Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Sr. Prefeito, por um ambiente mais sadio

Nasci em Sacramento, embora distante há anos, amo minha terra mais que qualquer outra, aqui sempre retorno alimentando minhas raízes com a água fresca do Borá, sem a qual minha alma perderia o vigor.

É nesta terra alegre que no futuro, junto aos meus queridos, pretendo descansar. Quando aproveitando férias e feriados chego por aqui, entrando na cidade, seja de que lado for, sinto uma alegria imensa. Identifico os casarões, muitos com colegas meus nas janelas, outros como um terno retrato de pessoas queridas que já se foram. Relembro momentos felizes de minha infância e adolescência, dos passeios nas cachoeiras; do "footing" no jardim; dos bailes no Sacramento clube; dos banhos de piscina na Praça de Esportes; dos jogos de vôlei ao lado do campo de futebol comandados pelo tio Deda; as brincadeiras de "pique" e "esconde esconde", no Afonso Pena; a sabedoria da Diretora desse Grupo, D. Corália, que lá na Escola Normal, com sua didática inesquecível plantava em nosso espírito a melhor semente de cidadania e já denunciava nossa Constituição como uma "colcha de retalhos"; no Ginásio, a pequena grande mulher, D. Corina, professora muito calma, que transpirando humanidade por todos os poros ia ensinando que, "quando vou e venho da, neste caso crase há, mas quando vou e venho de, neste caso crase prá quê?".

Ah, as tardes na pedreira; os passeios na terceira ponte; dos "piqueniques" escolares na Gruta dos Palhares, onde colegas ressuscitavam o Tarzan descendo pela boca da Gruta, por um fino cipó, deixando as professoras apavoradas; a alegria dos estudantes, nesta mesma gruta, admirando a assinatura de Santos Dumont e contemplando absortos as aves anfitriãs, que vendo seu sossego quebrado pelo barulho dos visitantes saiam de suas casas-buraco em uma revoada louca, um festival de sons em ecos ensurdecedores e cores de mil matizes, espetáculo indescritível; os casos engraçados, sempre relembrados, contados pela Mariléia do Amur, casal apaixonado que saia a passear com as crianças da terra pelas ruas enfeitadas de pedras, numa felicidade sem fim; dos seriados do Zorro nas matinês do cine Capitólio; das mãos ansiosas se encontrando no escurinho do cinema; das "vacas-pretas" tomadas na Cinelândia recheadas com muito "papo furado" e muitas confidências.

Relembro as serenatas e os serões; as apostas de corrida da Máquina Crema até a Matriz; os malabarismos para adquirir uma galinha e fazer uma bela galinhada ao som de muita "conversa mole"; o leite gostoso comprado do Sr. Manoel do Carrim; as barraquinhas nas festas da Igreja Matriz; a maravilhosa voz de minha irmã, Lilica, cantando nos casamentos a Ave Maria; a querida D. Helena japonesa, 'Batian' de todos nós, oferecendo-nos, na peculiar delicadeza da raça, aquele pé de alface fresquinha; a saudosa D. Maria, mulher do Dr. Juca, ensinando as crianças passarem os dedos sobre o mandaruvá, dizendo que ele não era mau mas suave como veludo; o pão quentinho de seu Quinto; os remédios para todos os males da farmácia do Vigilato e Labieno Soares.

Quem não se lembra dos linhos engomados e brancos do Sussu; dos relógios do Édson Pícolo; da loja do Naim, Leônidas, Ali Chachu, tio Buk Jones, da gráfica do Sr. Lulu; da loja de meu tio Tonim, violinista romântico, que na sua loja em dias de "Copa", ligava o rádio no último volume, os amigos em volta, ouvidos colados tentando escutar melhor a narração das diabruras de um negrinho mineiro que com dribles brilhantes arrasava o futebol europeu; das receitas de broas e pão de queijo das tias, só ternura; da paciência de tia Zizi e Lindolfa explicando a feitura dos documentos; das tias Bira e Zélia mostrando o "bê a bá", o "carro do Totó" e ensinando "olhar para Lili", plantando em nós o caráter justo e sensível; da preocupação sadia da professora Lucília, minha mana querida, ensinando os alunos a construir um mundo melhor.

Relembro Da. Célia no Colégio Normal, mulher de coração mole e mão dura na nota vermelha; a excelência dos alunos, Sr. Luis e Ataliba, junto ao primor das redações da Maria das Graças; as brincadeiras de "bets"; as missas das 10h00 com os sermões "puxa orelha" do Pe. Saul; os tradicionais Cantadores da Folia de Reis; as procissões de "Corpus Christi" com toalhas santos e flores espalhadas pelas janelas e desenhos sobre as pedras negras de paralelepípedos; as coroações de Nossa Senhora; as Cruzadinhas; as apresentações de peças teatrais e poesias na Sede Paroquial, defronte ao consultório do Dr. Romim, quando eu declamava, "Mãe", evitando olhar nos olhos para não desconcentrar; o Dr. Clemente com seu estetoscópio e ouvido afiado; a beleza do sorriso de D. Ada Cordeiro e de D. Anália, acariciando o coração dos filhos e iluminando os alpendres do paço principal...

Assim..., chegando por aqui, é ao deparar com as belíssimas ruas com seu calçamento negro, às vezes vermelho, o basalto afiado a martelo pelo calceteiro artista das ruas de minha cidade, a rua dos Fazendeiros, que homenageia o nome do pai do fundador da cidade, Capitão Ferreira (tanta história está ali), a Major Lima, a Benedito Valadares, a subida linda do Rosário, a rua S. Pedro, a rua do Comércio (Clemente Araújo e Rio Branco) as lindas avenidas Vigário Paixão e Capitão Borges, e a minha praça Getúlio Vargas, a praça da Matriz, cercada de pedras, verdadeiro cartão postal, é aí que sinto mesmo estar no meu chão, praça linda e bem cuidada, com coreto, coqueiros e algazarra de maritacas, onde relembramos nossos filhos jogando bola com os amigos e passeando de mobilete.
Tudo isto Senhor Prefeito, já se encontra "tombado", como diria Milan Kundera, na nossa "memória poética". Muitas dessas ruas o Sr., infelizmente, insensível a essa memória, desfigurou em seu primeiro governo. Por favor, não cometa novos crimes contra a mãe natureza. Deixe a água fecundar a terra por entre as suas entranhas de pedras ajuntadas com arte, que suga a chuva, alimenta a terra, e propicia o frescor do clima ameno, da minha Sacramento histórica, singular, diferente das cidades abertas com o piche quente do asfalto.

Credenciada por essa memória histórica e por ser filha legítima desta terra é que peço para não enterrar as lindas pedras que cobrem nosso chão, nosso mais rico Patrimônio estético urbanístico.

A maioria dos sacramentanos, acredito firmemente, pensa como eu, gostaríamos que nossas pedras, pedaços de rocha bordados no chão, continuassem contribuindo com o bem-estar estético da população e sejam conservadas. São relíquias de nosso Patrimônio histórico lembrando-nos os antepassados que já se foram junto a momentos bons e felizes usufruídos e que temos o dever de passar às gerações futuras. O contrário seria negar nossa própria existência. Não podemos apagar nossa memória histórica, apagando o que temos de melhor em matéria de Patrimônio urbanístico.

Não queremos nossas ruas asfaltadas, vestidas com o tapete negro do piche, química refletora do calor intenso do sol, produtora de um pó fino, feio e poluente, encardindo nossas cortinas, nossas paredes, roupas e pulmões... Além de poluir o meio-ambiente, impede o escoamento da água pluvial e nos traz também lembranças ruins como a guerra por petróleo.
Vamos continuar com as ruas cravejadas de pedras lembrando a pureza da natureza a beleza das cachoeiras e das rochas de nossa Minas Gerais.

Por favor, Sr. Prefeito, não deixe cobrir de piche as poucas ruas de pedras da nossa Sacramento, seria um dano irreparável, elas são como poema para os olhos e alegria ao espírito. Conservando nosso Patrimônio histórico, estamos preservando o meio ambiente no que tem de mais puro, nos aproximamos mais da natureza, construímos uma história melhor, nos tornamos mais humanos, mais felizes e menos máquinas.

Obrigada a todos que leram até aqui. Peço desculpas aos muito queridos não mencionados, vocês sabem que com o passar do tempo também as lembranças gostam de brincar de "esconde esconde".

Ana Maria Afonso de Souza RG 9.414.532

Querida Aninha,
Chegou tarde sua bela carta. Infelizmente, a turrona insensibilidade de nosso prefeito do PFL já cometeu o hediondo crime. Sua bela rua Capitão Ferreira e outras tantas transformaram-se em pistas macias e suaves para não danificar as suspensões dos carros dos donos do poder, o único e perverso argumento que a história um dia vai reconhecer, atônita. Continue escrevendo. A seu pedido, na tarde dessa terça-feira, protocolei seu apelo junto ao Ministério Público. Debalde. (Do amigo, WJS)