Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

“Quem odeia o irmão é um assassino”

Edição nº 1646 - 26 de Outubro de 2018

Reina muita violência, raiva e ódio em nosso país por causa das eleições do segundo turno. O que nos escandaliza e vai contra a Constituição que afirma ser o Estado laico (não oficializa nenhuma religião nem pode ser usada partidariamente) são centros de fake news, verdadeira máquina de produção de calúnias e falsidades contra o candidato Haddad até afirmando, semelhante ao estado totalitário comunista, “a criança depois de cinco anos passa a pertencer não mais aos pais, mas ao Estado”. Quem pode imaginar semelhante absurdo de uma pessoa que vive em harmonia com sua família? Além de mentiras e calúnias suscitam o ódio.

 Aqui não vale outro argumento que o da Bíblia que certos cristãos pelo menos reconhecem, embora traiam seus preceitos.

A grande mensagem de Jesus é o amor incondicional até para com o inimigo, pois inclusive “ama os ingratos e maus” (Lc 6,35). Quem está fora do amor, está longe de Deus e atraiçoa o legado de Jesus.

Mais explícito ainda é a primeira carta de São João: “Se alguém disser: 'amo a Deus' mas odiar o irmão é mentiroso” (1João 4,20).

Num outro lugar é ainda mais peremptório: “Quem odeia o irmão é um assassino. E sabeis que nenhum assassino tem a vida eternal” (1 João 3,15).

 Pois estamos cheios de assassinos em nosso país e sabemos especialmente de onde eles vêm,  embora não exclusivamente, de um candidato que é claramente homofóbico, misógeno, inimigo declarado dos LGBTI, de indígenas e quilombolas. Prega a violência contra eles, coisa que já está sendo realizada em antecipação de sua eventual vitória em vários lugares do país por parte de seus seguidores, até com o assassinato do grande mestre de capoeira, em Salvador, mestre do cantor Gilberto Gil e de Caetano Veloso, e a violência contra uma jovem de Porto Alegre que com o canivete lhe puseram na perna a incisão da suástica nazista.

Essa atitude vai contra todo o lastro religioso cultural cristão de nosso país. São verdadeiros inimigos da pátria. Na linguagem do Novo Testamento, são assassinos.

Mas o que mais nos falta, e este foi o legado do Betinho, nosso Gandhi nos trópicos:  a sensibilidade.

Soube identificar a crise central da humanidade atual na linha do Papa Francisco hoje.

De sua boca ouvimos e de seu exemplo aprendemos que “a crise central não está na nova economia política da exclusão, nem na corrupção da política, nem na derrocada moral da humanidade. A crise axial reside na falta de sensibilidade dos humanos para com outros seres humanos”.

Ficamos todos, depois de séculos de racionalismo e de ditadura do projeto da tecno-ciência, com uma espécie de lobotomia que nos impede de sentir o outro como outro, que  incapacita nosso coração de sentir o pulsar de outro coração e nos faz cruéis e sem piedade diante do sofrimento humano e da devastação da biosfera.

Não o logos grego nem a ratio cartesiana, mas o pathos (o sentimento profundo) e o cuidado (cura em latim) que organizam as estruturas básicas da existência humana no mundo junto com os outros.

Betinho soube desentranhar essa dimensão da com-paixão, da sensibilidade, da sim-patia e da em-patia para com o destino das grandes maiorias destituídas desta humanidade em nosso país com o seu principal projeto, “Ação da cidadania contra a fome, a miséria e pela vida”.

Essa é a grande lição humanitária, ética e espiritual que nos deixou como legado imorredouro. Esta lição ainda hoje fala para o profundo de cada ser humano, onde mora o mundo das excelências como   o amor, a solidariedade, a com-paixão e a real irmandade entre todos.

Esta lição possui no contexto atual do Brasil, atravessado por ódios e raivas viscerais, extrema atualidade. Ela representaria a única cura verdadeiramente eficaz.

Como Betinho nos faz falta nos dias de hoje!

 

Leonardo Boff é filósofo, eco-teólogo e escritor