integral, vendo pra eles, a preço até de custo, porque a minha preocupação não é comercial, é viver bem. Tenho muito contato com outros artesãos da alimentação natural, tem muito gente igual a mim por lá. 

 

ET - O rock in roll, a guitarra ainda fazem parte de sua vida?

Arthur - E como fazem, estão no meu sangue.

Continua na próxima edição