Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Chiquinho do Maísa: uma história linda de mais de 40 anos...

Quando o 1o de abril registra a maior das verdades, nascida da saga, da luta e da humildade. Começa assim a história de Francisco Afonso da Costa. O menino da Jaguarinha, órfão ainda, veio aos poucos conquistando os seus sonhos. Não a custo das mazelas que empestam tanto nossa sociedade pós-moderna. Mas alicerçado na ética, no trabalho duro e na honestidade. A sua luta chega aos 40 anos com o grande Supermercado Maísa, como exemplo para toda esta cidade.
Ao prestar-lhe esta homenagem, o jornal ET estende sua saudação a uma mulher extraordinária, Arlete, que embalou com o empresário Chiquinho, esta grande conquista.
Veja a entrevista.

ET - Não vamos falar só do supermercado. Vamos voltar no início de sua vida. Como foi?
Chiquinho - Eu nasci na região da Jaguarinha, filho de Manuel Afonso Filho e mamãe, Maria Izabel dos Anjos. Perdi papai, quando tinha apenas três anos. Aí fomos para Araxá morar com o meu irmão Joãozinho, mas quando tinha 10 anos, perdi também mamãe. Meu irmão e eu fomos morar com um tio até os 12 anos. Tenho sete irmãos. É meio complicada a história, mas vou contar: Papai era viúvo e tinha dois filhos, mamãe era viúva com três filhos, os dois se casaram e iniciaram uma vida com cinco filhos, depois vieram mais três, a Lourdes, que mora em Araxá, eu, que estou por aqui e a Helena, que mora em Lisboa (Portugal).

ET - Como foi sua infância?
Chiquinho - Como disse, aos três anos mudamos para Araxá, onde fiz meus primeiros estudos, na EE Delfim Moreira e dois anos no Dom Bosco. Comecei a trabalhar ainda cedo, aos sete anos já trabalhava com meu irmão, que era marceneiro. Aos dez anos fui trabalhar na ‘Casa para Todos’. No ano de l956, perdi mamãe. Com 12 anos vim para Sacramento morar com Alzídio, meu irmão, para estudar a primeira série ginasial, mas com 13 anos fui para Jaguarinha, morar com o meu tio, Jerônimo Afonso Tavares e tia Maria Rosa. Ali eu tirava leite, capinava, fazia cerca, roçava pasto, plantava café, fazia o que tinha que fazer. Quando completei 16 anos, vim para Sacramento e me matriculei na Escola Coronel, para cursar a 2a série Ginasial, hoje 6a série.

ET - E como foi em Sacramento, além dos estudos?
Chiquinho - Cursei só a 5a série e voltei para a Jaguarinha, onde fiquei mais três anos com meus tios, naquela lida da fazenda. Em 62 voltei para morar definitivamente em Sacramento. Meu primeiro emprego foi na oficina do Bimba. Reiniciei também meus estudos, na 6a série, naquela época, 2a série Ginasial. E fui seguindo os estudos até o 2o ano de Contabilidade, mas não me formei. Depois que saí do Bimba, fui trabalhar com o Ariosto Bianchi, na Auto Peças Urbial. Pra ganhar um pouco mais saí da Urbial e fui para a máquina de beneficiar arroz, do Paulo Araújo de Souza. Eu sempre buscava ganhar um pouco mais. Da máquina do Paulo fui para a máquina de arroz do Mário Afonso Primo. E, dali para o escritório da Bonargila, de Ferrúcio Bonatti, onde fiquei até iniciar no comércio.

ET- Aí você já possuía dinheiro pra abrir um comércio?
Chiquinho - Que nada, foi sociedade. O Edgar do Prado, trabalhava na máquina dos Cremas e me chamou pra gente abrir um comércio na esquina da Santa Casa (hoje, Bar Caravelas) e eu fui. Começamos no dia 1º de abril de 1966. O Edgar e eu éramos sócios. Em 1967, o Edgar faleceu na explosão de um imunizador de feijão na máquina. Eu comprei a parte da viúva, Dolimar e fui tocar o comércio por minha conta, mas fiz sociedade com o Luiz Alves de Oliveira, o Luiz do LC. Trabalhamos juntos como sócios durante um ano e meio. Aí vendi minha parte para o Luiz e comprei o Empório Central, do Tiba, em 1971.

ET - Ficou muito tempo com o Empório Central?
Chiquinho - Ah, fiquei 9 anos, até 1980, quando vendi lá para o Alzídio, meu irmão e fui tocar o supermercado da Jaguara. Na Jaguara fiquei três anos e nesse meio tempo eu já estava construindo o prédio da esquina (hoje, Açougue Sta. Helena). Inauguramos o novo prédio em novembro de 1983 e ali ficamos 18 anos, até mudarmos para esse prédio aqui, em 1º de novembro de 2000.

ET - Você foi comprando o quarteirão, então?
Chiquinho - É, primeiro compramos a esquina e construímos depois aos poucos terrenos e casas. Hoje temos 1.110 metros quadrados de área construída, uma parte, a do açougue está alugada, o restante é o supermercado com residências no piso superior e os depósitos.

ET - Quando a gente fala que em quarenta anos você conquistou isso aí, parece que é fácil, não?
Chiquinho - Parece, mas até chegar onde chegamos foi muito trabalho, muitos obstáculos superados. Assim que nos casamos, minha esposa assumiu junto comigo. Meus filhos nasceram, desde pequenos começaram a ajudar e a luta foi grande. Mas graças a Deus conseguimos superar.

ET - Quando é que você começou a ter empregados?
Chiquinho - No começo, quando o Edgar e eu abrimos o primeiro estabelecimento, éramos eu e ele. Eu trabalhava das cinco da manhã até às seis da tarde. O Edgar chegava da máquina e trabalhava das seis até às 11 da noite. Depois, arrumamos um menino pra nos ajudar, o João Zoiudo, que matou um menino negro com uma facada, ali no começo da rua Cgo. Julião Nunes. Depois do João, que fugiu, trabalhamos com o Wilmar Alves de Melo (Tartaruga) e depois o Luiz do LC, que virou sócio. Era sempre de um em um. Quando fui para o Empório Central passamos para três funcionários, mais a Arlete e eu. E quando saímos de Empório Central tínhamos 12 funcionários. Fomos pra Jaguara. Depois diminuímos. Quando abrimos o Supermercado Maísa, na esquina, tínhamos apenas quatro funcionários, recomeçar a freguesia, sem muito movimento... Mas logo tivemos que aumentar, hoje temos 20 funcionários aqui neste último prédio.

ET - Mas além do supermercado vocês têm outra atividade, a fazenda, por exemplo. Como foi essa conquista?
Chiquinho - Esse foi um começo com bastante dificuldade também, comprando as coisas a prazo. Em 1974, eu comprei um pedacinho de terra lá perto da Jaguarinha, oito alqueires, depois vendi e comprei 11 alqueires perto da Microondas, inteirando com uma parte do bolso e os onze alqueires foram crescendo, fui comprando depois, picadinho, pagando a prazo, tirando dinheiro no banco... Hoje, graças a Deus, tenho terras na Microondas e outra no Taquaral, onde tiramos leite e fazemos recria para venda direta para frigorífico. Futuramente, os meninos vêem o que fazem com elas.

ET - Agora, vamos falar um pouquinho daquela que está a seu lado há 38 anos, a dona Arlete.
Chiquinho - Ah, essa é a companheira de todas as horas, é meu braço direito, o esquerdo. (O Chiquinho era um garoto bonito, olhos verdes. As meninas davam a maior bola pra ele. Ele era todo certinho, simples, mas sempre arrumadinho, muito educado, impecável, arrebatava corações - diz Walmor, que foi seu colega na Escola Coronel, na 5a série - risos) Eu não sabia que tinha esses predicados, não, era até muito tímido. Mas eu conheci a Arlete por acaso. Ela morava em Uberaba e eu trabalhando em frente à Santa Casa, um dia ela chegou de ônibus e foi lá trocar um dinheiro. Era dezembro de 1966. O coração repicou, porque quando foi em março de 67 começamos a namorar. Ela veio uns dias ficar na casa de um irmão dela, o Lenoar da Cunha, aí ela começou a passar sempre na porta do armazém. Houve umas trocas de olhares... Eu tinha outra namorada aí a gente foi meio devagar, até que eu terminei com a outra. Passamos a namorar e nos casamos no dia 18 de fevereiro de 1968. Tivemos dois filhos, o Denis Fabiano (Simone Magnabosco), que nasceu em 1970 e cinco anos depois, nasceu a Maísa (Glauco). Temos dois netinhos, o Pedro Henrique e a Nathália. A Maísa continua estudando e não nos deu netos.

ET - Hoje, o supermercado com 40 anos, você com quase 60, continua trabalhando ainda?
Chiquinho - Há quase um ano entreguei o supermercado para Fabiano, mas Arlete e eu não deixamos de vir aqui dar uma mãozinha. Eu estou mais mexendo na zona rural. E, depois, a gente acostuma com isso aqui, com os fregueses, não é tão fácil assim deixar tudo.

ET - Vocês têm um dos maiores supermercados da cidade e uma gama de fregueses, das mais variadas classes, mas há aqueles, sobretudo da zona rural, que fazem questão de estar com o 'dono'. Querem comprar do Chiquinho. Como é isso?
Chiquinho - Ao longo dos anos a gente vai conquistando as pessoas e fazendo amizade, fui e sou uma pessoa muito simples, humilde e muita gente ainda dão preferência pra conversar comigo e eu atendo sempre muito bem e agradeço, porque se chegamos ao que chegamos é graças aos fregueses sem o apoio deles eu não conseguiria nada do que consegui até hoje.

ET - Teve prejuízos ao longo desses anos?
Chiquinho - Ah, sim, isso a gente sempre tem. Muitas vezes uns não pagam por que não dão conta e outros por que não querem pagar. Mas, graças a Deus, nunca fizeram falta essas perdas, porque a gente perdia um pouco hoje, mas recuperava acima do que foi perdido. E há uma coisa muito boa, a gente nunca foi assaltado, nunca houve nada de grave, tudo sempre transcorreu na normalidade, e por isso tenho que agradecer e muito a Deus.

ET - Como o Chiquinho enfrentou essa evolução tecnológica, sair das anotações nos papéis de embrulhar pães, que ficavam penduradas num prego, depois as cadernetinhas, e agora, o computador tomando conta de tudo...?
Chiquinho - Ih, isso pra mim não foi fácil. Hoje continuamos vendendo do mesmo jeito, a prazo, com as listinhas, só que sai tudo do computador. Com a informatização ficou muito mais fácil trabalhar, só que infelizmente eu não dei conta de entrar no ritmo (risos). Não consigo mesmo. Quando vou registrar alguma coisa tenho que chamar os meninos. Antigamente, eu tinha que escrever uma lista de compras do mês inteiro. Vou sair daqui sem saber fazer essas coisas. Mas em tudo por tudo, essas máquinas favoreceram muito e eu achei muito bom, mas eu mesmo... (risos)

ET - Paralelamente, você teve outras atividades desportivas, filantrópicas e até políticas, não?
Chiquinho - Ah, claro. Desde menino sempre gostei de futebol e quando cheguei aqui na cidade fui jogar no CAS, com o Weber, Walmor, Cavaco, Paulinho da Gelito, Peroba e muitos outros. Depois parei de jogar bola, mas fiquei muitos anos na diretoria do Atlético. Na parte filantrópica atuei muito pouco, apenas faço parte do Conselho Fiscal da Santa Casa. Na política, atuei pouco também. Em 1969, fui convidado a candidatar para vereador, na primeira gestão do doutor José Alberto. Fui eleito, mas participei só dessa gestão, larguei e não quis mexer mais com política.

ET - Chiquinho, além dessas dificuldades todas você teve alguns problemas de saúde, que andou dando um susto em muita gente?
Chiquinho - Em 1985, eu estava jogando bola na AABB e tive um desmaio, o pessoal pensou que tivesse morrido. No hospital fui atendido pelo doutor Fernando que me mandou para Uberaba no dia seguinte, onde fiz muitos exames, culminando com a implantação de um marca-passo. Já estou com ele há 20 anos, esse marca-passo já foi trocado três vezes e graças a Deus estou muito bem, vivendo uma vida normal e saudável.

ET - Que lição você tira desses quarenta anos?
Chiquinho - Olha, isso aí é muita honestidade, trabalho, trabalho, trabalho...

ET - Dizem que uma pessoa fica rica de três maneiras, ou nasce rica, ou casa com uma mulher rica ou tem muita sorte na vida. Como foi com você?
Chiquinho - Olha, eu nasci pobre, casei com uma mulher pobre e o pouco que a gente conseguiu na vida foi trabalhando e uma parcela de sorte. Se tiver só sorte não vira nada não, logo você acaba com tudo. Principalmente, se não trabalhar... Mas em primeiro lugar e acima de tudo estão Deus e meus protetores. Rezo e peço a Deus todos os dias e agradeço. Agradeço aos meus protetores, que intercedem a Deus por mim - posso falar? -Nossa Senhora D´Abadia, Nossa senhora Aparecida, Eurípedes Barsanulfo, a alma da mamãe, a alma do papai, pessoas que viveram comigo muito pouco tempo, e a do meu amigo, Edgar Prado. Obrigado, meu Deus! (Emocionado, deixou escapar algumas lágrimas)