Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Muitos não sabem ainda o que é o C.T.


O jovem Renato Mateus de Santana (foto), 25, deixou Sacramento para assumir o cargo de Assistente Social do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, após aprovação em concurso no ano passado, quando ainda cursava Serviço Social, na Unesp, em Franca, onde concluiu o curso no final do ano passado. Filho de Reinaldo Joaquim Santana e Odete Mateus Santana, Renato sempre foi um lutador, trabalhava de dia e estudava à noite.
Mas o concurso do TJMG não foi o primeiro de sua carreira. Em 2004, Renato foi aprovado em concurso para o Conselho Tutelar e em seguida foi eleito pelos representantes dos diversos segmentos sociais para ocupar o cargo, tornando-se assim um dos conselheiros.
Antes de deixar a cidade, Renato faz uma análise de seu trabalho no CT e da realidade da realidade da cidade de Sacramento, falando ao mesmo tempo sobre informação e desinformação.

Informação e desinformação

"Vivemos ao mesmo tempo a era da informação e da desinformação. Informação que desinforma ou que forma um homem consumidor voraz, individualista, ordeiro e despolitizado, o chamado dito" cidadão de bem", que discursa discriminação, pré-conceitos e marginalização. E quando falo em informação e desinformação, refiro-me precisamente aos meus quase dois anos de trabalho no conselho Tutelar dos Direitos da Criança e do Adolescente do município, de que me despeço agora e que contribuíram muito na construção de minha identidade"

A desigualdade social

"Hoje, mais do que nunca, volto minhas forças para a luta das classes populares, para a desconcentração do poder, para a livre manifestação da consciência e para o equacionamento da desigualdade social. A desinformação contribui enormemente para perpetuar a desigualdade social, mantendo na pobreza os marginalizados, que têm suas bandeiras estampadas nas capas dos grandes jornais e revistas e anunciados como delinqüentes.

Políticas sociais

O liberalismo das elites insiste em culpar o indivíduo pelo seu sucesso ou por sua desgraça, esquivando-se de assumir o papel de provedor dos direitos sociais adotando a lógica do Estado Mínimo, colocando o desenvolvimento social em função do mercado. Nesse sentido, vejo que o governo federal tem se esforçado para mudar esse quadro. O Estado tem se tornado mais presente. Desenvolvimento social deve se dar pela emancipação social das massas expropriadas, gestado de baixo para cima. Toda a população em seus diversos segmentos sociais participa, hoje, democraticamente, das decisões e mediante inserção nas instancias deliberativas, nos órgãos públicos, nos conselhos comunitários, e principalmente, pela garantia do acesso aos direitos sociais. É preciso políticas sociais que devolvam a essa gente trabalhadora e sofrida o direito de gerir sua própria vida sem depender de assistencialismo."

O Conselho Tutelar

O Conselho Tutelar é órgão representativo da população, do 'município'. É preciso que se entenda que conselhos comunitários servem à comunidade, ao município, a ninguém mais. Um conselho é um instrumento democrático que pode nos proporcionar oportunidade de gerir nossa própria realidade ou pelo menos, de nos defender de atos arbitrários e abusivos daqueles representantes 'super-heróis', que escolhemos também democraticamente para nos representar. Por que? Porque esses conselhos contam com a presença da comunidade em sua composição e têm poder de decisão sobre questões pertinentes à realidade vivida pela dona de casa, pelo pedreiro, pelo lavrador...

Quem manda No Conselho Tutelar

Ninguém manda no Conselho Tutelar a não ser o Direito da Criança e do Adolescente, que é uma conquista histórica do povo brasileiro, desde a reforma constituinte de 1988, momento rico de conquistas sociais que marca o fim de uma era militarista, autoritária e abre amplas possibilidades na construção da democracia. É por isso que prefeitos e gestores, além de não proporcionar todas as facilidades necessárias para o bom desempenho do Conselho Tutelar, ainda atrapalham, causando animosidades e deixando as sobras pra gente".

Apoio do poder público

"Afinal de contas, nossa função mais ampla é 'zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente', de modo que temos o poder de mandar no prefeito. O Conselho manda no prefeito de acordo com suas atribuições, por meio de requisições de serviço, porque proteção social é dever do poder público e o município que não oferta regularmente os programas sociais ditados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 87/90) comete violação de direitos e deve ser responsabilizado judicialmente, o que nosso governo municipal tem feito exemplarmente. Por isso falta tudo no conselho Tutelar, desde papel higiênico a veiculo necessário para o bom desempenho das atividades, sem falar de suporte técnico, garantia de direitos trabalhistas e previdenciários. E, o pouco que fazem é simplesmente a sua obrigação, lembrando mais uma vez que programas sociais são direitos de cidadania e não favores.”

Adultos é que dão trabalho

"É lamentável que alguns gestores e muitos profissionais que trabalham na área não fazem ou fingem não fazer a mínima idéia do que seja o Conselho Tutelar, comungam com a idéia de que o Estatuto 'passa a mão na cabeça das crianças e adolescentes'. E muito menos o que seja o Direito da Infância e da Juventude, que rompe drasticamente com as práticas arbitrárias, discriminatórias, marginalizantes, que tratam adolescentes como se fossem bonequinhos de papel ou feras prontas a nos atacar. Quem dá trabalho não são as crianças e adolescentes, mas os adultos, dentre eles, professores, assistentes sociais, gestores, pais ou responsáveis e outros mais.

Política assistencialista

"Como assistente social, confesso que, conforme o tempo passa, sinto o estomago enjoar quando vejo a política social de Sacramento, cada vez mais assistencialista, enquanto deveria ser implementada uma nova política que dá rumo a políticas assistenciais no campo da economia, geração de emprego e renda, que promovem através dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), a descentralização político-participativa e aproxima o profissional com a população, visando potencializar a comunidade para o controle social. O que se vê em Sacramento? Quase nada! 'Lares solidários' é assistencialismo e assistencialismo não substitui Políticas Públicas Assistenciais, esta é uma forma de tratar problemas estruturais com políticas residuais, focalistas, compartimentalizadas, paternalistas, que mantêm cada vez mais a pobreza e a desmoralização da população na luta por seu espaço, além de transferir pra entidades não governamentais (terceiro setor) a responsabilidade que não é sua.

Uma nova visão

Depois de quase dois anos de trabalho 'salvando vidas', como brincávamos entre nós, hoje aposento minha capa de super-herói e caminho para outras aventuras, mas os super-poderes que aqui desenvolvi carrego comigo. Quando entrei no Conselho Tutelar ouvi 'cobras e lagartos' e assim construí minha visão. Muitas críticas que eu tinha, desconstruí ao longo dos dias; e construí outras. Hoje, acredito que não devemos trabalhar como trabalhamos. É preciso que cada um dos setores sociais responsáveis por toda a comunidade e que carregam ou deveriam carregar a bandeira da Infância e Juventude, faça a sua parte para que os membros do Conselho possam fazer apenas o que lhes compete e não ficar literalmente 'salvando vidas'. Tudo o que fazemos para romper com a cultura ingênua que nossa cidade possui não é suficiente, porque na contra-corrente estamos todos sendo o tempo todo despolitizados e descapacitados para agirmos diferente.

Agradecimento é o que fica

"Quero ressaltar aqui algumas pessoas que, neste tempo conheci e que contribuíram tanto para o bom desempenho do Conselho Tutelar..." Renato cita todos os seus colegas conselheiros, equipes de apoio, autoridades, mestres e promotores que compartilharem com ele essa luta, "sobretudo às crianças e adolescentes, aos familiares, aos irmãos e pais, Reinaldo e Odete".

Mensagem final

"É preciso que eduquemos nossas crianças e adolescentes a espiritualizar-se a conhecer o quanto puder sobre a natureza, sobre o Brasil, sobre a história de seu país, sobre enxadas e foices, sobre a terra e barracos de lona, de lata, sobre estrelas e sobre as mazelas humanas, conhecerem a si mesmos, porque sobre computadores, moda, fragrâncias, tragédias e novidades o regime social neoliberal os manterá fartos, uma informação que desinforma. É preciso ser diferente, revolucionar".

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