Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Crise política e desesperança geral

Edição nº 1636 - 17 de Agosto de 2018

Um dos efeitos perversos de nossa crise nacional é   sem dúvida a desesperança que está  contaminando a maioria das pessoas. Ela se manifesta pela angústia de não ver nenhum horizonte do qual se possa vislumbrar uma solução salvadora. Emerge a sociedade do cansaço e da perda da alegria de viver.          

São as consequências da ausência de sentido, de que tudo vai continuar na mesma lógica, feita de corrupção, falsificação das notícias (fakenews) e daí da realidade, maledicência generalizada, a dominação dos poderosos sobre as massas entregues à sua própria sorte. 

         Tal desolação alcança também a percepção do futuro de nosso mundo e da humanidade, pouco importa o que possa ocorrer. Bem observou o Papa Francisco em sua encíclica “sobre o cuidado da Casa Comum”: “As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia. Para as próximas gerações poderíamos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo. O estilo de vida atual, por ser insustentável, só pode desembocar em catástrofes” (n.161). Mas quem pensa nisso a não ser quem acompanha o discurso ecológico mundial?

         Portanto, além das múltiplas crises sob as quais sofremos, temos ainda esta sombria de natureza ecológica. 

Nesse contexto voltam os pensamentos de coloração niilista como  o do Nobel em biologia Jacques Monod: “É supérfluo buscar um sentido objetivo da existência. Ele simplesmente não existe. Os deuses estão mortos e o homem está só no mundo” (O acaso e a necessidade, Vozes 1979, p.108). Ou o famoso C. Levy-Straus, que tanto amava o Brasil, deixou escrito no seu admirável “Tristes trópicos” (1955): “O mundo começou sem o homem e terminará sem ele. As instituições e os costumes que eu teria passado a vida inteira a inventariar e a compreender, são uma eflorescência passageira de uma criação em relação com a qual elas não têm sentido, senão, talvez, aquele que permite à humanidade a desempenhar o seu papel” (p.477).

         Mas será que o ser humano não é o inverso de um relógio? Este funciona em si mesmo e anda conforme seus mecanismos internos. O ser humano não é um relógio. Ele anda bem quando estiver em sintonia permanente com o Todo que o envolve por todos lados e está para além dele mesmo. Portanto, temos que deixar de lado todo antropocentrismo e assumirmos uma leitura mais holística do sentido da vida.

Diferentemente pensava o físico britânico Freeman Dyson (*1923): “Quanto mais examino o universo e os detalhes de sua arquitetura, mais acho evidências de que o universo sabia que um dia, lá na frente, nós seres humanos, iríamos surgir” (Disturbing the Universe, 1979, p. 250). Quase com as mesmas palavras o diz talvez o maior cosmólogo atual, Brian Swimme (The Universe Story,1996 p.84).

As tradições espirituais e religiosas são um hino ao sentido da vida e do mundo. Por isso observava o grande estudioso das utopias Ernst Bloch em seus dois grossos volumes, O princípio esperança: “Onde há religião aí há sempre esperança”. 

A questão do sentido é inadiável. Cito aqui o mais crítico dos filósofos Immanuel Kant: “Que o espírito humano abandone definitivamente as interrogações metafísicas (do sentido do ser e da existência) é tão inverossímil quanto esperar que nós para não respirar um ar poluído, deixássemos, uma vez por todas, de respirar” (Prolegomena zu einer jede künftigen Metaphysik, A 192, vol.3 p.243).

Porque o Cristo do Corcovado se escondeu atrás das nuvens, não significa que tenha deixado de existir. Ele está lá no alto da montanha estendendo seus braços e abençoando a nossa sofrida população.

No Brasil de hoje devemos recuperar a esperança de que o legado final da presente crise será a configuração de um outro tipo de Estado, de política, de partidos, de justiça e do próprio destino do país.

Termino com o profeta Jeremias que viveu no tempo do cativeiro babilônico sob o rei Ciro. Os habitantes da Babilônia zombavam dos judeus, porque já não cantavam suas canções e, desanimados, dependuravam seus instrumentos nos galhos dos sicômoros. Perguntaram a Jeremias: “Você tem esperança”? Ao que ele respondeu: “Eu tenho esperança de que o rei Ciro com todo o seu poder não poderá impedir  o nascimento do sol”. E eu acrescentaria não poderá impedir o amor e as crianças que daí nascerem e renovarem a espécie humana.

Semelhante esperança alimentamos nós de que aqueles que provocaram esta crise, rasgaram a Constituição e não seguiram os ditames da justiça, não prevalecerão. Sairemos mais purificados, mais fortes e com um sentido maior do destino a que nosso país está chamado em benefício para todos, a começar para os mais pobres e para a inteira humanidade.