Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Personalidade de 2013: Sebastião Rezende

Edição nº 1349 - 15 Fevereiro 2013

O empresário Sebastião de Paula Rezende, 71, sacramentano de coração e de título, natural de Delfinópolis (MG) chegou às terras do Borá em 1963, aos 19 anos. Aqui fincou pé, construiu a vida, constituiu família e uma história muito rica, resultado de muita honestidade, luta e dedicação ao trabalho. 

De um velho caminhão Ford F 600, comprado a prestação, Sebastião foi um dos pioneiros das estradas Belém - Brasília e Porto Velho. Devagar, veio construindo uma grande empresa, que começou como Transportadora Rezende, hoje, Luandri, nome criado a partir das iniciais dos filhos, Lúcia, Anderson e Adriano que hoje a dirigem, também com a participação do filho mais jovem, Sebastião Jr., mas sempre na sua presença. 

Bastião, assim chamado pelos amigos, continua na sua rotina de trabalho. Diariamente, de madrugadinha já está na garagem ligando os refrigeradores e despachando caminhões. Veja a seguir, um pouco de sua história. 

 

ET – Bastião, vamos começar lá nas suas origens...

Sebastião - Nasci em Delfinópolis, que era chamado de Espírito Santo da Forquilha, por isso lá é chamado até hoje de 'Gancheiro'. Nasci na fazenda, daí fomos para Delfinópolis. Meu pai tinha uma linha de leite e aos 13 anos, como ajudante da linha, fui aprendendo a dirigir e comecei a puxar o leite.  Aos 18 anos tirei carteira de motorista. Saí de Delfinópolis, mudei para Cássia, depois pra Franca, São Paulo, Igarapava  e em 1963, há 50 anos, mudei para Sacramento. Eu tinha 20, 21 anos. Meus pais, Joaquim Bernardes  de Rezende e Maria de Paula Borges, moraram aqui três anos. Papai abriu uma fábrica de farinha, depois resolveu mudar pra São Paulo.  Em Sacramento, só ficamos o Bené (Benedito de Paula Rezende, falecido há seis anos) meu irmão mais velho, e eu.  Os outros irmãos, mais novos, Ana, Prudente, Ivo (falecido), Antônia e José moram todos em São Paulo.  Aqui meu irmão Bené e eu fomos puxar leite para Igarapava e depois Conquista.


ET – E depois?

Sebastião - Era o auge de Brasília, o Bené foi prá lá e eu voltei para Sacramento. Fui trabalhador de lavador de carros na Urbial, do Ariosto Biachini, antiga Chevrolet, onde trabalhavam os irmãos Alfredo e Omar, o Cavaco. Hoje é a oficina do Zé Pequeno. Fiquei uns meses lá e  fui para a Cemig que chegou à cidade para construir a Usina de Jaguara. Fiquei pouco tempo e fui para a Mendes Jr., a empreiteira que construiu a Usina, cujo salário era melhor. Fui ser fiscal de transporte. Na Cemig eu dirigia aquelas caminhonetes cabine dupla, chamada de boi-vaca. Dirigia para o engenheiro residente, o Ivo Romano, que morava aqui na cidade. Minha ida para a Mendes Júnior, na verdade, foi um convite do José Bispo, que eu conheci uma época que a Cemig me mandou para  Cachoeira Dourada. Ele era chefe de transporte e me indicou para o cargo na Mendes Júnior. 

 

ET - Lembra do acidente com os dois caminhões de empregados da Mendes Jr. e Nativa, ali na curva da 4ª ponte, onde morreram 14 funcionários? Estava lá, na época?

Sebastião - Não, foi bem depois, acho que em 1972, 73... Eu já trabalhava por conta. Eu estava puxando mudas de pinus pra Pinusplan e a Lanac. Eu estava chegando de viagem, à noitinha, e, no Posto de Jaguara, o posto do  Jeová, soube do acidente. Parei lá pra esperar limpar a pista.  Não sei detalhes do acidente, só sei que foi entre um caminhão da Mendes e outro da Nativa.

 

ET – Vamos, então falar de sua vida como caminhoneiro. Quando foi que começou?

Sebastião - Comprei o primeiro caminhão quando saí da Mendes Júnior, em 1966. Eu havia juntado um dinheirinho e aí comprei um caminhão velho, um Ford F 600, do  Oliveirinha do Hotel Avenida, e fui trabalhar  por conta. Paguei parte do caminhão e  o restante paguei em dois anos. Aí, caí na estrada. A primeira viagem foi para Porto Velho, mas não gostei, tínhamos cinco balsas pra passar tudo no cabo de aço e  carretilha.  De Cuiabá para baixo não havia estradas.  E depois lá dava muita malária.

 

ET – Enfrentou a Belém – Brasília?

Sebastião  - Sim, naquele tempo em que não tinha nem um quilômetro de asfalto. Também não gostei daquele norte de Goiás. As viagens duravam dias...  Carregávamos em São Paulo remédios, leite Ninho, fósforo, alimentos... A gente carregava para Parintins, para o Expresso Cuiabano e Estrela do Norte e eles tinham o armazém para descarga. O resto da carga, distribuíamos de porta em porta. Se houvesse  carga para o mesmo dia a  gente carregava e virava pra trás.  Era o tempo de descarregar e carregar. Trazíamos castanha, sabonete Phebo,  a maior fábrica da Phebo era  em Belém. A gente rodava mesmo. Eu não parava, rodava o máximo que pudesse. Eu  comecei a fumar pra ajudar a espantar o sono. Era café, coca cola,  cigarro e pé na estrada. Muitos motoristas usavam 'rebite', droga que tira o sono. Mas nunca usei. O que tira sono é cama.

 

ET – Foi um tempo muito difícil....

Sebastião - Difícil é pouco. Deixava mulher e filhos aqui e viajava. Meu filho mais velho está com 45 anos. Eu chegava nos lugares,  mandava telegrama, mas não tinha resposta, porque a gente seguia viagem. Mandava dinheiro pelo banco Comércio Indústria, do seu Pedro Giani, mas quase que chegávamos antes do dinheiro. As coisas eram difíceis. Telefone era cosia que não existia. Aqui, pra gente fazer um interurbano,  tinha que ir à central telefônica, onde trabalhavam  as meninas, Letícia, Iris, Berta... Era difícil!

 

ET – Você sofreu algum acidente sério nessas estradas?

Sebastião - Graças a Deus nunca tive um acidente. O que acontecia era de o caminhão quebrar e naquele ermo, a gente tinha que depender só de nós mesmos. Eu aprendi mecânica na raça por lá, porque não havia quem fizesse o serviço.  E este foi um outro motivo que me fez largar de ir para o Norte, Nordeste.  Mas perdi alguns companheiros, como o Adauto Gomide, em Betim; e Nelson e o Wilmondes Bessa, na Belém Brasília.

 

ET – Em compensação, roubo... Quantos caminhões até hoje?

Sebastião - Fomos progredindo aos poucos, graças ao esforço e muito trabalho. E hoje temos 19 veículos entre carretas e caminhões. Durante esse tempo, tivemos dez  veículos roubados, seis carretas e quatro  caminhões. E só recuperei dois caminhões, felizmente todos eram segurados. Teve uma carreta roubada que estava  emprestada em Joinvile, ela foi encontrada na divisa do Paraguai, busquei e a botei-a pra rodar. Daí um ano e meio roubaram ela em São Paulo. Encontrei a carreta carregada de farinha  na Vila Guilherme  mas o cavalo mecânico não.  Hoje, além do seguro, nossos caminhões são todos rastreados, o que ajuda um pouco. 

 

ET – Nesses roubos todos a integridade física dos motoristas foi respeitada?

Sebastião - Graças a Deus nunca houve nada grave com nossos motoristas. O que acontecia era de eles ficaram presos algumas horas. Dou graças a Deus, porque nunca perdi um motorista nas estradas nem em roubos nem acidentes. Já houve acidentes, mas mortes nunca,  graças a Deus. E, dou graças a Deus porque tive amigos do meu tempo de motorista que morreram na estrada. Graças a Deus  nunca tivemos casos graves com nossos motoristas.  

 

ET – Voltando à Belém – Brasília, naqueles 2 mil quilômetros de estrada, como é que faziam pra dormir?

Sebastião - A gente dormia em comboio no meio dos cerrados, igual a boi. Parava, ali fazíamos comida e dormíamos. Os pontos eram chamados de 'malhadores', os pontos de descanso. E como não havia postos de combustível, principalmente no trecho de Rosário Oeste, no Mato Grosso até Vilhena, em Rondônia, a gente carregava os tambores de combustível.  Banho era só de cinco, seis dias, mais ou menos. Muita preocupação nas estradas por conta dos índios cintas largas, ainda selvagens, mas a maioria só queria mesmo vender seus produtos. Havia uns aleijados, que diziam: “Cobra mordeu, perna caiu”. Só sei que a  preocupação era grande e ela tira a fome, tira o sono.

 

ET – Lembra do Alaor Tmóteo, que na época comprou uma frota só prá enfrentar aquelas estradas. Não foi por lá que aconteceu um problema com ele?

Sebastião -  Sim, sim... Viajei muito com ele. Alaor  fazia  Porto Velho, que era o único lugar que dava dinheiro, porque ninguém queria ir.  Ele tinha uma frota boa, seis caminhões, o que  na época era uma frota boa.  Mas um dia ele se enrolou.  Perto de Rondonópolis, ele  estava parado,  fazendo comida, passou um caminhão  dos Irmãos Cecílio, atacadistas em Anápolis, e jogou água de lama na comida deles. O Alaor tinha dois ajudantes nortistas e um deles disse:   “O senhor me dá tantos 'contos' que eu vou lá e mato ele”. 

 

ET – E Alaor aceitou essa proposta indecente?

Sebastião - Alaor aceitou e o cara foi. Logo na frente, num boteco de roça, o caminhão estava parado lá. O nortista chegou e meteu bala e escondeu as armas. Quando chegaram em Rondonópolis, a polícia prendeu todo mundo. O Alaor foi julgado, mas saiu livre. O nortista ficou jurou a sua morte também. “Vou cumprir minha pena, mas vou sair daqui com força no dedo pra te  matar”. Acho que tudo isso  descontrolou o Alaor, que vendeu a chácara, acabou com tudo aqui, mudou para Ribeirão Preto e de lá foi para Porto Velho. A família dele ficou em Ribeirão, mas ele faleceu em Goiânia. 

 

ET - E foram quantos anos nessa vida de caminheiro por este mundão de Deus? 

Sebastião – Foram mais de 20 anos na boleia de um caminhão. Depois, eu resolvi ficar por aqui. Comecei a puxar arroz e café para os Crema, Paulo Araujo, os Loyola. Levava arroz pra São Paulo e café pra Santos, e deu certo. E logo veio o Scala, foi quando comprei meu segundo caminhão. Depois veio a Caxuana, com seu Ivomir Cunha, com quem eu me dava muito bem. Como era muito serviço e eu tinha só dois caminhões, comecei a tercerizar os fretes, mandando caminhão prá Campo Grande, Aracaju, etc,  e os meus ficavam por aqui. Eu me lembro de muitos motoristas terceirizados: os finados João Gomes Barcelos, o Adauto, o Herman, o Nelson, já o Cobrinha, graças a Deus está vivinho em Uberaba. Tinha o José Rouxinol, José Diolino, de Conquista; Homero, de Uberaba,... Todo esse pessoal trabalhava comigo...

 

ET - E quando nasceu a Transportadora Rezende? 

Sebastião – Criei a Transportadora Rezende quando eu adquiri meu terceiro caminhão, em 1972, que depois mudou para Luandri, nome criado com as iniciais de meus três filhos mais velhos Lúcia, Anderson e Adriano. Quando ela foi criada não tinha ainda o caçula, o Júnior. Estamos completando 40 anos de empresa, que passei para os quatro filhos, em 2009.

 

ET - Era melhor dirigir naquele tempo ou hoje? Dá pra fazer uma comparação?

Sebastião - Olha, é relativo, porque melhorou em alguns aspectos e noutros, não. Por exemplo, as estradas são muito melhores, as boleias dos caminhões com cama e ar condicionado, motores muito mais possantes... Em compensação, o trânsito aumentou muito, há muito mais tráfego nas rodovias, e a violência é muito maior. 


ET – E como era o Ford F 600, do mesmo jeito que descia, subia?

Sebastião – Nunca! Ele dava no máximo 80 km/h, hoje uma carreta, se não houvesse a velocidade controlada, andava como os carros de passeio. O F 600, quando a gente subia a serra na Belém, ele subia urrando. Perto de Imperatriz havia um lugar chamado 'Sabão', que a estrada era em pé, escorregava demais  e lá embaixo nascia água e  era bravo, havia até jacarés. Se estivesse chovendo não subia mesmo, por isso os caminhões viajavam sempre maneiro, com carga inferior à capacidade.  

 

ET – E como é essa exclusividade com o Scala, vale a pena? 

Sebastião – Sim. É um privilégio fazer o transporte climatizado para o Laticínios Scala, porque transporto qualidade e tradição. Há 12 anos concentramos todo nosso investimento no Laticínios Scala, para que pudéssemos acompanhar o enorme crescimento da grande indústria sacramentana, que aumentou bastante os itens produzidos e expandiu as vendas para o interior de SP, também MG, Brasília e Nordeste.

 

ET -  Pra finalizar, fazendo um retrospecto de todo esse tempo, desde sua saída lá do 'Gancheiro' há 50 anos, você se considera um herói? 

Sebastião – Sem falsa modéstia, eu me considero, sim, acho que fui herói, porque Deus me ajudou muito e pude construir alguma coisa para os filhos, tudo tirado da minha cabeça, dos meus braços. Só que eu, sinceramente desacelerei um pouquinho, porque são 24 horas por dia. Não tem domingo, não tem feriado, não tem dia nem noite. Gosto muito do que faço e dou uma força para meus filhos. E tudo isso devo às pessoas, aos donos das empresas para quem trabalhei, que em mim confiaram...

 

ET – Pode citá-los?

Sebastião – Sim claro, começo com o Seu Oliveirinha, de quem comprei meu primeiro caminhão. Dei a entrada e ele me confiou o resto. Disse: “Seu pai serve pra avalizar”.  Peguei o trem no Cipó e fui a São Paulo pro papai assinar as promissórias. Todo mês eu ia lá e pagava um pouco e ele mandava entregar para o genro dele, o Seu Luiz.  Quando ele faleceu, eu pagava direto para o Luiz até o último tostão. Agradeço também o Seu Nino, o Seu Ivomir Cunha, ao Grupo Paranapanema, na pessoa do Seu Nélson. Essa confiança das pessoas ajuda a gente a crescer. Devo muita obrigação a Sacramento, porque muitos confiaram em mim.  Só sei que valeu muito a pena, agradeço a todos, desejo saúde para minha família e a meus amigos. E peço a Deus e a Na. Sra. Aparecida para que me deem saúde, pra eu viver melhor e possa ver meus netos e, quem sabe, até os bisnetos crescerem.

 

(Final da série de entrevistas)