Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Que nem o Papa... vou me aposentar

Edição nº 1349 - 15 Fevereiro 2013

Percebi neste carnaval que devo dependurar as chuteiras, que nem fez o santo padre, Benedito XVI. As forças, nem tanto, mas as ideias já não me doiram mais a cabeça; ao contrário, me endoidam o velho cérebro. O que vi e ouvi, o que vejo e ouço a cada dia mais me afasta da imagem glamourosa dos belos carnavais.

 

Sou do tempo em que belas mulatas e negros malhados desciam em cordões do Terreirão para o centro da cidade provocando a indômita e pacholenta Passa Perto, cuja sociedade branca do Sacramento Clube recebia seus músicos negros pelas portas do fundo, proibindo-os de descerem pelas escadas da ribalta.

 

Sou do tempo em que o Tóti (Antônio Martins de Souza) compôs o samba 'Morreu Conceição', no Bar do Ledo, meu saudoso pai, ritmando a cadência numa caixa de fósforo: “Morreu, morreu Conceição. / A saudade ficou no meu coração. / Ai, ai, ai, ai que dor! A rainha morreu. Nosso rei é o Azor!”

 

Venho alimentando essa ideia da aposentadoria não é de hoje. Mas cheguei ao limite neste carnaval. Cedo meu lugar à nova geração de internautas e amantes do hip hop, cujos ouvidos foram geneticamente modificados para suportar o som ensurdecedor de um trio elétrico, de não sei quantos decibéis, que massacram meus tenros ouvidos. Que nem o papa, vou me aposentar.

 

Quando o trio passa, suavizo meus tímpanos protegendo-os com os dedos a espera de uma marchinha, de uma canção do tipo, 'Oh, quanto riso, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão, arlequim está chorando pelo amor da colombina, no meio da multidão...”  E o que ouço é a degeneração do que foi o Sertanejo, travestido sob o nome de Sertanejo Universitário: 

“Gatinha assanhada, cê tá querendo o quê?

Eu quero mexer, eu quero mexer.

Com dedinho na boca, ela tá pirada...”

Eu vou acompanhar o santo padre e vou me aposentar. 

 

Mesmo assim, honrando a agradável companhia dos amigos, curtindo os momentos entre um uísque e seis latinhas de energético, de repente, para espanto meu, vejo um padre de batina, com cordão franciscano rodeado de belas gordinhas e, nas costas o desenho de uma vassoura...  (U, lá, lá, era fantasia). E o arremedo de Samba, travestido em axé, mandava ver na bela voz da gordinha Ludmila: 

“É gordinha, mas é gostosa.

 É gordinha, mas é gostosa. 

 Tão gordinha, mas é gostosa”. 

Que nem o papa, eu tenho que me aposentar. 

 

De repente, espichando o pescoço pra trás para alcançar a altura do trio, vejo nossos jovens e animados alcaides cantando felizes com o copo na mão... Meu Deus, estamos ainda em campanha? – me pergunto. E animados com a jovem torcida que explodia na avenida atrás do trio, acompanhados pelo presidente da Câmara, também no palanque, e o coro dos vereadores de sua base, vibravam com Ludy: “A cor do meu batuque / Tem o toque, tem o som / Da minha voz / Vermelho, vermelhaço / Vermelhusco, vermelhante / Vermelhão...”. Não dou conta, vou me afastar para uma capela particular que nem o papa.

 

Com prazer, sentindo-me ultrapassado, na obsolescência dos que teimam permanecer ávidos de uma cultura verdadeira, cedo meu espaço aos políticos que corajosamente entram eufóricos e felizes na folia, dançam com as folionas, dão até uma agachadinha, fazendo poses e esbanjando mil sorrisos para registros em capas e manchetes. Estou mesmo arcaico, vou me aposentar que nem o papa.

 

No rescaldo final do arrastão, leio a conta a ser paga pelo poder público, R$ 600 mil.  Investimento transformado em incremento ao setor turístico, injetando não sei quanto – dados ainda não revelados – na economia do município. Que seja! Mas eu construiria uma creche... Não dá mais, vou me aposentar com o papa longevo.

 

Para me redimir da aversão hip hop do momento, me lavar interiormente da imagem satírica que me impregna, da linguagem gestual e gráfica, verbal e musical, da dança, cores, fantasias, expressão mais pura e genuína de nossa gente, que reluto em aceitar do modo como é explorada no carnaval, vou à Missa da 4ª Feira de Cinzas, para um 'indulgement' final. No silêncio de meus pensamentos, aguardo o início da cerimônia, quando levo um susto ao ver nosso jovem vice-prefeito entrando de bicicleta pela nave central da igreja, de calção, camiseta e o Evangeliário nas mãos... 

 

Definitivamente, como Bento XVI, vou me aposentar. 

(WJS)