Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Negros realizam 15º Encontro de Congada

Edição nº 1595 - 03 de Novembro de 2017

Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Bendito foram festejados em Sacramento  pela comunidade negra, no 15º Encontro de Congado, Moçambique, Catupé e danças afro e afins que encheram as ruas do Alto Boa Vista de cores, cantos e tambores, na manhã do domingo 29.

 A movimentação começou cedo para a diretoria da Guarda, presidida por Maria Aparecida de Fátima Moreira, e para os festeiros, família de Dalva Maria da Silva, Terezinha e Nicanor, e descendentes de Bigico e Divino Inácio, que receberam, para o café da manhã e almoço, 15 ternos, dos quais 14 vieram das cidades vizinhas.


15 ternos de Congada fazem procissão 

O cortejo formado por 15 ternos de Congada, Moçambique e Catupé saiu em procissão da Igreja de Na. Sra. da Abadia às 15h, levando à frente em andor os santos padroeiros, seguidos pela corte, formada pela rainha Lucimar dos Reis e o Rei Weverton Inácio (Tom); Leonilda Vitorino Barbosa, a guardiã da coroa mestra, e as princesas, Simone Orlando,  representando a lei do Sexagenário, 289/1885, que  garantia liberdade aos escravos com 60 anos de idade  e, Daniela Branquinho, a Lei Áurea, de 13/05/1888, que extinguiu a escravidão no Brasil. 

Passando pela Basílica do Santíssimo Sacramento, os congadeiros faziam comovida e respeitosa reverência voltados para o altar, saindo, sem dar as costas para o templo, em direção à Igreja do Rosário, onde se apresentaram aos santos padroeiros e à corte instalada no alto da escada, com lindas cantorias da época da escravidão, recebendo do público presente muitos aplausos. 

Ainda no adro da Igreja do Rosário, o vice-presidente da Guarda, Delcides Tiago (Cid), após os agradecimentos aos ternos visitantes, num tributo aos falecidos da irmandade este ano, as irmãs Rita e Iolanda Felício, Iracy Miguel e Guto, pediu  um minuto de silêncio, seguido de rufar de tambores e palmas.

 Após a apresentação de todos os ternos, o Congado de Sacramento comandou a coroação da padroeira da festa, Nossa Senhora do Rosário, e a festa foi encerrada com o retorno de todos para suas casas, felizes e abençoados, como bem cantou um dos capitães na despedida:

 

 “Minha mãe, minha mãezinha / minha nossa senhora /, vocês ficam aqui com Deus, / e  nós vamos embora”.  

 

Uma festa organizada com muito amor

A organização da festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito mobiliza centenas de pessoas, enfim é uma união de forças, da diretoria, da comunidade negra, do poder público, da sociedade de um modo geral que colabora com doações e dos ternos visitantes, representando uma das maiores festas da comunidade católica da cidade. 

A Guarda recebe anualmente uma subvenção da Prefeitura, que este ano foi no valor de R$ 7 mil, pagos em quatro parcelas e, mais R$ 1.800,00 do poder Legislativo.  

A presidente Maria Aparecida de Fátima Moreira (a Cida), reeleita depois de um profícuo mandato, à frente da Guarda há quatro anos, fala da festa e do trabalho na organização. 

“- Não é fácil organizar uma festa dessas, mas graças a Deus contamos com a ajuda de muita gente. São dias de trabalho, campanha de coleta, porque a subvenção  da Prefeitura não dá pra cobrir todos os gastos e nós ainda temos as viagens. Mas entra ano, sai ano, a gente vai aprendendo, caindo, levantando e mantendo a festa. O povo de Sacramento é muito bom, está sempre colaborando”, reconhece Cida.

Prossegue, agradecendo pelo apoio. “Digo de coração, sem a Prefeitura, sem os comerciantes e a sociedade que colabora, sem a imprensa e sem a união do nosso grupo não conseguiríamos realizar a festa. Por isso, peço a bênção de Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito para todos. Deus lhes pague”, agradece, fazendo um tributo pela perda de quatro companheiros este ano. 

“- Perdemos a tia Rita Felício e a irmã dela Iolanda; a Iracy Miguel e o Guto, pessoas que deixaram um grande legado. Hoje é o dia deles também, e eles estão entre nós, comemorando, dançando e cantando...” 

“Nossa tradição e devoção vêm sendo mantidas ano a ano...”
Representando a corte, a rainha Lucimar dos Reis, que herdou a coroa de Vó Tonha, fala com orgulho de mais uma festa. “Esta bela tradição e devoção vêm sendo mantidas ano a ano, com a presença de muitos ternos. Nós vamos às suas cidades e eles vêm a Sacramento. E assim, a herança dos nossos antepassados vai sendo preservada e a cada ano crescendo mais e mais”, destaca.
Segundo Lucimar, ela começou a participar da festa com sua mãe, Terezinha, seus avós, que eram rei e rainha, e toda irmandade, em 1972, pois residia fora. “Éramos, portanto, herdeiros da coroa, e como Mamãe morreu em 2002, sete anos antes de sua mãe, a Vó Tonha, a coroa veio para mim, como filha primogênita, conforme manda a tradição. Assim, herdei a coroa da vovó para enquanto vida eu tiver e é minha obrigação manter viva essa bela tradição”.
  O rei Weverton Inácio, o Tom, 33, sucessor do avô Sebastião Inácio, que sucedeu Divino, reconhece também a grande responsabilidade do cargo. “É uma responsabilidade muito grande dar continuidade naquilo que meu bisavô começou, meu pai continuou e cabe a nós mantermos a tradição viva”, afirma, ao lado do filho Pedro de nove anos, com quem brinca: “Um dia ele será rei, mas antes disso eu ainda vou viver muito”. 
José do Carmo Martins figura como o mais longevo moçambiqueiro da cidade e com os seus quase 90 anos, é também o mais velho entre os congadeiros. Este ano, por problemas de saúde,  não dançou,  mas vestiu o uniforme e acompanhou a festa assentado.
Em entrevista ao ET, revelou sua fé. “A gente às vezes fica impedido de dançar, Deus é quem sabe da nossa vida, mas não podemos descuidar das orações e da nossa devoção. Tenho muito a agradecer a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, aos Três Reis  pela oportunidade de poder participar por tantos anos. Não dou conta da caminhada, da dança, mas na cantoria e orações vou acompanhar”, afirma.
Baguá: “Fico feliz ao ver essa tradição tão importante ser perpetuada”
O prefeito Wesley De Santi de Melo, acompanhado do secretário de Governo, Carlos Bananal, prestigiou a festa, visitando os santos e a corte, no Salão de Nossa Senhora da Abadia, e nos pontos de refeição de cada grupo de terno visitante, no salão da Abadia, na sede do Cerea, no clube 13 de Maio e na vila dos Caianas.
“- Fico entusiasmado e feliz por poder fazer essa peregrinação. Fico feliz ao ver essa tradição tão importante ser perpetuada. Ouvi num canto, algo que me tocou e prestei muita atenção. O capitão cantou: “Me tiraram de Uganda, uiaiá, / me tiraram de Uganda, uiaiá / aqui eu aprendi o be-a-bá”. Sabemos do sofrimento, da luta dos negros, que foram arrancados de suas famílias, de sua terra e trazidos para o Brasil. Foram momentos de dor, de sofrimento, mas perpetuaram a sua cultura, a sua história, a sua tradição que é mantida pelos seus descentes. Isso é muito importante, tem que ser valorizado, porque a maior parte da população brasileira é afrodescendente.  Temos que apoiar, investir, prestigiar essa festa muito bem organizada e nós enquanto governo vamos ajudar sempre, Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigência e São Benedito vão nos ajudar”.
O presidente da Câmara, Pedro Teodoro Rodrigues de Rezende, após visitar os ternos, também elogiou a tradição. “Isso faz parte das raízes do Brasil e, principalmente, de Sacramento, eles foram e são o braço forte do desenvolvimento do país  e temos que valorizar o nosso povo, as nossas origens. Quem não tem o pé na senzala? Acredito que a maioria de nós o tenha, por isso temos que valorizar, apoiar. Anualmente estou acompanhando essa festa, que reúne  tanta gente de fora e que leva para suas cidades o nome de Sacramento”.