Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Belos tempos, velhos dias... com Robertinho Gribel

Roberto Gribel de Carvalho (foto), 50, esteve em Sacramento depois de 18 anos, para o memorável reencontro do conjunto musical Os Corujas, realizado no dia 15 de julho, no Galpão Cultural da EE Cel. José Afonso de Almeida, onde ele e todos os integrantes do grupo, Roberto Crema, os irmãos Biro e Shiro, Walmor, Cilmo e João Bosco estudaram há quase 40 anos e onde nasceu o conjunto, nos anos 60. Gribel, ou melhor, Robertinho como é conhecido, recebeu o ET para uma "palinha" antes de retornar ao Rio, onde reside desde 1976 para falar do retorno, do encontro, da saudade, da vida, enfim... Participaram os Corujas, Shiro, João Peroba e Walmor.

Maria Elena - Sacramento pra você?
Robertinho - "Saí de Sacramento em 1972 há 18 anos. Retornei nesse tempo por apenas três dias, mas não deu pra encontrar a turma. Sacramento foi uma época na minha vida. Minha adolescência toda foi aqui, e da infância também, porque parte do primário e quase todo o secundário estudei em suas escolas. Tive momentos muito emocionantes. A questão cultural da cidade, sempre muito grande, muito valorizada. Eu era mais novo, menino, mas convivia com uma turma mais velha. O Walmor era referência cultural pra mim com seus teatros, as apresentações e isso influiu muito na minha formação e formou um sentimento de sacramentano, que me fez sair daqui contra a minha vontade. Meu pai, funcionário do banco do Brasil, foi transferido e tive que me mudar, mas sempre guardei a cidade de Sacramento, com um carinho muito grande, inclusive pela distância, que hoje praticamente não existe mais.

Maria Elena - O Grande encontro?
Robertinho - "Foi uma surpresa. Hoje a Internet é uma coisa fantástica. Eu comecei a procurar pelas pessoas. E comecei a encontrar e a reatar o contato com o pessoal. Em janeiro encontrei no Rio, com o João Peroba, que plantou a idéia. E fiquei na expectativa, porque Sacramento é a minha segunda cidade. Daí foi um pulo, marcar datas, organizar e eu sempre na expectativa, até que o dia chegou.

Maria Elena - Os reencontros? As "corujetes"?
Robertinho - (Com boas gargalhadas) Gostei dos 'Corujetes', hoje estão com uns 40, 50 aninhos... Casadas, muitas com amigos nossos, mães de famílias... Tempo bom aquele. A gente era muito jovem, eu era muito namorador, mas tinha muitos amigos e amigas. Rever todo mundo ou quase todos foi um momento único. Foi muito legal.

Maria Elena - Vocês fizeram o show mais atípico que já se viu, improvisado, "desensaiado"... e conquistou o público. Aquilo lembrou um pouco os primeiros ensaios no seminário?
Robertinho - Eu confesso que a partir do momento em que foi marcada a data, passei a ficar meio apreensivo, começou a me dar um frio na barriga, porque a minha formação musical foi aqui em Sacramento. Depois que saí daqui tomei outros rumos, nunca mais cresci na música. E isso me criava uma agonia muito grande. Tinha notícias do Lelinho que tocava muito bem. O João com aquela descontração e incentivo, mas eu pensei: 'Vou passar vergonha', porque não podia vir com antecedência pra ensaiar, mas também não tinha o seminário pra gente ensaiar... E chegando aqui algumas horas antes, o João e o Shiro acabaram me dando uma tranqüilidade muito grande e comecei a ver que não era nenhum bicho de sete cabeças Mesmo assim, comecei a ficar ansioso, mais pelo roteiro... não sabia exatamente o que ia acontecer. Mas valeu a surpresa, foi espetacular...

Shiro - Foi uma outra situação, naquela época era um outro objetivo, a gente desligava um contrabaixo, porque a gente não sabia tocar direito...

Maria Elena - Isso quer dizer que vocês foram pioneiros nas dublagens?

Shiro - É, com certeza. Mas o feedback foi muito bom, as pessoas ficaram extasiadas, a descontração foi total...

Maria Elena - Você sabia que eu levei uma bronca do Shiro, por causa da iluminação. Ele justificou que o palco tinha que ficar clarinho pra vocês lerem as letras...
Roberto - Realmente a gente estava preocupado com isso. A gente ensaiou e estava tudo claro e quando eu vi você mexendo no jogo de luz, fiquei doido, a gente é tudo cego, ninguém ia pro palco de óculos, né... (risos)

Walmor - Sem falar que a fonte das letras era 32... (risos)

Peroba - Era, e ainda tinha as cifras. A hora que a Maria Elena começou a piscar aquelas luzes a gente ficou doido... (risos)

Maria Elena - Vocês me devem essa... (risos)

- A resposta do público?
Peroba - Ah, foi fantástico, a gente ouviu muitos bons comentários, aquele clima de descontração, de amizade, de reencontros, de abraços, de saudosismo...

Robertinho - O brasileiro precisa disso, desse resgate. O carinho das pessoas, a emoção... Quem viveu aquela época, se emocionou, se divertiu, recordou. Acho que na verdade ninguém estava aqui pra mostrar seus dotes artísticos, a gente realmente estava querendo reviver uma época e conseguimos. Muita gente pediu pra fazer todo ano...

Shiro - Esse momento foi único. Se fizer mais uma vez, não terá a mesma graça. Só daqui a 40 anos E muitos não verão isso mais, esse momento foi único. Nós nunca mais vamos conseguir fazer outro como esse. Não vamos esperar 40 anos pra ter outro encontro desse, que realmente aconteceu tão bom, com tanta receptividade, com tanta vibração, justamente, porque foi único. Nós nunca mais vamos conseguir fazer outro, né Robertinho?

Robertinho - (Em gargalhadas) Só se for numa clinica geriátrica...

Maria Elena - Robertinho, conta um pouquinho da sua vida depois que saiu daqui.
Robertinho - Papai (José Dauro Costa de Carvalho/Maria Gribel) trabalhava no Banco do Brasil, foi transferido (inclusive reencontrei alguns amigos dele no banco). Fomos para Brasília, onde iniciei minha vida profissional, em 1973, ingressando na TV Rio, canal 8. Trabalhei lá um ano, mas a TV faliu. Logo fui convidado pra ir pra TV Globo, como auxiliar de Eletricista, comecei bem debaixo, mesmo, como aprendiz. Papai se aposentou e decidiu mudar pra o Rio, de onde saímos pra vir pra Sacramento. Fiquei sozinho em Brasília, porque não queria perder a oportunidade, afinal era uma empresa grande. Eles me ofereciam cursos técnicos aí fiquei um ano sozinho em Brasília. Mas meu sacrifício valeu, porque um dia recebi uma transferência para a Globo do Rio. Em outubro de 1972, assumi o posto de Auxiliar Técnico na TV Globo no Rio, onde trabalhei durante 30 anos, até a criação do Projac.

Maria Elena - Seus filhos também trabalham na Globo, não?
RobertinhoTive a felicidade de trabalhar com meus dois filhos, André e Yuri, que abraçaram a mesma profissão. Eu trabalhava na supervisão, o André na direção de Imagem e o Yuri, como 'câmera man'. Mas de repente não agüentei o pique. TV é uma profissão puxada, não existem sábados, domingos, feriados, férias e nem horário. TV é uma coisa muito dinâmica e conforme o tempo vai passando a gente começa a sentir que não dá mais pra acompanhar o pique. Há dois anos, entrei no que eles chamam de demissão voluntária. A gente recebe uma indenização muito boa e parte pra outra.

Maria Elena - Já se aposentou?
Robertinho - Ainda não. Trabalho como supervisor noutra empresa, só que tenho horários. Começo às 11 horas, portanto posso dormir até às 10, se quiser. Tenho horário de parar, finais de semana livres, vou à praia... agora é a vez de meus filhos fazerem carreira onde comecei. Pra mim isso foi o máximo, vê-los fazer carreira onde foi minha casa por 30 anos.

Maria Elena - Agora é o Roberto pai, marido... O Robertinho namorador ficou nos velhos tempos...
Robertinho - Casei-me há 26 anos com a carioca Márcia, com quem tive esses dois filhos. Somos realmente uma família. Sempre fui muito presente. Sempre que eu viajava a serviço, por muito tempo os levava, agente ficava morando em hotéis. Os meninos iam pra a trabalho comigo, talvez por isso eles estejam na mesma profissão. A Márcia fez muito trabalho free lancer. Minha vida foi assim, TV e família. O André, 24, é diretor de imagem da Globo Sat e faz faculdade de Cinema. Oyuri também trabalha na Globo, mas está aguardando a chamado do concurso da Petrobrás em que foi aprovado e cursa Engenharia de Produção. E sou muito feliz. Ainda hoje, passeamos juntos, abraçados e vamos seguindo o rumo. O Robertinho namorador (a gente namorava, não 'ficava' como hoje) ficou nos velhos tempos. Depois que me casei, mudou, eu já havia aproveitado tudo o que eu podia. Quando me casei estava consciente de que queria ter uma família...

Maria Elena - O Rio continua lindo? As praias...
Robertinho - Continua lindo e violento. É muita preocupação, hoje a gente não pode ir a barzinhos, não pode sair, não pode passear na cidade à noite, como fazíamos naqueles tempos. A gente tem medo de sair de casa e se saímos, temos medo de voltar pra casa. Eu já passei por experiências ruins, felizmente era apenas trote de bandidos... Hoje a gente usa muito o rádio Nextel pra se comunicar, é uma maneira de um saber onde o outro está. As praias do rio, são as praias do rio.

Walmor - Você se lembra de uma viagem nossa ao Rio em 1970, se não me engano. Lotamos um ônibus com professores e alunos e fomos, a mineirada toda. O Robertinho conseguiu, com uma tia dele, um Colégio pra nos hospedarmos. Todo mundo duro, não dava pra pagar hotel. Na hora de sair, nunca tínhamos ido à praia, o Robertinho foi aconselhando: 'O mar hoje está turbulento, vocês tomem cuidado... olhem a ressaca...' E fomos, num medo só. Chegando à praia, todo mundo muito branco, a gente botava o pé na água e voltava correndo... De repente, vimos muita gente correndo, alguém sendo carregado e bombeiros recomendando: 'Cuidado, mineiros, o mar não é brincadeira..." E quando vimos, lá estava deitando sendo reanimado o Gribel... estava se afogando. 'Ô seu guarda, respondemos, esse aí não é mineiro, não...É carioquíssimo!!!' (risos)

Robertinho - (Gargalhadas) Aquela vez eu quase morri, foram dois salva-vidas pra me tirar.... justo eu que adoro a vida.

Walmor - Você adora a vida, mas dizem que uma vez você tentou se suicidar... Conta esse história.
Robertinho - (Gargalhadas) A Bel me lembrou disso... Eu ficava muito sozinho, a rotatividade do trabalho do meu pai era muito grande, eles viajavam muito, levavam minhas irmãs e eu ficava sozinho em casa. E numa dessas viagens, a gente morava perto da Praça de Esportes e eu já estava enjoado de comer pão com lingüiça, que minha mãe deixou preparada para eu ir comendo. Aí um dia eu peguei uma corda, e disse que ia me matar, porque não agüentava mais pão com lingüiça (gargalhadas de todos). Aí a Bel e umas meninas me levaram arroz, carne, bife, salada... Era tudo o que eu precisava. A gente estava recordando isso com a turma no encontro.

Maria Elena - Vamos recordar um pouquinho dos seus tempos na escola, você era da...
Robertinho - Da famosa 'Segunda B' (correspondente à 6ª série, hoje). Eu nunca me esqueci dessa turma, era a classe mais complicada que tinha na escola. Também ali eles juntaram as peças raras: Julio Bonitinho, Inês Crema, eu, Paulinho Miranda, Carmem, Tomás Loiola... A questão era a seguinte: todos os alunos baguncentos, eles colocaram numa sala só. Era uma turma problemática. A dona Aracy todo os dias estava lá. Mas éramos criativos, participativos, quando tinha algum evento, era a turma que realmente participava, dávamos tudo. Fazíamos as coisas com afinco. Eu me lembro dos enfeites na rua pra procissão de Corpus Christi...

Walmor - Lembra quando nós te dependuramos numa cruz ali no cruzamento dos correios com a avenida... fazendo o papel de Jesus Cristo... Você quase morreu de frio...

Robertinho - Se me lembro... passei um frio aquela vez amarrado ali na cruz. E uma coisa de que me lembro e até me comovo ainda é que algumas senhora humildes que passavam, paravam, ficavam olhando, com tanta daquele Jesus, que faziam o sinal da cruz. Aquilo foi fantástico!...

Maria Elena - Professores que marcaram a sua vida?
Robertinho - Ah, todos, todos me marcaram muito. O José Alberto era o professor de Moral e Cívica; Ivone, de Matemática; dona Zezé, Geografia; Dr. João, Ciências; Leida, Desenho; dona Célia, História; dona Corina, português; Dr. Geraldo, português; Dr. Ivan; dona Salete, dava Inglês; o prof. Antonio, de Educação Física. Acho que a única matéria que eu detestava, aliás eu não detestava Educação Física, eu detestava o futebol que o professor dava. Eu ia, mas sempre me disfarçava da bola, ela ia pro meu lado e eu corria dela, até que o prof. Antônio começou a perceber. Um dia me disse: "Como o sr. não gosto de futebol, enquanto os meninos jogam, você vai ficar correndo ao redor da quadra e aí fui nas aulas seguinte... Até que um belo dia, eu sofri um acidente, o Pazeta me atropelou de bicicleta, na rua do Laticínios Scala e eu caí em cima de um fundo de garrafa, deu um corte grande.

Walmor - O curativo que durou quase um ano...
Robertinho - (risos) Levei uns pontos e fiquei sem fazer Educação Física, mas esse machucado me deu uma idéia. Ele nunca sarava, no dia da Educação Física eu botava um curativo e ia pra escola, fiquei uns oito meses, até que um dia o sr. Antonio descobriu, aí vocês concluem... (risos)

Walmor - Mas tem outra história boa do Gribel com o Chico Pinheiro, jornalista âncora da TV Globo. É verdade que você chifrou o Chico?

Robertinho - (dando uma boa gargalhada) . Bom, primeiro, essa história tem mais de 30 anos... Aliás, fomos chifrados, mutuamente, porque a Carolina me namorava aqui em Sacramento e o Chico em BH, ainda no começo de sua carreira. Mas a história começou assim. A rede Globo faz a cada início de ano uma reunião geral com todo seu staf prá apresentar a programação do ano. E numa dessas reuniões, éramos umas 600, 700 pessoas, todo mundo de crachá, com o nome de guerra ali estampado. Eu sou Gribel ali na Globo. E sei que ele passou por mim e percebeu meu nome. Eu nem dei conta. Mas começou a reunião e logo percebi que do meu lado oposto um cara estava me olhando com freqüência. Quando eu percebi, ele desviava o olhar... Claro que eu desconfiei logo, pois toda hora ele esticava o pescoço prá me encarar.

Walmor - Achou que fosse um gay?...

Robertinho - É... (risos) Nesse meio GLS é coisa mais ou menos comum... No final, quando tudo terminou, ia saindo no meu carro, ele me bateu nas costas e perguntou se eu ia prá rede Globo... Eu pensei: É hoje!! Logo chamei um colega que estava por perto prá ir junto. E no carro ele começou: 'Você já morou em Minas?' - Sim... 'Conhece uma cidadezinha chamada Sacramento?' - Já morei lá muito tempo. Foi quando ele me disse: Ah, seu.... (risos) Se nós nos tivéssimos sido apresentados há 30 anos atrás eu lhe dava uma surra... Então, vim a saber. Ele era o namorado da Carolina em BH, que morava lá e passava férias em Sacramento. E ela, não sei se prá fazer ciúmes, dizia prá ele: 'Lá eu Sacramento eu tenho um amigo que me ensina violão, que toca muito bem...' E não é que um dia ele resolveu tirar a história a limpo. Conta ele: 'Você me fez sair de BH prá confirmar esse caso naquela época. Eu era apaixonado por uma menina, mas que era apaixonada por um tal de Robertinho... Cheguei de madrugada num trevinho que dá acesso prá sua cidade e fiquei lá no frio aguardando uma carona, até chegar a Sacramento, prá confirmar a história. Fiquei lá um dia, mas não encontrei ninguém, não..." (risos). E hoje somos grandes amigo, ele trabalha em S. Paulo, mas sempre que vai ao Rio tomamos uma cervejinha juntos...

Maria Elena - Valeu a pena tudo isso, então? As lembranças, o reencontro, as amizades....
Robertinho - Ah, claro tudo isso vai permanecer pra sempre na gente. Tenho aqui amizades verdadeiras. Pena que possa vir tão pouco aqui, mas vocês podem me convocar, me chamar. Vou procurar arranjar um tempo pra vir mais.