Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Omar Cyrillo preserva casarão da família

Omar Cyrillo, 86, o primogênito de José Cyrillo e Claudemira Vieira, sacramentano, radicado em Belo Horizonte há 70 anos, eletro-técnico aposentado e dono de uma empresa imobiliária, volta e meia está em Sacramento. Primeiro, pela propriedade e negócios mantidos na cidade e, outra, por uma causa bastante nobre e justa: restaurar o casarão da família, sede da 'Chácara do Zé Cyrillo', na rua Tiradentes, 302, no bairro do Rosário, colado ao ribeirão Benjamin, nome herdado do avô.

“Ali, na beira do córrego era rancho de boiadeiros. A rua já existia, aliás, era o corredor de boiada. O rancho começava na beirada do córrego e vinha até quase chegar aqui na casa. Os boiadeiros paravam aqui no córrego, então diziam: ´A boiada vai parar no rancho do córrego do Benjamin e aí o nome pegou e ficou.”, conta Omar ao lado da filha, a engenheira civil Lúcia de Cássia e das irmãs, Helena Maria e Sônia Célia.

Casado com Maria Raimunda Dinis criou os filhos, Omar Júnior, Lúcia e Cláudia, três netos, todos radicados em BH. Prá conhecer um pouco da história dos Cyrillos e do casarão tomamos café na beira do velho fogão da cozinha da casa da irmã, Sônia. E ali rolou um papo gostoso com Lúcia e Omar, que abre a conversa afirmando: “A família cultivou essas terras, aqui criamos gado, tiramos o sustento da terra, é obrigação agora cuidarmos dessa história”.

ET - Sr. Omar, vamos começar a falar do hoje e também voltando no tempo. O Sr. foi adquirindo as partes dos irmãos e pretende manter a chácara?
Omar - Já fizemos isso em Belo Horizonte com a propriedade da família da minha esposa, preservamos por muitos anos e hoje o local virou um loteamento. Agora, queremos manter a história da família aqui em Sacramento. Já esperávamos o tombamento da casa, porque havia interesse do poder público, desde fins da década de 80. Essa propriedade é coisa de família, foi construída pelo meu avô, Benjamin Augusto Vieira. O casarão foi construído, no último quartel do séc. XIX, e até hoje pertence à família, mantendo as características estéticas e construtivas de sua época.

ET - Seu avô foi uma pessoa importante na cidade, com destaque em cargo público. Pode falar um pouquinho dessa história?
Omar - Vovô Benjamin era irmão do Barão da Rifaina. A família Vieira era formada por vários comerciantes e fazendeiros provenientes da região de Queluz de Minas, atual Conselheiro Lafaiete. Entre eles, Vicente de Paula Vieira, Barão de Rifaina, negociante, fazendeiro e político atuante. Benjamin Augusto Vieira era seu irmão e genro, pois casou-se com a filha do Barão de Rifaina, Lindalva Cândida Vieira. Ele construiu a casa para comércio, por isso tem aquelas três portas na fachada frontal. Ele era dono de terras na Mumbuca, tocava lavoura de café. As lavouras existem até hoje. Vovô Benjamin, além de fazendeiro, foi também vereador por Sacramento de 1895 a 1897, Agente Executivo de 1881 a 1885 e de 1898 a 1900. Como fazendeiro, foi um dos introdutores de colonos italianos em Sacramento. Sua propriedade, construída na beira da estrada, servia de entrada e saída de carros de bois que transportavam os produtos agrícolas vindos das fazendas, e também de acesso para Uberaba. A casa servia de morada e casa de negócios, um armazém de secos e molhados, como diziam.

ET - Ele morava naquela casa, então?
Omar - Era ali a morada da família e o comércio. O comércio tem seu primeiro registro nos livros de Impostos de Indústria e Profissão em 1890, como firma de Benjamin Maurício & Goulart e no Alvará de Licença, datado em 27.02.1890 como firma social do mesmo nome. No livro de Alvará de Licença nº. 20, em 1892, aparece com o nome de Benjamin Augusto Vieira, permanecendo até 1912 no Livro de Imposto Predial, provavelmente como residência desde 1909. Em 1913, aparece como espólio no nome de Maria das Graças e Claudemira Vieira, (que era a minha mãe), respondendo por elas, Lindolfo Gonçalves de Araújo. A partir de 1921, respondem seus esposos, José Francelino de Araújo e José Cyrillo, respectivamente, mais tarde tornou-se propriedade apenas de José Cyrillo e seus descendentes. Atualmente, como espólio de Claudemira Vieira e José Cyrillo, sou responsável pelo imóvel, pela aquisição das partes da maioria dos herdeiros.

ET - Então vamos voltar um pouquinho, seus pais se casaram e foram morar no casarão?
Omar - Mamãe era órfã e a casa ficou alugada pra família do Zezé Terra. Quando mamãe se casou com José Cyrillo mudou-se para lá, em 1919. A venda da frente continuou alugada para o Sr. José Almeida, filho do escrivão Zeca de Almeida, o vendeiro era conhecido como Sr. Juca e nós morávamos ali. Mamãe nasceu ali naquela casa, todos nós, os dez filhos: Guiomar, Helena, Maria Helena, Benjamin, Aparecida, Antonio, Ernesto, Sonia e Marta e mais duas netas, filhas Helena nasceram ali, a Martinha e a Maria de Fátima.

ET - Fale um pouquinho de seu pai. De onde veio? O que fazia?
Omar - A mamãe nasceu aqui, nessa casa. O papai era natural de Formiga, veio para cá, pra região de Sete Voltas com doze anos, pra morar com um tio, Zé Vicente, que era dono de terras ali, tinha rancho de boiadeiro. Depois lá ficou muito conhecido pelo filho mais velho dele, chamado Damásio. Lá, ainda é da família. Depois de moço, papai voltou pra Formiga e quando retornou a Sacramento era pedreiro, ele trabalhou em muitas construções, inclusive na Igreja Matriz, que naquele época só tinha uma torre. Papai trabalhou na construção da outra torre, ele fez parte também dos pedreiros que construíram o cemitério. Ele morava na pensão do Sinibaldi e conheceu a mamãe aqui na cidade.

ET - Quando sua mãe ficou órfã?
Omar - Ela ficou órfã aos cinco anos, eram duas irmãs, ela e a Maria das Graças e o tutor delas era o Leopoldo Vieira, pai do Dr. Clemente. A casa, ao lado da Igreja Matriz, hoje, da família Cordeiro era do meu avô, aliás, todo o quarteirão pertencia a ele. Ali ficou pra Maria. Havia outras casas, que nem existem mais. Papai e mamãe se casaram, a casa estava alugada. E depois eles mudaram pra cá, em 1919. Em abril de 1920 eu nasci. Todos nós fomos criados aqui, mas aos 16 anos fui pra Belo Horizonte estudar.

ET - Mas o Sr. se lembra bem das terras?
Omar - Claro, lembro da Voltinha, o Valão. Foi desse valão que foi retirada toda a areia usada em Sacramento naquele tempo. Tem até um fato interessante: na época do Dr. Juca, procuraram o papai pra usar o valão para o pessoal do tiro de Guerra, exercitar uma vez por semana. Nesse dia, papai não poderia tirar, areia. Tudo bem. Mas sem o papai saber, eles procuraram o Evaristo, que tinha uma fazenda na Mumbuca, e ele deu a escritura do terreno do valão como se fosse dele para o Exército. E o valão ficou pro Exército. Só depois que papai faleceu é que fomos resolver essa questão, porque ele não sabia, ninguém sabia. Um belo dia o Exército apareceu aqui em casa procurando reaver as terras, que, na verdade não lhe pertenciam e, muito menos ao Evaristo que deu a escritura. Então, foi desfeito o negócio. Através de consultas, concluíram que a fazenda do Evaristo não era aqui. Aí devolveram o terreno, a escritura. Hoje o valão está sendo aterrado, para nós é interessante aterrar aquela área.

ET - Quando é que o Sr. começou a comprar parte dos irmãos?
Omar - Papai faleceu em 1968, mamãe, dez anos depois. A Sônia ficou morando na casa. Mais tarde ela construiu outra casa, dentro das terras, é claro, e se mudou. E a casa foi ficando abandonada. Aí veio a idéia de comprar a parte dos irmãos. O terreno são cinco alqueires e comprei seis partes, restam três. Mas, na realidade, a gente nunca quis ficar com toda a terra, o que a gente não quer é que outras pessoas adquiram as terras, queremos que fique na família. Aí se alguém da família vai vender a gente vai comprando, porque não queremos que passe para terceiros, queremos preservar o patrimônio da família.

ET - E o progresso, um dia vai chegar, a cidade vai crescer e a chácara continuará? Como é que vai ser?
Omar - Temos consciência disso, mas não temos idéia ainda do que vamos fazer no futuro. Por enquanto vamos preservar como está. Temos criações, tiramos leite, é uma chácara, mas sabemos que um dia vai restar a casa apenas.
Lúcia - Mas já vivemos e vencemos uma situação dessas. Tínhamos um sítio, uma chácara em BH, que era dos meus avós maternos. Hoje resta a casa antiga, o resto é um loteamento, feito pela imobiliária de papai. Mas isso depende do progresso da cidade. Essa nunca foi a nossa intenção com relação às terras em BH, mas um dia tivemos que acompanhar o progresso, por certo aqui acontecerá a mesma coisa, um dia.

ET - Lúcia, você que é engenheira civil e responsável pela restauração, pode nos dar as características do imóvel, que o reportam para fins do século XIX?
Lúcia - Ele é um casarão colonial de quatro águas, foi construído sobre embasamento de pedra, estrutura em madeira, com vedação em adobe, telhas tipo colonial – capa e bica , beiral revestido em cimalha de madeira. A fachada principal possui ritmo, simetria e equilíbrio. A porta principal é almofadada. As janelas e portas são enquadradas e vedadas em madeira maciça, verga reta. Internamente, o tratamento é com forro e assoalho de madeira, em tabuado liso, com poucas intervenções, sendo estas de colocação de luz elétrica e água encanada. Está em regulares condições, mas o proprietário, Omar Cyrillo, vem adotando providências no sentido de restaurar e manter os aspectos originais da construção, no intuito de preservar a história familiar e também pela importância da edificação no acervo colonial da cidade de Sacramento.

ET - A casa passou por quantas reformas? Chegou a se descaracterizar?
Lúcia - Não foram muitas reformas. O que houve de maior vulto foi um acréscimo. Há o corpo principal e depois a parte da cozinha que foi acrescida. O corpo da casa é original e mesmo o acréscimo obedeceu as características, as janelas têm o mesmo estilo. A casa hoje está passando por reforma, está sendo restaurada e se tornará habitável. Se não estivéssemos fazendo a manutenção já teria caído, acabado. Após a restauração vamos deixá-la para o nosso desfruto. Periodicamente vamos estar aqui, os filhos, netos, bisnetos...

ET - Como se deu o tombamento da casa?
Lúcia - No contexto da importância histórica do casarão, considerando a anuência do seu proprietário, os estudos foram elaborados pelo Conselho Deliberativo Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural, em conjunto com a Superintendência Municipal de Desenvolvimento Econômico, Turístico e Cultural de Sacramento, por intermédio de sua Diretoria de Cultura, o Decreto Municipal nº. 95, de 12.05.06, tomba ao Patrimônio Histórico do Município de Sacramento o imóvel, “Casarão “localizado na Rua Tiradentes nº. 302, merecendo toda área abrangida pelo tombamento permanente e especial atenção do Poder Público para preservação de sua originalidade.

ET - Para o tombamento, o que foi competência da família Cyrillo?
Omar - Todas as despesas correm por nossa conta, porque somos os donos da casa, podemos desfrutá-la, até vender se quiser. Apenas temos que obedecer a algumas exigências: a casa não pode ser modificada em suas características. Não podemos acrescer nada na casa. Podemos modernizar a casa, adequá-la para uso (fechar porta, abrir porta internamente), mas não é nossa intenção fazer isso. Já tivemos várias propostas de compra, nunca vamos vendê-la para terceiros, mas se o fôssemos, quem comprasse não poderia modificar nada. Quando o progresso chegar e a chácara virar cidade, não poderá ter prédios acima de cinco andares. Outro dado curioso é que o tombamento não é apenas da casa, mas um polígono, no entorno desse polígono não pode haver construção, nem nós podemos construir. Á prefeitura coube a assinatura do Decreto.