Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Editorial

Dom Luciano, um guerreiro de batina

Por: Marcos Terena

“Nos anos 80, em uma viagem de avião, sentei-me ao lado de um padre. Conversamos um pouco sobre a vida e a vida indígena, na qual os valores espirituais são sagrados e permanentes no relacionamento como Grande criador. Ele falou sobre os valores indígenas e sobre os possíveis erros do passado. Para mim, ali estava um padre diferente, que sabia falar das coisas sem dar sermão ou puxão de orelha. Ao desembarcarmos, ele me disse: “meu nome é dom Luciano, apareça na CNBB”.

A partir daquele momento, estimulado pela luta indígena, sempre que era necessário lá ia eu à CNBB para conversar com ele para que interviesse pelo menos no Ministério do Interior pelos nossos direitos como povos e, principalmente, como estudantes prestes a serem expulsos por orientação do general Golbery e do presidente da Funai, coronel João Carlos Nobre da Veiga.
Naquele tempo, dom Luciano era o secretário-geral da CNBB e, com seu apoio, começamos a campanha pela demarcação das terras – seja com os xavantes, seja com os apinajés – e, ao mesmo tempo, pelos direitos humanos – como o direito de estudarmos em Brasília e o direito de nos organizarmos com a União das Nações Indígenas.

Dom Luciano nunca deixou de lutar por esses direitos e, certamente, nunca falhou nesse compromisso, seja perante nós, os povos indígenas, seja perante o Grande criador, que agora o chamou par ao campo eterno.

A CNBB, aliada de sempre, conselheira suprema na defesa dos direitos humanos, sabe que um guerreiro sai de cena, mas deixa sua semente marcante e exemplar para os novos guerreiros.
Dom Luciano jamais esmoreceu. Jamais se afastou de sua paróquia. Jamais se afastou de seus ideais.

Como filho dos povos indígenas, levanto minha prece ao Grande Ituco-Oviti para que seu espírito usufrua do galardão como merecimento por seu trabalho como missionário, mas principalmente, como um guerreiro de batina”.

(*) Marcos Terena é índio da nação Xané, presidente do Comitê Intertribal, coordenador da Viatan e membro da comissão de Justiça e Paz da CNBB. (IN, Folha de São Paulo – Painel do Leitor, A3, de 29/08/06)