Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

“Em Que Crêem Os Que Não Crêem”

Edição n° 1329 - 28 Setembro 2012

“Em Que Crêem Os Que Não Crêem”, é o título de um interessante livro publicado em 1996, cuja leitura exige muita concentração e reflexão. Na verdade, não se trata de um livro propriamente dito, mas de uma troca de cartas entre o escritor italiano Umberto Eco e o Cardeal Carlo Maria Martini (falecido recentemente e que chegou a ser cogitado para a sucessão do Papa João Paulo II), nas quais Umberto Eco que, como ateu, levantava questões que costumam inquietar o seu mundo interior.

 

Foi então, a partir dessa leitura, que tal pergunta ficou martelando na minha cabeça: afinal, “em que crêem os que não crêem?” É possível existir alguém que, em nenhum momento de sua vida não ore? Não creia? Não se perceba integrado numa dimensão universal que ultrapassa o seu pequeno e limitado horizonte? O seu entendimento? 

 

Caso essas pessoas existam e sei que existem, gostaria de perscrutar os seus corações nos momentos das grandes inquietações humanas, como, por exemplo: na espera do nascimento de um filho, na aflição de um avião prestes a cair, ou de um prédio em chamas, ou na iminência da perda de uma pessoa amada. 

 

Que palavras sairiam de seus lábios? Como estariam sendo processadas suas emoções?

 

Se considerarmos as intensas pulsões de vida e morte existentes em todo ser humano, e se considerarmos ainda que nesses momentos em que vida e morte travam duelos de atração e repulsão, perguntamos: qual o apelo consciente ou inconsciente que surgiria como elo de sustentação para tais pessoas? Onde colocariam os seus pontos de apoio?

 

Segundo Max Schiller, filósofo alemão, “A religião é a mais radical de todas as disposições e capacidade do espírito humano”. Nesta mesma direção, estudiosos da História das Religiões concluem que “a religiosidade tem o seu enraizamento na natureza humana e se apresentaria como se fosse impulsos da alma humana em direção ao Absoluto”. 

 

Se tomarmos por base tais afirmações e aceitarmos a religiosidade como fazendo parte da natureza humana, a conclusão óbvia seria que, sem ela, o ser humano se fragmentaria.

 

Por tudo isso, fiquei a pensar nos que não crêem, nos que não oram e naqueles que não se sentem “atados” a um ser superior. E, pensando neles, volto a perguntar: em quais realidades se apóiam? Em quais espaços dos seus escaninhos mentais encontram arrego?

 

Há uma passagem no Evangelho em que Jesus nos compara aos ramos de uma videira: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai o agricultor. 

 

Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará...... Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” Jo 15,1-5.

 

Nesse tempo de tanta busca e tanto afastamento de Deus, nesse tempo de tantos falsos profetas “treinados” para ludibriar os menos esclarecidos, penso ser oportuno voltar o olhar para os que não se sentem “atados” a um ser superior e pedir a Deus a graça de fazer passar, pelos seus corações, a seiva da videira, de tal forma a torná-los (ainda que não creiam, não necessitem e nem peçam), a plenitude e serenidade que só a fé pode nos conceder.

 

 

(*) Mariú Cerchi Borges é educadora