Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Edson & Terezinha, aposentados? Que nada!


Continuação

ET - Estávamos falando da aquisição do prédio do antigo Banco da Lavoura, que pertencia ao Sr. Mário Afonso Borges. O Edson pediu pra nem lembrar dessa história. Mas a Terezinha prometeu contar...
Terezinha - Então, desde o começo o Ewerton, meu filho, e eu estávamos sempre juntos, desde que ele parou de estudar, enfrentou isso aqui. O meu banco para guardar as economias, eram uns bules, que ganhamos de presente de casamento. Desde o começo, toda semana, eu pegava uma notinha e colocava ali no bule, enchia um, passava pro outro. Pegava um pouquinho do caixa da loja, da gaveta do Edson, do gás e guardava, um pouquinho porque tínhamos três caixas separados. E só o Ewerton sabia disso. O prédio do banco, que já era do filho do Sr. Mário Afonso, que havia morrido, o Paulo Netto Borges...

ET - O Cocão...
Terezinha - Isso, marido da Lúcia Jerônimo. Lá na porta do banco havia há tempos um papelão escrito, "Vende-se". Eu namorava aquele papelão sujo. Um dia, eu pensei: 'Vamos comprar esse prédio'. Um dia criei coragem e falei com o Edsom (a parte de Edson: 'Isso assim com o dinheiro roubado da loja') (risos). Eu disse: Edson, nós vamos comprar o prédio e chamei o Paulo, conversei com ele, sem o Edson saber. Paulo adorou a idéia. Ele deu o preço de 50 mil cruzeiros, pediu 20 mil cruzeiros de entrada e o restante parcelado. Pedi pra ele conversar com o Edson. Acho que isso foi em 1975. Não sei qual a moeda da época, acho que era cruzeiro. E corri para os bulinhos, pra ver quanto tinha. As nossas economias estavam guardadas lá. O Ewerton e eu corremos para o quarto, trancamos a porta e fomos contar o dinheiro dos bules. e não é que tínhamos o valor exato da entrada!!

Edson - E eu não sabia dessa corrupção junto comigo.... (boas gargalhadas)
Terezinha - Cheguei lá na loja toda eufórica e avisei para o Edson que o Paulo iria conversar com ele pra comprarmos o prédio. Ele me disse muito bravo: 'você é louca, Terezinha, comprar como?'. Mas muito bravo, mesmo. Aí eu entreguei o dinheiro pra ele. E ele ficou estupefato, queria saber onde tínhamos arrumado o dinheiro, de quem era o dinheiro. Aí, eu lhe disse, o dinheiro é seu. O Paulo apareceu, fechamos o negócio e está aí o prédio, que alugamos para o Magazine Luiza. (risos).

ET - Mas antes a loja passou pra lá?
Terezinha De princípio, não. Virou dormitório dos meninos. A nossa casa era muito pequena, fiz daquele prédio o dormitório dos meus filhos, porque havia duas salas grandes.
Edson - Sem falar que à noite ali virava um campo do futebol e guerra de travesseiros... (risos).
Terezinha - Antes de mudarmos a loja pra lá, fomos para o Sacramento Center.

ET - Mas, voltando um pouquinho no "bule-cofre" ou "bule-banco". Por que guardar dinheiro em casa, num bule se o Banco Credireal ficava bem aqui em frente? Já pensou nos juros que vocês perderam?
Terezinha - Não sei por que, mas nunca quis abrir uma conta..

ET - Depois, essa história de sigilo bancário não é muito confiável (risos)
Terezinha - Pois é, o Edson ia acabar sabendo (risos). Mas eu levava para os bulinhos. E, acho que naquele tempo não tinha juros de banco, não.E por cima tínhamos era que pagar taxas. Aí mudamos a loja pra lá, aliás, fomos para o Sacramento Center, até fazer a reforma do prédio do banco, depois passamos pra lá, onde ficamos até fechar a Casa dos Presentes, em dezembro do ano passado.

ET - E pra quase completar o quarteirão, veio o predinho da loteria?
Edson - O predinho da loteria foi antes do banco. O prédio era do Nino Silva e ele ia mudar pra Brasília e nos vendeu. Também naquela base, a perder de vistas. Hoje o prédio não é mais nosso. Compramos depois o prédio que era do Gilberto Araújo, onde funciona a Sorelle. Mais tarde vendemos para o Elias Loyola, que abriu uma mercearia. Mas essas compras eram todas na coragem. Só para o prédio do banco foi que o dinheiro do bule apareceu (risos).

ET - Aí os dez filhos estavam criados, todos com a Casa dos Presentes, e diga-se com o fruto do ofício... Como foi criá-los?
Terezinha - No começo foi tudo muito fácil, porque a gente estava acostumado com uma vida muito simples. Os meninos eram criados com simplicidade. Comprava calçado uma vez por ano ou até o pé crescer, a roupas de um passava para o outro. Não tinha luxo, não. E assim foi dando pra educar os filhos todos. Não estudou quem não quis, à medida que foram crescendo todos trabalhavam, ajudavam e progredimos. Não havia regalias, viagens, festas, nada.

ET - Por que fechar a Casa dos Presentes, depois de 45 anos?
Terezinha - Ah, foi difícil... Devagar, veio acontecendo... Hoje, comércio não é mais como iniciamos e vivemos muitos anos. Existem hoje muitas redes de lojas. Brinquedos e presentes são vendidos em qualquer lugar. E assim a loja foi diminuindo o movimento. Mesmo assim fomos ficando, até que, um dia, chamei o Edson para darmos baixa na firma, Pìcolo e Rezende. Ele assustou, os meninos, assustaram. Esperamos um pouco mais, mas o Edson, o Emídio, que trabalhou conosco durante 23 anos e eu, porém fomos nos preparando. Os meninos achavam que não devíamos fechar. Eu lhes disse, que é hora de vivermos a nossa vida, visitarmos parentes, os netos, os filhos, porque já sabemos qual será o nosso caminho daqui pra frente, aliás sempre soubemos.

ET - Você apelou aí, heim?
Terezinha - É, foi quase chantagem (risos). Um dia eu disse: 'Vocês querem continuar, dar continuidade à loja, então venham para Sacramento, tomem conta, então'. E apelei feio: 'Já sei pra onde vocês vão me levar'. Eles assustaram, mas nenhum quis voltar. E nem podem, não é mesmo. Assim, fomos diminuindo o estoque, uma loja de Conquista comprou quase toda a mercadoria; o Lacerda comprou o estoque de troféus; ficou a parte eletrônica, que fizemos uma promoção, até sem propaganda, porque os papéis já estavam em andamento e chegou a hora. No final de 2005, fechamos as portas.

ET - E quem dos filhos vai carregar o oficio de ourives e relojoeiro, já que nenhum dos filhos se interessou pela Casa dos Presentes?
Edson - O Ewerton. O Ewerton foi o que ficou por aqui, se interessou pelo ofício, faz alianças muito bem, conserta relógios...
Terezinha - Os nossos filhos foram saindo, uns casaram, o Ederson se formou, foi para Brasília, o Jean foi para o exterior, as meninas se casaram e mudaram. Enfim, cada um escolheu seu caminho. Só o Ewerton ficou com a gente.

ET - Mas não foi também uma aposentadoria definitiva, porque o Edson continua com a banca de consertos?
Terezinha - Sim, fechamos a Casa dos Presentes, mas abrimos a Relojoaria Edson Pícolo, numa sala no Sacramento Center, onde o Edson faz alianças, conserta relógios, onde comercializamos também jóias, relógios. E eu fico lá ajudando.
Edson - A gente vai ficando ali. Estamos aposentados, mas não dá pra ficar parado. E agora podemos viajar, temos mais tempo para nós, os filhos, os amigos, a família, enfim.

ET - Falando em relógios, como foi acompanhar dessa máquina, no princípio tão artesanal, começando com a corda, depois as baterias e agora o digital?
Edson - A evolução é uma coisa natural. A tecnologia sofreu uma evolução muito grande e com isso a relojoaria mecânica tende a desaparecer, hoje é muito pouco serviço. O que manda atualmente é o digital, na verdade, relógios quase descartáveis. É uma troca de pilha, alguma coisinha assim. Por outro lado ouve uma evolução, pois esses relógios são tão certinhos, que o mecânico não consegue competir. Veja a diferença, os relógios de corda nunca foram exatos, havia sempre um atraso, hoje é, podemos dizer, quase exatos.

ET - Quais eram os relógios da época do auge?
Edson - Primeiro eram só os relógios de bolso, que depois foram caindo até desaparecer. Aí vieram os relógios de pulso, os automáticos, que foram um sucesso, em 1938. As marcas mais famosas eram o Omega, Roskoph, Longines, Lanco... Consertei também muitos relógios de ouro, o Patec Phlipe, por exemplo. Ainda existem alguns, mas são os chamados relógios de cofre, nunca eram usados no bolso. Todos os relógios famosos são suíços, mas o curioso é que eles, embora sejam os mais caros e famosos, não alcançam a precisão dos relógios a pilha. Esses relógios mecânicos, por melhor e caros que foram, oscilavam de cinco a dez segundos por dia. E eram considerados de precisão, some-se a isso o correr do tempo... Já um relógio digital, você acerta hoje, daqui um ano ele marca a mesma hora. Mas hoje há tanta marca que a gente nem sabe ao certo.

ET - Edson, fale um pouquinho das suas outras atividades comunitarias. Primeiro, da Mocidade Espírita, lá na sua juventude.
Edson - Tudo o que fizemos foi graças ao dinamismo da dona Corina e da Maria da Cruz. Iniciamos o trabalho por sugestão reformando as casas do bairro João XXIII, que era o 'Atrás do Morro', na época. Mas nunca vimos morro lá. (risos). Nessas casas viviam as pessoas mais carentes, bêbados, tuberculosos e leprosos. As casas eram de capim, fogão à lenha, e pegavam fogo com freqüência, muita gente morreu queimada. A mamãe e a Maria da Cruz faziam assistência social lá e a gente foi reformar as casas. Era engraçado, pois a gente reformava e, no primeiro aperto da família, ela vendia a casa. (risos) Mas não nos importávamos. Éramos uma turma grande da Mocidade Espírita de Sacramento: Alzidio Tavares, Alberto Amui, Adolar, Abner, Walteron, Walder, Zé Rosa, Isaías Sarmento, era muita gente. Tinha o Abrãozinho Amui e meu pai, Hermínio, encarregados da campanha para conseguir o material. O terreno lá era emprestado, não sei qual prefeito que emprestou, só depois de alguns anos, o prefeito José Sebastião doou o terreno para a Mocidade Espírita. Aí nasceu o lugar, onde é a Vila Sinhazinha. Hoje, tudo pertence à Fundação Lar de Eurípedes. Foi um tempo gostoso, aquele, no domingo a gente virava pedreiro.

ET - Como assim, pertence? As casas não são dos proprietários?
Edson - Não, são emprestadas as pessoas carentes, sem nenhum custo para os moradores.

ET - Outro trabalho de ação social que desenvolveu foi na Maçonaria... Você foi um dos fundadores da Loja Maçônica Gal. Sodré, não foi?
Edson - Sim, Mas iniciei bem antes, lá em Conquista. O Armezindo levava a gente na 'jardineira' dele. Era muita gente, o próprio Armezindo, o João Bianchi, Zé Silveira, Niron Lourenço, Édio Vilela e outros, depois fundamos a loja aqui. Fui Venerável por duas gestões.

ET - Você é conquistense, mas é sacramentano por título...
Edson - Por título e por coração. O título foi por bondade dos vereadores e dos sacramentanos. Sacramento tem um coração tão grande que só vê a gente com bons olhos. Mas, independente de título, sempre me considerei sacramentano, essa terra nos deu tudo o que temos. Sacramento me deu muita coisa boa, devo demais a Sacramento e a Deus.

ET - Que lição vocês tiram de tudo isso?
Edson - Foi tudo uma lição de bondade e de agradecimento. Os filhos só nos deram alegrias, embora, como toda família tivemos e temos os nossos problemas. Uns têm mais juízo, outros menos, mas só nos dão alegrias. Todos, porque são todos nossos, mesmo que não tenham nascido de nós. E tudo na nossa vida foi obra de Deus, a gente só tem que agradecer.
Terezinha - credito que faria tudo de novo se preciso fosse. Hoje me sinto realizada, fizemos o que tínhamos que fazer. Temos problemas de família, como toda família, mas todos são unidos e a maior gratificação é o amor que eles têm por nós, a Cleuzinha, a Débora, o Jean, o Didi, o Riquinho, o Wilsinho, o Ederson, o Ewerson, a Scheilla e a Cinira. Por isso só temos que agradecer por Deus nos ter dado a oportunidade de encaminhá-los. Agradeço a Deus todos os dias, por tudo.

ET - Agora, a última pergunta: Como estão se sentindo de ver a antiga Casa dos Presentes se transformar em Magazine Luiza?
Terezinha - Os diretores do Magazine nos procuraram e decidimos alugar o prédio. Ficamos felizes de ver uma loja bonita, moderna funcionar ali. Confesso que a gente não ia conseguir acompanhar a evolução dos tempos. Vejam vocês, uma loja, onde não tem mercadoria exposta. É evolução demais!!!. Eu não tinha pique pra isso, fechamos a Casa dos Presentes na hora certa.
Edson - Vocês terminaram, mas posso falar mais uma coisinha? Fazer um agradecimento especial?

ET - Claro...
Edson - Agradecer a Deus primeiramente, assim como a todos os nossos clientes e amigos, que fizeram com que permanecêssemos em atividade até os dias de hoje. Gostaria de lembrar nesta oportunidade, além da minha esposa, Terezinha, o apoio constante e firme de nosso filho Ewerton em todos os momentos desta jornada. Também os filhos Éderson, Cleuzinha, Scheilla, Cinira, Jeancarlo, Didi, Débora, Riquinho. E, por que não a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a nossa construção. Somos gratos a todos os sacramentanos amigos sem os quais impossível seria vencer. Ao Wilsinho e Emídio, foram muito mais que funcionários. Foram filhos também, o nosso reconhecimento. Muito obrigado a Deus e a todos. E, por fim, ao Walmor e a Maria Elena, com todo o coração. Que Deus lhes dê forças renovadas para vencerem.

ET - Amém! Pra nós e sempre um prazer contar histórias bonitas assim...