Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Júlio Pucci - o músico Terapeuta

Durante a Semana Santa, não só trabalhamos e rezamos, como tivemos a oportunidade de nos encontrar com sacramentanos ausentes, um deles, o Júlio Pucci, radicado em Ribeirão Preto, emplacando na nova profissão: Musicoterapeuta. Se tem música, remonta-nos a coisa boa e o é. O leitor poderá conferir. Filho do ex-Coruja, Hercules Aurélio Pucci, Lelinho, já dá pra sentir que tem o gene, e Aracy Botelho Pucci, Cici, o jovem Júlio é o segundo filho do casal, que tem outros dois filhos, George (Carla) e Diego. Exímio no violão, que aprendeu sozinho, ao lado de uma palinha do pai, falou de música, de musicoterapia e outros papos.
Confira.

ET - Fale do início dos seus estudos.
Júlio - Minha escola básica foi sempre em Sacramento, iniciei na Gotinhas de Mel, no pré, depois fui para o Coronel até o 2º ano do Ensino Médio; o 3º ano foi no Rousseau e, depois, fui para Ribeirão Preto cursar Musicoterapia, na Unaerp, durante quatro anos.

ET - O que é, realmente, a Musicoterapia?
Júlio- A Musicoterapia é uma abordagem terapêutica que surgiu há pouco tempo, há uns 30 anos. A Musicoterapia objetiva desenvolver, promover a comunicação do ser humano, o relacionamento, reabilitação, facilitando para que a pessoa tenha um estado emocional, mente e físico desejados. Enfim, facilita a socialização, independente de ser uma pessoa normal, neurótica, ou portadora de necessidades especiais. Nosso instrumento é a música, com seus elementos, ritmo, melodia, harmonia e propriedades da música: timbre, altura, duração e intensidade.

ET - A profissão já é reconhecida no país?
Júlio - Não, a musicoterapia ainda não é reconhecida no Brasil. Agora, que a associação está fazendo um trabalho para a regulamentação. Em outros países, como Inglaterra, Estados Unidos, China, Argentina, além de outros, o curso é reconhecido. Só no Brasil ainda não o é. Agora, é preciso deixar claro, que o curso de Musicoterapia não é curso de música, a pessoa não aprende tocar instrumentos. Aliás, a pessoa tem que saber tocar, saber um pouco de teoria da música, história da música para vivenciar melhor o curso. Ali estuda-se a aplicação da música na vida dos seres, passamos pela história da música, em todos os tempos, mas com vistas, os seus efeitos, no ser humano.

ET - No Brasil, hoje, qual é a média de musicoterapeutas. Algum nome de destaque?
Júlio - Na minha turma fomos 16 formandos, no Brasil temos Roger Abdala, Alexandra Cursi, Noemi Lang, André Brandalise, Renato Sampaio, Maristela Smith, entre outros.

ET - Em sendo a musicoterapia uma profissão nova, isso quer dizer que o mercado nem sabe o que é isso ou que exista a profissão e sua importância?
Julio - Exatamente, é uma coisa a ser desbravada, montar projetos, porque a musicoterapia envolve pesquisa, trabalhos paralelos, que envolve outros profissionais da saúde, como fisioterapeuta, médicos, psicólogos, para assim nascer um trabalho interdisciplinar e mais rico. Assim o profissional e o paciente têm mais a ganhar, levando em conta que o trabalho interdisciplinar possibilitará para que os outros profissionais da saúde vivenciem a musicoterapia, compreendendo mais o nosso trabalho, e nós os musicoterapeutas o deles. Ou seja, a musicoterapia enquanto uma área da saúde, humana e arte, é uma peça a ser enquadrada em vários blocos, não deixando de incluir o da educação. Definindo de uma maneira mais superficial, pode-se dizer que é a relação do som, envolvendo o fenônemo vibração sonora com o Ser-Humano.

ET - Como diz o Martinho da Vila, já que estamos falando de música: 'O meu papel, meu canudo de papel...' O que vai fazer com ele?
Júlio - Sobre o 'canudo', meu suado diploma, estou tranqüilo, a musicoterapia tem um campo muito amplo. Por exemplo, há a musicoterapia de abordagem médica, cujos musicoterapeutas trabalham em hospitais com crianças vítimas de câncer, pessoas em estado de coma. Além dessa abordagem há outras, escolas, empresas, além do consultório, que será montado de acordo com os padrões de um 'setting' musicoterapêutico.

ET - Para que e para quem serve a musicoterapia?
Júlio - A musicoterapia serve para qualquer ser humano. O seu campo de atuação é muito grande, podendo beneficiar desde crianças a idosos. Existem trabalhos clínicos sendo realizados em várias áreas, como deficiências mentais (retardo, síndromes genéticas), deficiências físicas (paralisia cerebral, amputações, distrofia muscular progressiva), deficiência sensorial, como a surdez e cegueira, nas doenças mentais. É muito utilizada na area da psiquiatria, na área social com crianças e adolescentes carentes ou de rua, em geriatria, em distúrbios infantis de aprendizagem e comportamento e com gestantes, na estimulação precoce, o campo de atuaçao é vastíssimo.

ET - Como a música age no tratamento?
Júlio - A musicoterapia trabalha com processos, o aqui e agora, ela não visa resultados imediatos. Ela não visa a doença, a musicoterapia visa o ser humano, o seu bem-estar. Pesquisas, estudos, indicam que a música age diretamente nas secreções, na pressão sanguínea, na memória, no estado emocional. Dizem que a música tem o dom de acalmar as pessoas, mas também de deixar nervoso, irritado. A música é de extremos, então o papel do musicoterapeuta é ir ao mediano, porque música além de acalmar, deixa nervoso também. Na música vem muita coisa, se a música fosse só acalmar, qualquer pessoa poderia usar música num paciente.

ET. O que enerva a pessoa seria o estilo de música?
Julio Não, não é o estilo de música que enerva a pessoa. Isso depende do ser humano, da predisposição de cada um. Há uma teoria do Benenzon que diz que, todo ser humano sempre teve relação com o som, então, a criança já no útero faz parte da mãe, assim a relação que a mãe tem com a musica já vai se introjetando na criança. Sendo assim, ela desenvolve o ISO gestáltico, que é algo que ela já tem desde o período uterino. Quando cresce, a criança começa a desenvolver interesse pelo ISO (identidade sonora) grupal, que é o que a escola e demais meios em que vive atribuem para a criança. Já na fase adolescente, o jovem quer muito uma identidade para si e a música é um recurso para ele buscar isso. Aí ele começa num grupo que ouve 'rock in roll', e tem que se envolver, senão ele será isolado. Mesmo não gostando daquele estilo, se vê na obrigação de envolver-se com o grupo. Mais tarde ele pode até optar por outro estilo musical, mas sempre em detrimento do ISO grupal.

ET - Estudiosos associam a rebeldia dos jovens na atualidade aos estilos musicais do tipo, 'heavy metal', rock pauleira, e outros. O que há de correto nessa associação?
Júlio - Tem muito a ver, porque os jovens estão estão sempre buscando algo muito imediato, muito rápido e a batida dessas músicas, os acordes são muito pesados, não são algo introspectivo, por isso desencadeia essa rebeldia. O jovem quer algo rápido, respostas rápidas... Ele sente necessidade de algo e os acordes desse tipo de música são circulares, giram, giram e não preenchem o ambiente, não dá tempo de se concentrar. Vai mais nas batidas, digamos, que você não ´degusta´ a música. Sem contar que tem também o contexto das letras, extremamente agressivas.

ET - Pelo que sabemos, você passou por isso... Adorava um rock pauleira, não? (risos)
Júlio - É eu passei por isso, adorava um rock pesado. Hoje prefiro músicas mais introspectivas, com acordes dissonantes, tipo bossa nova, MPB, letras introspectivas. Assim, como algo que a gente busca algo mais puro, grandioso, que faz você raciocinar, aquela música que você sente...

ET - E quando você se depara com jovens, daqueles bem rebeldes, que tipo de trabalho é feito com eles?
Julio - A gente inicia buscando o relacionamento deles com a família, porque senão pode desencadear outras coisas. A psicossomática busca a relação pais e filhos, desde a vida uterina. Aí a gente vai sondando o ambiente musical, o ISO grupal dele e aí vem a terapia com a música de acordo com o aqui agora, não é uma coisa pronta. A gente elabora junto com o paciente a terapia a ser aplicada. Podemos usar qualquer tipo de música, desde que se enquadre naquele paciente. Fazemos a recriação da música, para descobrir o que a pessoa está buscando naquele tipo de música. Nós cantamos, recriamos a música para descobrir o que aquilo simboliza. E temos a possibilidade de exacerbar tudo, deixando aquilo concreto, porque o jovem, principalmente, não sabe o que está buscando ou o que busca ainda não está claro.

ET - A musicoterapia é mais grupal ou individual?
Julio - Pode ser tanto individual quanto grupal, pode ser aplicada em escolas com crianças com dificuldades de aprendizagem. Eu mesmo desenvolvi um trabalho nessa linha, que foi apresentado em São Paulo e com bons resultados. Lembrando, porém, que a gente não visa a dificuldade de aprendizagem, mas a relação da criança com essa dificuldade, embora exista a musicoterapia didática foca a aprendizagem, independente de ser escolar.

ET - Você disse que o leque para a profissão é grande. Entre ter o seu consultório ou trabalhar em escolas, empresas, hospitais, o que você escolheu?
Júlio - Eu ainda não me defini, mas sou muito aberto. Com certeza, estou mais para a fenomenologia das relações. O que aparece eu estou pegando, porque essa vertente da fenomenologia usa a música para dar significado para as coisas, para as pessoas se organizarem e saberem o que estão buscando, e isso aí eu posso envolver na médica, com deficientes nas APAES, etc. No momento estou enviando currículos, estou mais focado no trabalho com crianças com hiperatividade.

ET - Que valor você dá à escola de modo geral tendo no plano curricular a música pra ajudar o estudante?
Julio - Todo o valor, principalmente na parte da disciplina. Eu por exemplo, comecei a me disciplinar quando me dediquei à musica mais introspectiva, porque a música trabalha tanto com o emocional, quanto com o lógico. A música tem muita matemática, a física quântica, filosófica, poética. Na análise da canção a gente vê tudo isso. A música nos deixa mais aptos a ter um raciocínio mais rápido.

ET - Foi a sua relação com a música que te levou a fazer esse curso?
Júlio - Eu fazia terapia com a psicóloga, Vânia Bonatti, a quem tenho muito respeito e gratidão. E estudava, mas não sabia o que ia cursar. Eu falava com a terapeuta sobre as minhas músicas, levava meu violão para a terapia, mostrava minhas composições. Aí, um dia, ela levou um artigo sobre musicoterapia. Foi quando me descobri, porque sempre gostei de reflexão, de psicologia, de música e virei musicoterapeuta.

ET - De que tipo de música você gosta?
Júlio - Eu gosto muito do rock progressivo, estilo Pink Floyd, as últimas músicas dos Beatles, porque eles ficaram progressivos no final, Yes, Hermeto Pascoal, Hegberto Gismonti. Das duas bandas que estiveram no Brasil recentemente gosto mais do U2, os Stones têm mais blues. O U2 tem mais variações nas músicas.

ET - Mas o público gostou mais dos Stones...
Júlio - (risos) O show dos Stones foi gratuito, o U2 foi pago. Dado a gente pega qualquer coisa (riso), por isso deu um milhão e meio de pessoas em Copacabana.

ET - Seu gosto está no rock progressivo, mas está se rendendo à bossa-nova, ao bolero, ao fox...
Júlio - Eu estou rompendo barreiras e aceitando bem, porque é o novo. Eu gosto do novo, não sou apaixonado pelo ritmo, mas é novo pra mim e quando digo novo, não é de idade, é para o meu gosto. Hoje estou dando valor, vou me fundindo na música.

ET - Qual a sua formação musical?
Julio - Eu aprendi a tocar violão sozinho. Nunca tive aulas de músicas, mas tenho um grande mestre dentro de casa, que me inspirava, meu pai. Desde pequeno eu o via tocar, ensaiar. Quando optei pela música ele me apoiou e como apoiou! Aí fui sugando isso dele. A partir daí, acho que passei a ter essa capacidade de sugar, ouço uma música, se acho bonita, começo a trabalhá-la, ganhar esse estilo. Além de violão toco guitarra, baixo, cavaquinho, bateria e estou estudando teclado. Temos uma banda, a ´Som pra todo canto´, em Ribeirão Preto. Eu faço a percussão. Não é banda pra musicoterapia, a gente faz shows, bailes, casamentos, barzinhos.

ET - Passamos há pouco pelo carnaval e vimos a nova onda explodindo com funk, a percussão marcante e maçante e uma letra, às vezes, até violenta. Que análise você faz desse gênero?
Júlio - Para mim é até um ato político, de rebeldia, como nos anos 70, com aquela música contra o capitalismo. É a massificação, e é fruto de um país ignorante. E há que se levar em conta o consumismo, hoje se produz música pra vender, músicas instantâneas, por isso ela perdeu o senso crítico, sem conteúdo de consciência do que o país está vivendo. Aí começou a entrar coisas de fácil entendimento, massificou, mas não tem qualidade..., o mundo capitalista visa isso, informação rápida, produtividade rápida e retorno rápido.

ET - Uma delas diz assim: 'É som de preto, de favelado, mas quando toca, ninguém fica parado..." O samba nasceu assim, mas com letras bem mais cuidadas. Você enxerga nisso uma incitação à violência, às drogas?...
Júlio - É verdade. O que está acontecendo hoje, aconteceu com o samba também que era marginal, era coisa dos morros, só que hoje é outro contexto. Antes não tinha televisão, as coisas não eram explícitas. O capitalismo fez tudo muito rápido e o mundo hoje é rápido, consumista. As pessoas, de primeiro, tinham mais senso crítico, hoje as coisas são rápidas demais, não dá muito tempo de discernir, mas é uma sátira ou até um alto preconceito, uma espécie de revolta... Como incitação à violência e às drogas, eu digo que é uma incitação sim, pois esta mercadoria musical, como fruto do capitalismo se torna vendável e conseqüentemente consumida. Consumo e violência andam de mãos dadas. Sendo eufemista digo que consumir nesta nação capitalista é uma convenção social, um costume, pra não dizer um ato compulsivo, um ato sem controle. Consumir por consumir, advém mais da vaidade do que propriamente da necessidade, como muitos ladrões roubam por roubar, pessoas matam por matar, "cristãos" rezam por rezar ... É uma impulsão que vai se ramificando em vício, usar droga passa a ser um clichê, uma moda (consumo). É como o samba que era marginal, uma expressão artística das pessoas dos morros e que logo passou a ser massificado (como dito anteriormente), pode-se dizer o mesmo das drogas, que eram usadas em rituais de purificação, em tratamentos medicinais e que passaram a ser consumidas sem necessidade e sim por vaidade e incrédula curiosidade, ignorância vinda de uma carga cultural de um país capitalista. Ou seja, o uso da droga é um fútil modismo que se torna em violência, em vício, em doença, como ato de consumir, roubar... "bendita" seja a vaidade de um capitalismo que é uma "teia de aranha". E a música vai por aí...

ET - Você acha que esses 'funkeiros' precisam passar por algumas sessões de musicoterapia? (risos) Iria ajudá-los? Ou nós, pobres mortais, estamos precisando da musicoterapia? (risos)
Júlio - O que tenho a dizer é que todos nós precisamos de terapia independente de ser musicoterapia, terapia ocupacional, artes, etc., mas que possamos antes de tudo aumentar esta predisposição que temos em sentir, nos sentir, saber o que se passa em nós, para nos tornarmos pessoas mais sensíveis e abertos, só assim, poderemos ser mais empáticos e compreensíveis e visualizar não a verdade do mundo, mas a nossa verdade em relação do mundo, só assim as apologias à droga e violência passariam ser feitas para a paz e o respeito. Quando nos compreendermos, dando valor e respeito para os nossos limites, passaremos a compreender e dar valor aos limites e gostos do outro.

ET - E a música sertaneja?
Júlio - A sertaneja, pelo menos um de seus estilos, está na mesma linha. Temos que distinguir a música sertaneja de raiz e a de vendagem rápida. A raiz é de uma riqueza muito grande, valoriza a terra, o meio simples, a natureza, o compositor sertanejo está fundido ao seu meio, ele se vê irmão de sua terra e consegue transmitir aquele amor na música. Agora, a sertaneja que fala de cama, amor passageiro, passa. É o que mais vende, mas passa... A mídia pede isso e o sucesso dessas pessoas é nas entrelinhas, tem que estar sempre com algo novo, senão cai no esquecimento, já os bons permanecem.

ET - Pra terminar, 'Se Jesus voltar', como diz a música do Roberto Crema, e disser pra humanidade: 'Olha, tá bagunçado demais esse planeta. Vou permitir meia dúzia de gêneros de música nos próximos anos'... Quais você escolheria?
Júlio - Nossa! Em minha cabeça vem mais de dez, porque para o que temos de ruim e de podre, temos o dobro de bom e livros na arte da música, o problema e que somos condicionados a assistir TV e ouvir rádio e esquecemos dos trabalhos alternativos que soa extremamente ricos na nossa cultura nacional e mundial.

* * *