Coordenada pelo pároco da Paróquia de Na. Sra. do Desterro, Pe. Paulo Henrique Martins, a comunidade do Desemboque celebrou, festivamente, no último final de semana, os 270 anos do povoado, com tríduo religioso, reunião da Câmara Municipal, cavalgada e desfile de carros de boi e quermesse em honra a Na. Sra. do Rosário dos Pretos, datada de 1764, resgatando uma festa que não era celebrada no povoado há mais de 100 anos, segundo o historiador Amir Salomão Jacób.
Faltam registros e comprovações históricas do início do povoado do Desemboque, que tinha por nome primitivo, Descoberto do Rio das Abelhas. A data de sua fundação tem como referência uma inscrição em alto relevo na Igreja Matriz de Na. Sra. do Desterro, 1743, mas que, com certeza, o povoado fundado por aventureiros catadores de ouro já existia há alguns anos.
Desse marco aos dias de hoje transcorreram-se 270 anos de história. Elevado à categoria de Julgado em 1766, à de Vila em 1850, porém com seu declínio, suprimida em 1862, dali partiram em 1806 os primeiros entrantes (Bandeirantes) que deram início ao povoamento de todo o Sertão da Farinha Podre (atual Triângulo Mineiro).
Os festeiros, Wagner Bizinoto e Kellymar Vieira Bizinoto; Jamil de Souza Lima e Ritamar Aparecida Vieira de Lima assumiram a festa com o apoio de moradores da comunidade e de grupos da pastoral familiar da Paróquia do Santíssimo Sacramento. À frente dos festejos, Pe. Paulo Henrique foi incansável na supervisão dos preparativos e organização, alcançando um sucesso que surpreendeu a todos.
“- Pelo que vimos a festa atingiu os objetivos tanto religioso quanto cultural, sobretudo pela participação de moradores das comunidades rurais vizinhas e da cidade, além de muitos visitantes de cidades da região e outras mais longe, mas que guardam raízes com o povoado, aqui nasceram ou aqui têm seus antepassados”, avaliou o pároco.
A festa iniciou no feriado do dia 15, às 18h com o terço cantado, catequese e, em seguida sessão solene da Câmara Municipal, presidida pelo vereador José Maria Sobrinho e presença de todos os vereadores e do prefeito Bruno Scalon Corsdeiro, em comemoração aos 270 anos do berço do Triângulo Mineiro e outras regiões, finalizando com a quermesse. No sábado, 16, cavalgada e carreiros de Tapira e Rua de Lazer, reza do terço, missa e quermesse.
O domingo, 17, foi o ponto alto da festa de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos com a participação de ternos de Congado e Moçambique de Sacramento e das cidades de Araguari, Araxá, Catalão, Centralina, Ibiá, Uberaba, Uberlândia e o Grupo Afro Ziriguidun, de Sacramento, que encheram de cores, sons e ritmos todo o povoado. Um momento ímpar de confraternização, todos almoçando na mesma tenda, um almoço delicioso, embalados pela euforia dos congadeiros.
Padre Paulo, o responsável pelo resgate e que levou mais de 4 mil pessoas aos povoado nos três dias de festa, falou de sua intenção quando organizou as festividades. “Nossa intenção primeira dos festejos foi comemorar os 270 anos do Desemboque e agradecer a Deus por esta comunidade de fé, atuante que busca se reencontrar dentro da história. A segunda intenção da festa foi fazer com que o povoado saia do campo do 'eu já ouvi falar do Desemboque' para o 'eu conheço o Desemboque', 'eu estive no Desemboque'. Com isso queremos fazer o Desemboque retomar o seu lugar no coração das pessoas, tornar o lugar conhecido, como um lugar responsável pela história da região. A terceira intenção foi celebrar o dia da Consciência Negra que, infelizmente, não faz parte do calendário cívico e social de Sacramento como em outras cidades”, afirma.
Os pedidos para que a festa tenha continuidade foram muitos e o pároco do Desemboque se comprometeu em dar seguimento, conforme a vontade manifestada por muita gente. “Vamos continuar a festa, se o apoio continuar existindo, porque a comunidade do Desemboque não tem como bancar a festa sozinha. É uma festa que exige uma equipe muito grande de trabalho. Mas, se Deus quiser, somando forças em todas as comunidades rurais e na cidade, vamos realizar a segunda festa no ano que vem”.
De acordo com padre Paulo, a festa no próximo ano será pensada para ser realizada mais cedo, provavelmente no mês de abril, o Mês do Desemboque, mas a comunidade será consultada. Não vamos tomar a decisão sem consultar os moradores e, principalmente, contrariar sua vontade”, disse Pe. Paulo Henrique.
Cultura e devoção entre os congadeiros e moçambiqueiros
Vários ternos de Congado e Moçambique abrilhantaram a festa. Mais que isso, conheceram o lugar. Conforme o ET pôde constatar, a maioria dos visitantes sequer conhecia a história do Desemboque e a sua importância regional. Mesmo entre os integrantes dos ternos de Sacramento, a maioria não conhecia o lugar.
José do Carmo Martins, o patriarca dos capitães do Moçambique declarou: “Que Deus seja louvado, estive aqui há 20 anos atrás, na festa dos 250 anos e hoje pude voltar”.
“É a primeira vez que estamos aqui, nem sabíamos desse lugar. Recebemos o convite por internet e depois num encontro em Capinópolis recebemos o convite pessoalmente. Aí reunimos 50 integrantes e vimos saudar a mamãe do Rosário dos Pretos. Vimos para conhecer a história, a igreja da nossa padroeira feita pelos negros da época, no lugar. Essa será a primeira das muitas vezes que viremos aqui, se Deus quiser. Saímos de Centralina a 1h da manhã, porque não conhecíamos o caminho e graças a Deus chegamos, fomos os primeiros ”. (Sebastião Marques da Silva, capitão do Terno de Congo Beija-Flor, de Centralina, distante do Desemboque, mais de 350 km).
“Tão pertinho de nós e é a primeira vez que vimos ao Desemboque, não sabíamos da existência dessa beleza construída por nossos irmãos antepassados. Essa festa tem que acontecer todo ano, nós temos que lutar por isso, aqui está parte da nossa história”. (Rosilda Maria da Silva, capitã do Terno de Congo Araxá).
“Já estivemos em Sacramento, mas no Desemboque é a primeira vez e foi uma emoção chegar e ver essa estrutura antiga construída por nossos antepassados para venerar a nossa mãe do Rosário”. (Nivaldo Eustáquio da Silva, do terno Nossa Senhora do Rosário, também de Araxá).
“Ficamos sabendo da festa pela internet e como não conhecíamos o lugar nem como chegar, saímos de Araguari às 23h, para virmos com os irmãos de Sacramento. Chegamos a às 4 h da manhã, fomos muito bem recebidos pelos irmãos que nos estavam esperando, foi uma festa na recepção. Eles vieram na frente e nós atrás, chegamos aqui e vimos essa beleza que não conhecíamos. Na internet vi alguma coisa da história do Desemboque, mas ainda vou aprofundar pra passar para o grupo, aqui estão as nossas raízes”. (Manuel Flávio, coordenador do terno de Congo de Araguari).
“É uma grande alegria poder reverenciar nossa padroeira, nossa fé a cada momento, mas neste espaço é demais. Quando recebemos o convite, fomos pesquisar sobre o Desemboque e vimos que precisávamos participar pela história dos nossos ancestrais que existe aqui. Uma história muito rica que todos precisam conhecer. E é dever nosso, de toda região, ajudar a preservar essa história, este lugar”. (Antônia Aparecida Costa, coordenadora do terno de Congo de Uberlândia).