Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Emoção e lágrimas na despedida do pe. Zezinho, em Conquista

"Vamos nos despedir de padre Zezinho, ele que fez muito por nossa comunidade. Nós lutamos até o fim. Entregaremos padre Zezinho à comunidade de Conceição, mas a nossa luta não acaba aqui, não. Vamos continuar lutando para que esse processo dentro da Igreja se aperfeiçoe. Não queremos contradizer nada, nem impor à Igreja, mas simplesmente levá-los à reflexão. Para tanto convido todos para a Igreja, para fazermos um momento de oração, por tudo o que padre Zezinho fez para nós". Essas foram as palavras do leigo, prof. Daniel Amatângelo, em frente à Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, na cidade de Conquista, às 16h00 do dia 31 de março, à comunidade católica conquistense, crianças, homens mulheres, jovens e idosos, que, do lado de fora portando faixas e cartazes de apelo, choravam a partida de seu Pastor, padre Zezinho. Padre José dos Reis Naves, o Pe. Zezinho, 44, não participou do momento de reflexão. Teria mais quatro anos, conforme provisão lida naquele presbitério dois anos antes. E, de repente, não mais que de repente, Padre Zezinho é arrancado do meio do povo que tanto amava e que tão bem conduzia, para assumir outra paróquia, em Conceição das Alagoas

Obediência, resistência e deficiência são temas de reflexão

Na Igreja, Dimas da Cruz Oliveira e Daniel Amatângelo comandaram o momento de reflexão, com leituras feitas por jovens, homens e mulheres sobre a obediência, "É a caridade fraterna que dá o tom da obediência. Quem tem alguma autoridade que a exerça com simplicidade e fidelidade ao evangelho, excluindo toda forma de dominação e abuso de poder. A autoridade da Igreja é uma missão nobre e sublime, desde que exercida como serviço desinteressado e não como ambição. Ser criativo não significa romper. Questionar não significa agredir. Discordar não significa caminhar por conta própria. Só o diálogo estabelece pontes", afirmavam os oradores, referindo-se às palavras do bispo da diocese, D. Aloísio Roque Opperman, que os chamou de 'revoltosos'.
A 'resistência' também foi tema de reflexão, sob a invocação de Santa Catarina de Siena, que questionou o papa Pio XII em alguns aspectos da Igreja. Também a 'deficiência', tema da CF/06, teve enfoque nas leituras proferidas, sobretudo, na deficiência maior, o desamor. Mas a reflexão mais veemente foi feita pelo Prof. Dimas da Cruz Oliveira, Congregado Mariano e membro ativo da Igreja. "Gostaríamos de jamais estar aqui, entretanto quis Deus que nós nos defrontássemos com essa situação tão infeliz. Queremos agradecer a Deus a presença do povo de Deus dentro dessa Igreja. (...) não lutamos pela pessoa do padre, nós lutamos pelo pastor, pelo missionário, pelo homem que foi aos bairros da periferia, o homem que abraçou os doentes, o homem que acolheu a todos, o homem que nos fez crescer como igreja. É por ele que nos reunimos agora e dizemos bendito aquele que vem em nome do senhor...", disse mais.
Recordando a intensa batalha travada com Dom Roque, para a permanência de Padre Zezinho em Conquista rebateu as críticas do bispo. "Não somos revoltosos, não somos rebeldes, não queremos romper com a igreja, queremos a permanência de padre Zezinho. Se Jesus Cristo tivesse obedecido ao seu tempo não teríamos o cristianismo; se São Paulo tivesse obedecido aos homens de seu tempo, não teríamos a igreja católica; se Santa Catarina de Sena tivesse obedecido ao papa, a igreja não teria sido unificada e santificada.", refletiu.

Os últimos instantes entre o Pastor e seu rebanho

Ao saírem da igreja para uma caminhada até a casa paroquial, residência do vigário, os fiéis depararam com um carro que já levava Pe. Zezinho, visivelmente emocionado. Os paroquianos interceptaram o veículo para uma emocionante despedida no meio da rua. E foi entre lágrimas e aplausos, que a povo circundou o carro, cada um tentando se aproximar o mais possível, tocar o sacerdote, olhar em seu rosto mais uma vez. Ali, espremidos entre o povo e o veículo repórteres deste jornal conseguiram registrar sua pequena despedida. "Até breve, meus irmãos em Cristo. Eu amo muito vocês. Obrigado por tudo e por todos, continuem rezando por mim, porque seguirei minha missão como pastor de Jesus", dizia, repetindo as palavras, enquanto o motorista lentamente forçava a passagem até dobrar a esquina sob acenos e lágrimas de adeus.
Segundo as pessoas mais chegadas a padre Zezinho, ele não estava bem de saúde naquele dia. "Ele está com a pressão muito alta, não pode ter emoções fortes, que Deus o acompanhe e nós ficaremos esperando a sua volta", explicou uma senhora voluntária da Igreja.

Padre Zezinho deixa Conquista contra a vontade do povo

Segundo o professor Dimas de Oliveira, Daniel Amatângelo e outros católicos padre Zezinho deixou a cidade de Conquista contra a vontade do povo e até contra a sua própria vontade "Padre Zezinho está aqui há oito anos. Ele está indo contra a nossa vontade, do povo que ele conquistou nesse oito anos com o seu trabalho pastoral maravilhoso, incomparável, com a sua humildade verdadeiramente cristã, a sua preocupação com o seu rebanho e pelo fato de que a provisão lhe dava mais quatro anos, portanto até 2010. e nós temos a certeza de que o sim que ele deu foi sob pressão", disse Dimas.

Os contatos com o arcebispo

"Logo que soubemos da transferência dele tentamos falar com o bispo, foram meses de tentativas, de lutas, de cartas, abaixo-assinados, pedidos das diversas autoridades. E a audiência com o bispo só foi conseguida depois de um protesto diante da Cúria, aí conseguimos uma audiência, na qual nos foi prometida uma revisão do caso, o que na verdade interpretamos como um meio de ganhar tempo. Fomos chamados de desobedientes, de rebeldes e é isto que nos choca mais, como a Igreja critica os sistemas políticos, se dá o direito, nos convida a organizarmos, nos convida a sermos comunidade, a sermos engajados, a sermos conscientes, a não aceitarmos qualquer sistema político e quando este engajamento se volta para ela mesma, ela se fecha rapidamente como se fosse um organismo monárquico e medieval dentro da sociedade moderna", disse mais o professor.

O apelo ao Papa B-16

"Pretendemos fazer com que essa questão chegue ao conhecimento do Papa Bento XVI, porque temos a certeza de que com a sua justiça, o papa poderá revisar o caso, porque as aspirações da comunidade foram profundamente feridas. Ainda restava muito tempo de trabalho pastoral, um trabalho muito importante. Nós ainda não nos sentimos suficientemente maduros. Várias vocações sacerdotais estavam em curso, pastorais, grupos de trabalho. O sonho de padre Zezinho era fazer de nós um povo de missionários, e esse trabalho foi frustrado. Esperamos a justiça da Igreja nesse caso. A igreja precisa de mais padres Zezinhos e vamos lutar por isso. Padre Zezinho é aquele que acolheu a todos na porta da Igreja, independente de raça e condição financeira. Até os bêbados eram recebidos por ele com o mesmo abraço fraterno e o mesmo sorriso e atenção, nunca ele deixou que eles fossem retirados da igreja. Nem mesmo os cães eram tocados da igreja, em respeito a São Francisco de Assis", afirmou o prof. Dimas.

Quem é padre Zezinho

Padre José dos Reis Naves, é natural de Nova Ponte (MG). Ordenou-se no Seminário São José, em Uberaba, pelo clero diocesano. Sua primeira paróquia foi Santa Juliana, de onde seguiu para Conquista, onde estava há oito anos. "Nesse tempo mostrou-se incansável, equilibrado e cativou a todos por sua presteza em ajudar o seu rebanho no aspecto espiritual e até corporal e procurou impor-se, não pela força que o cargo lhe poderia conferir, mas pelo exemplo da caridade", disse o prof. Dimas, mostrando também o lado de realizador de obras de Pe. Zezinho.
"Além da conclusão da reforma da Matriz, foram dezessete construções ao longo de oito anos, uma média de duas anualmente. Conheça algumas: a casa da sopa, no bairro do Rosário, que fornece refeições abundante e nutritiva todos os sábados para mais de 120 pessoas carentes; o Centro Pastoral, destinado a reuniões, encontros, trabalhos pastorais, atividades de estudo, catequese e a Escolinha da Fé; o Clube de Mães, construído para que as famílias carentes obtenham um novo meio de sustento, e de renda através de cursos de corte e costura, pintura e, tecido e telas, bordado a máquina, crochê, montagem de calçados, etc; restauração das capelas do Asilo S. Vicente e dos bairros, com missas semanais e também na zona rural. As pastorais foram reativadas ou instituídas, abrangendo todos os segmentos da sociedade (pastoral familiar, do batismo, da criança, da terceira idade, da acolhida, da juventude, carcerária e da saúde)", citou.
Segundo o professor, Pe. Zezinho entende que caridade não deve ser confundida com altruísmo. "Assim, por exemplo, não basta doar alimentos para a casa da sopa, é preciso engajar-se, ir até a Casa e ajudar efetivamente no preparo e distribuição e se misturar com o povo, só assim se é exemplo”, concluiu.
Para Daniel Amatângelo, coordenador do Conselho Pastoral Paroquial, não sabe como vai ficar de agora pra frente. "Foi uma perda muito grande, não só para a comunidade católica, mas pra toda a nossa cidade. Agora, vamos esperar em Deus, pra ver no que vai dar", disse.

O novo padre de Conquista

Padre Paulo Ferreira assume a paróquia de Conquista. Ele vem de Conceição das Alagoas e isso nos leva a questionar, se trata realmente de uma transferência ou de uma simples troca. E, se foi troca, por quê? O certo é que a comunidade católica não foi consultada e na audiência com o arcebispo ele disse: 'se o povo for consultado no que se refere à transferência de padres, essas transferências deixam de existir'. Foram essas as palavras dele. Quanto a nós, achamos o contrário, existem inúmeros casos públicos e notórios em que se o povo fosse ouvido, a transferência do padre seria imediata.

Aceitação do novo padre

A população está profundamente revoltada, descontente. Acreditamos num esfriamento espiritual, porque Pe. Zezinho foi buscando as ovelhas desgarradas que agora ficam sem o seu pastor. Há um risco de desaparecimento de movimentos e pastorais, porque esses grupos de lideranças foram taxados de rebeldes, revoltosos. Dom Roque disse que esses grupos são grupos que não participam da vida da Igreja e chamou-nos de grupos de pressão. Muitos líderes renunciarão aos seus cargos na paróquia.