Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Não é qualquer dia...

Edição nº 1405 - 14 Março 2014

que vejo o grande Prof. José Pacheco assentado na ribalta da Casa da Cultura falando de seus revolucionários projetos educacionais, concebidos muito além da arcaica pedagogia que teima em jogar conteúdo para nossos alunos, numa frenética preparação para o vestibular, para o grande futuro, para o mercado de trabalho, para enfrentar a competição do mundo...

 

Não é qualquer dia que me deleito com uma aula tão gostosa de um português de estatura baixa, com o sotaque ainda carregado do falar lusitano, embora esteja no Brasil há alguns anos, a falar da Escola da Ponte, onde não há provas; há respeito ao tempo de aprender de cada um; vigora a autonomia do aluno, que escolhe o que quer aprender no dia a dia... sem 'grade'  curricular. Sobre o termo, me lembro de outro grande pedagogo, Rubem Alves, definindo 'grade curricular' como uma ''magnífica expressão inventada por um carcereiro que perdeu o emprego por chegar atrasado. É como a TV, o pensamento dos alunos deve seguir aquele mesmo modelo temporal''.

 

Na Escola da Ponte (que não é privilégio de Portugal, há um modelo que existe em Cotia (SP) há 17 anos, com o mesmo sucesso, alcançando índices bem mais elevados no Ideb do que as escolas convencionais públicas ou privadas) não há carteiras enfileiradas, muito menos séries, turmas ou divisão por faixa etária.

 

''A escola oferece - ensinava o Prof. José Pacheco na Casa Cultura -  educação integrada como  um todo em prol da sustentabilidade, tudo com acompanhamento de um tutor.  Com  isso, os alunos  aprendem temas diversificados, some-se a isso, a participação dos pais que acompanham o aprendizado''. 

 

Há alguns anos tive o privilégio de entrevistar o Prof. José Pacheco, quando esteve em visita ao Colégio Allan Kardec. Nos fechamos num quartinho onde funciona o Museu de Eurípedes e ali permanecemos por mais de uma hora, com direito até de recitarmos juntos 'O Operário em Construção'. A entrevista rendeu duas páginas no ET. Entre uma pergunta e outra, encantado com sua pedagogia que já conhecia há algum tempo, saí com essa:

 

Entre as quatro grandes colunas da pedagogia moderna, Comênius, Rousseau, Pestalozzi e Herbart, eu poderia incluir José Pacheco como a próxima? Imbuído da mais completa serenidade, desprovido da mínima vaidade por conta do elogio que a pergunta subentendia, ele respondeu, não. Inclua Eurípedes, o pedagogo do Amor. 

 

 Não é qualquer dia que podemos viver uma experiência dessas, com direito ainda de ouvir como debatedores, o terapeuta holístico, Roberto Crema; o Prof. Carlos Alberto Cerchi e o Prof. Frosi. E fechar a noite com o magnífico Wilson Rabelo, recitando o Quarto de Despejo, no monólogo, 'O luxo do lixo'. Que luxo!!

 

Para mim é um consolo enxergar essa nova realidade educacional, substituindo a pedagogia do medo,  conteudística. Sei que a maioria dos pais prefere as escolas que 'apertam', que preparam para o vestibular. Acho triste pensar nisso...

 

Ainda incoerente nos métodos avaliativos, as escolas continuam centradas no conteúdo. Me lembro de uma aluna aprovada em Literatura e Redação, mas que tomou 'bomba' numa terceira matéria relacionada à Língua Portuguesa, Gramática, porque ela não soube classificar uma 'Oração subordinada substantiva completiva nominal' e outras mazelas da dita, 'norma culta da língua'.  

 

Abordando essa pedagogia ultrapassada, num dado momento, perguntou o Prof. José Pacheco: ''Quem sabe quais são os afluentes da margem esquerda do rio Amazonas? Quem sabe diferenciar uma 'anástrofe' de uma 'sínquese'? Foi um silêncio geral! Um amigo me perguntou baixinho: ''Isso é Biologia, coisa do coração?''. Não, infelizmente é coisa de Língua Portuguesa, mesmo, respondi.

Pena que não havia nenhum diretor, nenhum professor entre o público. 

(WJS)