Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Editorial

Pais atarefados, filhos estressados

Diego Fernandes (*)

O entendimento entre pais e filhos está cada vez difícil de ser alcançado. Muitos pais chegam a cogitar a contratação de uma superbabá para, quem sabe, ela dar conta de uma função em que eles mesmos não estão se saindo muito bem.

Questões como hiperatividade, xixi na cama, medo do escuro, pesadelos, choro excessivo, agressividade, desobediência, falta de apetite, dor de barriga, diarréia, tique nervoso, dor de cabeça, birra, chilique e manha fazem com que percam o sono tentando encontrar soluções que, no fundo, podem estar diante deles sem serem percebidas. Talvez, se apurassem sua percepção com relação a seus filhos, saberiam que a criança é vítima do estresse.

Resultados da pesquisa “Well Being – O equilíbrio Emocional da Criança”, realizada pelo grupo Nicklodeon (emissora americana de TV a cabo voltada ao público infantil), revelam que as crianças brasileiras são as mais estressadas do mundo. Durante seis meses, mais de 2.800 crianças de 14 países foram ouvidas. A maior quantidade de “sim” à pergunta “você se preocupa em fazer seus pais felizes?” partiu de nossas crianças.

É inadmissível permanecer indiferente a esse tipo de resultado. Muitas são as crianças que precisam de um acompanhamento psicológico adequado. A primeira barreira a ser vencida é, inclusive, convencer os pais de que freqüentar o consultório de um psicólogo não é “coisa para loucos”. Depois, que é fundamental saber diferenciar estresse do que costumam classificar como “excesso de mimo”.

É importante, também, aprender a lidar com esse tipo de situação sem fazer alarde dentro ou fora do núcleo familiar. Se os pais ou responsáveis não souberem acolher e acompanhar a criança, auxiliando-a a encontrar equilíbrio e harmonia, estarão contribuindo para que ela se transforme em um adulto estressado ou portador de outros desequilíbrios.
O tripé amor-atenção-carinho é indispensável e, aparentemente, os pais sabem disso. O problema é justamente manter isso em mente ao chegar em casa depois de um dia estressante no trabalho. Geralmente, o que se nota são pais que não diminuem o ritmo intenso ao chegar em casa. Conclusão: agem apressadamente, também, no contato com os filhos e no que se refere à sua educação.

Há aqueles que, na tentativa de compensar a falta de dedicação, matriculam suas crianças em cursos de inglês, futebol, dança, artes marciais, reforço escolar, ou em outras tantas atividades. Acreditam que ocupando seus filhos com outros compromissos estarão suprindo a falta de atenção e carinho. Sem tempo para brincar e até mesmo para descansar, algumas crianças apresentam agendas tão lotadas quanto a de seus pais. Não passeiam, não brincam, são educados para seguir à risca um treinamento para ter seu “futuro garantido”.

Crianças estressadas podem ser fruto de pais estressados, ansiosos ou preocupados. Se para os adultos é um desafio superar o corre-corre diário e preservar qualidade de vida, para os pequenos é muito mais. Vale lembrar que o estresse infantil, quando não é resolvido, pode prejudicar o desempenho escolar e pôr em risco a saúde da criança.

Uma criança que vive um “choque sentimental”, como a perda de algum familiar, estupro, assalto, acidente ou separação dos pais, pode apresentar o que se classifica como estresse pós-traumático. O estresse infantil, em geral, pode ter muitas outras causas: mudança de cidade ou escola, discussões familiares, expulsão da escola, nascimento de um irmão, doença prolongada, desprezo dos pais ou dos colegas, professores mal preparados, excesso de atividades ou até viagens longas e cansativas.

Qualquer pessoa, independentemente de sua idade, pode ficar estressada. Segundo Marilda Lipp, autora do livro “Crianças Estressadas”, a maior incidência de estresse patológico se dá no início da alfabetização, na adolescência e em adultos entre 35 e 45 anos.

Marilda identificou quatro fases de estresse: a primeira pode ser benéfica, já que a adrenalina e o desejo de superação aumentam. O próprio criador da palavra stress, Hans Selye (Universidade de Montreal- Canadá), disse que “o estresse é o sal da vida”. Mas, se há uma resistência do estresse, a segunda fase pode preocupar, já que o organismo começa a usar as reservas de vitaminas e levar à perda da memória. Na terceira fase, o estresse passa a ser patológico. A pessoa adoece e, freqüentemente, aparece a insônia, a depressão, falta de apetite e ânimo para trabalhar ou até mesmo herpes. Na quarta e última fase, o estresse pode deixar seqüelas. Há ansiedade e pânico, que podem gerar úlceras, diabetes ou enfarte.

Pais que trabalham “fora” não precisam se culpar, mas devem estar atentos para estruturar a família de modo que não faltem os momentos de carinho, descontração e brincadeiras. O primeiro passo é aceitar que o ritmo das crianças é diferente e suas necessidades também.

Na ânsia de dar uma boa educação e ter sucesso nessa empreitada, alguns pais acabam provocando novos traumas, impedindo os filhos de viver. Cabe a eles e aos educadores ensinar as crianças a lidar com o estresse, sem superptotegê-las. Filhos que não encontram dificuldades na vida, certamente não atingirão a maturidade e terão complicações para lidar com situações difíceis na fase adulta. Nem muito, nem tão pouco. Freios demais fundem o motor. Freios de menos provocam acidentes.

(*) Diego Fernandes é autor do livro “Fala sério! É proibido ser diferente?”, editado pela Canção Nova (www.cancaonova.com)