Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Comunidade negra celebra seus santos padroeiros

Edição nº 1645 - 19 de Outubro de 2018

Sacramento encheu-se de cores, cantos e rufar de tambores e guizos no domingo14 ao  celebrar a 16ª Festa de Nossa Senhora do  Rosário, São Benedito e Santa Efigênia com o encontro dos ternos de Congada, Moçambique, Marujos, Catupés, dentre outros, promovida pela Guarda de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário.

O bairro São Geraldo, de tradicional cultura congadeira e moçambicana, conforme decisão dos diretores dos ternos, voltou a sediar a festa depois de muitos anos. A festa em louvor aos santos padroeiros da raça negra começou no dia 5 com a reza do terço todas as noites, seguida de cantoria e louvores.

Uma linda e festiva missa presidida por monsenhor Valmir Ribeiro, ex-pároco de Sacramento, abriu as festividades, às dez horas do domingo, com um humilde pedido de licença. Com sua bela voz entoou canções que nasceram do sincretismo religioso que miscigenou o povo brasileiro: “Ê, ê, ê, minha Senhora do Rosário e São Benedito, peço licença para aqui celebrar...” E assim seguiu saudando a corte e os capitães. 

Enaltecendo o padroeiro do bairro, o santo redentorista, São Geraldo Majela, onde tudo começou, ecoou a voz: “Ê, ê, ê, ó meu São Geraldo, peço sua licença, pra poder celebrar, ó gente. Ó meu São Geraldo, sua casa cheira... É de cravo, é de rosa, flor de laranjeira...”.  

Se tomarmos consciência de que somos responsáveis uns pelos outros, isso muda tudo. Muda em casa, na rua, no bairro, muda na comunidade que frequentamos, muda na cidade  onde moramos, porque nos tornamos responsáveis pelo outro.    Resgatem isso! Façam com que a Festa de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia não termine hoje, mas que ela se prolongue até a festa do ano que vem, um cuidando do outro. Que o amor de vocês seja maior que as diferenças, os posicionamentos, os gostos... Porque há algo maior que nos une, somos todos filhos de Deus, por isso, somos todos irmãos ...”, finalizou. 

No abraço da paz, cada um foi convidado a abraçar aquele que estava a seu lado Em seguida o celebrante cantou: “Ê mamãe, abraça eu, mamãe. Embala eu, mamãe, tem dó de mim...”

No final da celebração, José do Carmo Martins, o mais longevo dos moçambiqueiros coroou a imagem de Nossa Senhora do Rosário, ao som da música “Negra Mariama”. Negra Mariama é Nossa Senhora, a Mãe de Jesus. Ela se tornou assim conhecida por conta de nosso reverendíssimo e amado Dom Helder Câmara, que assim a chamava carinhosamente: Mariama.

 

Antes da bênção final, Mons. Valmir e todos os cantadores entoaram a bela canção de Clara Nunes, 'Canto das Três Raças'. 

Encontro de 2018 marca retorno a suas origens
O encontro de ternos, sem dúvida, deu visibilidade à devoção de todos a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia, santos padroeiros da festa. E desde que se tornou regional, as festas saíram do bairro de origem, o bairro São Geraldo, antes conhecido como Baixada, para se concentrar no Chafariz.
Dizem os mais mais longevos que a Festa do Congado teve início na histórica Baixada, com o rei Divino Inácio e a Rainha Vó Tonha (Antônia Maria de Jesus), uma história que vai muito além dos nossos dias, remontando a tempos idos, bem antes dos últimos 16 anos...
Foi ali que as atuais gerações conheceram os santos padroeiros e a sua devoção, desde que a festa foi retomada pelos saudosos reis Divino Inácio e Vó Tonha. Mantendo a tradição, anualmente, os dois ternos, o de Moçambique (azul e branco) e o de Congada (verde e branco), desciam pelas ruas da cidade rumo à Igreja da Mamãe do Rosário, onde levantavam o mastro, cantavam, dançavam... 
Divino Inácio se foi e a rainha Vó Tonha seguiu firme ao lado do filho, o Rei Sebastião, que viram a festa ser realizada no salão de festas da Igreja de Na. Sra. da Abadia, onde sua neta, Lucimar Reis foi coroada rainha, em 2009, ano em que Vó Tonha, também foi reinar nos céus.  
Por quatro anos, Lucimar reinou ao lado do tio, o Rei Sebastião, que morreu vítima de acidente e seu neto, Weverton Inácio dos Santos, assumiu o cetro/bastão e comando da guarda. 
E assim, a festa deste ano deixa um significado novo. Ela marca o resgate da festa no bairro São Geraldo, a antiga Baixada, depois de 15 anos. 
Quando temos um obstáculo, temos um desafio em aberto...
Para a rainha Lucimar Reis   tudo começou aqui. “Essa volta da festa para o seu bairro de origem é muito importante, porque estávamos percebendo que os valores estavam se perdendo e a nossa raiz estava se dispersando, a parte espiritual estava a desejar. Então, era hora de resgatar, trazê-la para o nosso berço. A estrutura do bairro é pequena, mas a cada ano podemos melhorar para receber os ternos tão bem como somos recebidos nas outras cidades, mas sempre de acordo com os fundamentos dos nossos ancestrais”, ressalta e completa, falando de uma certa resistência por parte de alguns. 
“- É claro que houve resistência, sempre tem, mas não podemos deixar de regar essa semente. Lutei, trabalhei muito para que a festa voltasse para o bairro, aqui é nossa casa. E tenho esperança de que ano a ano vamos melhorando”.
De acordo com Lucimar, a Guarda de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito possui um terreno, mas não teve ainda condições de construir o salão. “É um terreno que dá para construir um bom salão, com estrutura completa, mas temos fé que vamos conseguir construir. Quando temos um obstáculo, temos um desafio em aberto e eu gosto de desafios, temos que persistir e fazer a coisa acontecer”. 
Maria Aparecida de Fátima Moreira, presidente da Guarda de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito há seis anos, está encerrando sua segunda e última gestão. Ela passará o bastão para um novo/a líder, em maio de 2019. “O mandato da diretoria é de três anos, com uma reeleição e este ano estamos fechando com chave de ouro, porque, eu conheci a Congada e o Moçambique  aqui no São Geraldo e a pedido da rainha Lucimar, a festa voltou para o bairro”, narra, apoiando a decisão da Rainha. 
Estamos voltando para o nosso berço...
Segundo Maria, a decisão encontrou certas resistência, mas que vão aos poucos se ajeitando. Acho que a Rainha Lucimar tem razão, estamos voltando para nosso berço, para a terra natal... O problema maior enfrentado foi a falta de estrutura, mas graças a Deus, ajudas não faltaram. A Prefeitura nos deu todo o suporte, a sociedade de modo geral, então tenho muito que agradecer. Nós trabalhamos em prol da festa de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia e estou terminando minhas gestões  com  a certeza do dever cumprido. E vou continuar ajudando, sempre apoiando, porque quero sempre acompanhar os santos nossos protetores”, afirma.
Com relação à ausência de alguns ternos tradicionais das cidades de Uberlândia, Uberaba, Araxá e Catiara, Maria justificou a coincidência das datas. “Todas essas cidades celebraram neste domingo suas festas, no mesmo dia, por isso a presença de poucos ternos, mas como diziam nossos antepassados: 'O pouco com Deus é muito'. Antecipamos nossa festa, que seria realizada no dia 28, por conta do 2º turno das eleições”, justifica. 
No final da festa, já na porta da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Maria faz uma avaliação positiva. “Se eu tivesse que dar uma nota, seria no mínimo 8, porque a tradição foi mantida. Infelizmente tivemos menos ternos este ano, mas tivemos algo de muito positivo, tais como os festeiros, o apoio que tivemos de todos, a volta da festa para o São Geraldo, a presença do Pe Valmir, que prontamente aceitou o nosso convite e celebrou uma missa maravilhosa. Então o saldo é muito positivo. Se fossem apenas os nossos ternos, ainda assim estaríamos  cumprindo a tradição, louvando os nossos santos”. 
Para o vice-presidente Delcides Tiago Filho, a festa valeu a pena. “Apesar das festas noutras cidades, temos a felicidade de ainda termos seis ternos de fora aqui hoje e mais os nossos dois, totalizamos  oito ternos,  então é muito positivo  para nós”
O bom filho à casa torna
O bom filho a casa torna para celebrar a Mamãe do Rosário
Padre Valmir foi recebido por todos com abraços e cantos e ele com uma simpatia ímpar, retribuía a todos e falou ao ET da alegria de voltar para celebrar a festa. “Voltar a Sacramento é sempre motivo de grande alegria, estar aqui com vocês enche o coração da gente de muita felicidade, porque cada um que a gente vai vendo tem uma história que a gente conhece. E, ver essa alegria ao redor dessa festa de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito é  tudo de bom. É uma fez de tradição, uma festa de raiz, que muitos veem às vezes como uma manifestação folclórica, mas não é. Essa festa é vida, é resistência, é luta. São vitórias que são celebradas. Os cantos todos do Moçambique e do Congo, são vidas que são lembradas, são vitórias e conquistas que são celebradas e de novo a consciência de que é preciso se manterem unidos, fortes e os ternos favorecem isso, mantem a comunidade unida. Então, é uma alegria estar aqui”. 
Sobre a volta da festa para o bairro São Geraldo, avalia que é muito importante o resgate. “Tudo isso, tudo que remete à tradição, precisa ser resgatado. Hoje, vivemos um momento de muitas perdas, então é preciso ressignificar tudo isso. Se aqui começou e está acontecendo aqui, traz um sentido novo e eu fico feliz  por poder celebrar e  participar deste resgate.
Tradição tem que ser mantida
Para o prefeito Wesley De Santi, a tradição tem que ser mantida e a prefeitura tem dar apoio. “O Congado e o Moçambique têm muita tradição em Sacramento e, temos que resgatar  e manter tudo isso, dar apoio, incentivar, procurar estar presente. Vivemos um momento muito conturbado, de muita correria, de muito estresse, de muita indignação e de muitas perdas de valores, nos esquecendo que o que levamos da vida é só a vida que levamos , que vivemos aqui, então precisamos estar juntos”, afirma, destacando que sempre procurou resgatar as tradições e completa. “Eles quiseram trazer a festa para o bairro, foi aqui que tudo começou. Foram até a prefeitura pedir apoio e nós  o demos o apoio necessário. Todos são pessoas que merecem o nossos respeito e sabem o que estão fazendo. Se querem fazer aqui, vão fazer e cabe à prefeitura ajudar, incentivar, por isso fizemos questão de estarmos presentes e feliz por poder fazer parte dessa história como prefeito.”
aqui, então precisamos estar juntos”, afirma, destacando que sempre procurou resgatar as tradições e completa. “Eles quiseram trazer a festa para o bairro, foi aqui que tudo começou. Foram até a prefeitura pedir apoio e nós  o demos o apoio necessário. Todos são pessoas que merecem o nossos respeito e sabem o que estão fazendo. Se querem fazer aqui, vão fazer e cabe à prefeitura ajudar, incentivar, por isso fizemos questão de estarmos presentes e feliz por poder fazer parte dessa história como prefeito.”

Bênção que ganhei de Nossa Senhora
José do Carmo Martins, com seus 86 anos, é o mais longevo capitão de Moçambique na cidade, que passou por graves problemas de saúde, mas ainda assim, mostrou a sua fé através de seu canto e dança. Do Carmo considera que a festa foi uma bênção. 
“- Isso foi a bênção que ganhei de Nossa Senhora do Rosário,  São Benedito, Santa Isabel e Santa Efigênia. Tive um infarto, mas venho em tratamento e graças a Deus hoje estou bem. Peguei com Nossa Senhora e estou aqui cantando as folias de Reis e de Nossa Senhora Aparecida, e eles estão me  ajudando. E hoje, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito estavam me chamando  e eu estou aqui nas mãos deles. Tive um problema com uma hérnia, mas que está controlado. Não precisei operar, não, louvado seja Deus. A hérnia  está 'minguano'... O Dr. Diogo ficou até surpreso!”.