Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Robertinho Gribel: fala de suas paixões por Sacramento

Edição nº 1403 - 28 Fevereiro 2014

O menino Roberto Gribel de Carvalho apareceu em Sacramento já no comecinho da adolescência, um moleque. Me tornei amigo dele por uma paixão que nos unia, a música. Longe de comparações, claro. Ele tem o grande dom de cantar e compor. Hoje, com mais de 50 composições inéditas, nunca correu atrás de alguma gravadora ou mesmo de um cantor para comercializá-las. “Nunca me dei a esse trabalho de procurar alguém para gravar minhas composições. Muito menos me servi da Globo ou de alguém lá dentro para levar minhas músicas a esse ou aquele cantor. Foi sempre um hobby.  Sou assim”, me respondeu, em um belo encontro na praia de Ipanema, bem junto à rua Vinícius de Moraes, o poetinha que compôs ali aquele elogio eterno a Helô Pinheiro, então uma garota...  Modestamente, debaixo de toda minha mediocridade musical, tive o privilégio de fazer parte da banda, 'Os Corujas', junto a grandes feras. Ele próprio, o Gribel, nos seus belos 15 anos, com sua guitarra base; Biro, no sax; Cilmo Alencar, no trompete; Lelinho Pucci, na guitarra;  Roberto Crema, na guitarra solo; Shiro, guitarra e, Peroba, no baixo, me substituindo, quando fui estudar fora.  Tempos inesquecíveis. Gribel deixou Sacramento em 1975 com a transferência do pai, José Dauro Costa de Carvalho (Maria Gribel), funcionário do Banco do Brasil, para Brasília. Só retornou a Sacramento 18 anos depois, na festa dos 40 anos de Os Corujas, em 2006. E se Maomé não vem a montanha, a montanha vai a Maomé. Aproveitando as férias desse verão quentíssimo, fui me encontrar com ele no Rio. Foi gostosíssimo. Veja o papo.

 

ET – Como é que uma família tipicamente carioca veio parar na mineira Sacramento? Aliás, na época, a cidade tinha o apelido de 'Passa Perto', lembra?

Gribel – Sim, foi interessante a forma como cheguei a Sacramento. Papai era delegado sindical do Banco do Brasil, e uma vez prenderam algumas pessoas do sindicato e papai foi  um dos funcionários demitidos por conta da prisão.  Ele recorreu e o  banco voltou atrás, mas ofereceram cidades distantes do Rio para ele trabalhar: São José do Rio Preto, Uberaba, Araxá e Sacramento. Papai foi sozinho conhecer cada uma das cidades e escolheu Sacramento e mudamos em abril de 1966. Eu tinha 11 anos e me lembro que ninguém queria ir, minha irmã Ângela tinha um mês e Andréia nasceu na virada do segundo tempo do jogo Brasil x Itália,  na Copa de 70. Regina e Márcia já eram  crianças também. Depois nos apaixonamos por muitas coisas: as fazendas, poder andar sozinho nas ruas, conhecer todo mundo...


ET - São tantas as lembranças, heim Gribel? Nos falta um livro para contar aquelas histórias do final dos anos 60, do moleque franzino que tocava guitarra com a mão canhota, coisa meio rara, assim como Paul Mc Cartney... E assim como chegou, de repente, sai deixando um vazio... e uma história por contar. 

Gribel - Então, seis anos depois papai foi transferido para Brasília. Todos acompanhamos. Já no início da juventude, alimentando um velho sonho de trabalhar numa emissora de TV, fui logo à Globo, mas exigiam experiência. Então tive que começar por baixo, ingressei numa emissora de TV pobrezinha, quase na falência, a TV Rio, de Brasília, que era filial da TV Rio, do Rio de Janeiro. Trabalhei lá um ano e meio, não recebi um salário sequer, mas assim que a emissora fechou as portas fui chamado para a Globo. Isso, em 1974. Meu pai se aposentou, veio para o  Rio...

 

ET - E vocês acompanharam?

Gribel - Menos eu, por conta do serviço. Fiquei em Brasília mais dois anos com um único objetivo, me firmar na  Globo para poder conseguir transferência para o Rio, o que aconteceu em outubro de 1976. Uma coisa marcante nessa transferência aconteceu logo depois que cheguei ao rio, em outubro. Em novembro, houve um grande incêndio na TV Globo, que tomou a decisão de redistribuir todos os seus setores. Eu tive oportunidade de trabalhar na engenharia desde o comecinho, de como se monta uma emissora, os  equipamentos mais básicos, até botá-la no ar.


ET- E nessa leva criaram o Projac. Chegou a trabalhar nesse projeto?

Gribel – Sim, em 1990 fui escalado para o projeto do Projac, o setor de produção da TV Globo. Olha, foram 37 anos dentro da emissora, de 76 a 2003, nesse período tive a oportunidade de participar  de grandes produções e transmissões de todos os  carnavais, Corrida de São Silvestre, Fórmula 1 e grandes coberturas, como por exemplo, as Diretas Já, o  11 de Setembro. Fui o supervisor responsável por toda a equipe que instalou o sistema da casa dos dois primeiros Big Brother. O BBB 1 foi muito especial para mim, porque montamos a casa em tempo recorde, 40 dias, por causa da concorrente que decidiu fazer  um programa semelhante. Foram noites e noites sem dormir e foi aí que comecei a me questionar se realmente valia a pena, na minha idade.  

 

ET - Principalmente na montagem de um programa que não te leva a nada... Às vezes, eu me pergunto, como é que o Pedro Bial, um jornalista/repórter tão competente, inteligente, se presta a um programa tão ridículo...

Gribel – Olha, eu também confesso que tenho um certo preconceito contra esse Big Brother. Não gostei desse programa e com o excesso de trabalho que tive com ele, foi a gota d´água. Antes de começar  o BBB 3 saí fora.   Enfim, minha vida profissional foi isso. Hoje  estou mais tranquilo, trabalhando  com empresa de automação residencial, cuidando da parte técnica. Hoje, acho que tenho mais qualidade de vida que quando trabalhava na TV Globo. Não tenho pique pra virar madrugada, passar três noites sem dormir...


ET - Tudo veio meio cedo na sua vida, né, a guitarra, o trabalho, até o casamento...

Gribel - Tudo, eu me casei em 1980, aos 24 anos com a Márcia, uma mulher maravilhosa que me prende até hoje, aliás uma coisa rara. Tenho irmã, amigos que estão no terceiro casamento e eu com a mesma. Isso é raro (risos). Temos dois filhos,  André  (29) e Yuri (27). André seguiu os passos do pai, gosta de arte e televisão. Já o  Yuri é engenheiro de produção. André casou-se em setembro e Yuri mora conosco  e estou fazendo a cabeça dele pra não casar. Quero ser avô, mas ele pode pular essa etapa do casamento (risos). André já se casou e saiu, não quero que o outro também saia. Por mim ficaríamos todos na mesma casa.  

 

ET - Até que ponto a música e aqueles poucos anos de Sacramento te marcaram?

Gribel - Para sempre. Cantar, compor, tocar violão é uma forma de eu não perder a ligação com o meu passado. Eu não queria perder isso, decidi dar continuidade e comecei a regravar as músicas antigas. Terminando isso,  vi que faltava ainda alguma coisa e até hoje componho. Claro,  tenho meus momentos, ora me dedico muito, ora menos, mas de tempos em tempos, estou sempre voltando à música, sempre mantendo o meu estilo, aquela coisa meio misturada com protesto, jovem guarda, que é a minha referência musical. 

 

ET - Juntando tudo, teríamos um álbum de mais ou menos quantas composições? E por que ainda ninguém gravou o Roberto Gribel, você sempre esteve ali no meio das feras, na rede Globo?

Gribel - Com certeza, mais de 50. E, na minha avaliação, umas quinze ou vinte são de muito boa qualidade. Olha, esse meio é muito complicado, além de ser muito competitivo. E você tem que correr atrás. E eu, na verdade, nunca me dei a esse trabalho de procurar alguém para gravar minhas composições. Muito menos me servi da emissora ou de alguém lá dentro para levar minhas músicas a esse ou aquele cantor. E mais, nunca tive isso como um objetivo de minha vida, foi sempre um hobby.  Sou assim.

 

ET - E teve um lado também na sua vida que até bem pouco tempo eu desconhecia. O Roberto Gribel escritor, com um profundo conhecimento da atuação da Força Expedicionária Brasileira – FEB, na segunda grande guerra, que lhe rendeu um livro, com o sugestivo nome, 'Cruzes de Pistóia'. Mas que não autorizou a publicação. Por quê? 

Gribel - Por conta da censura!! (risos). Mas eu explico. Não foi propriamente uma censura, uma sugestão que não aceitei. Escrevi esse livro sobre a FEB em 1995. É o resultado de uma pesquisa documental nos quartéis e arquivos históricos do Exército, pesquisa a que sempre me dediquei aqui no Rio e resolvi colocar no papel, mas nunca tive a pretensão de publicar o 'Cruzes de Pistóia'. Pistóia é o cemitério onde foram enterrados  os 467 brasileiros mortos na Segundo Guerra Mundial. No livro, resgato a história de como  morreram esses soldados, conseguindo reunir muita coisa inédita. 


ET - O Exército ficou sabendo da obra? Não se interessou? 

Gribel - Uma vez, a Bibliex (Biblioteca do Exército Editora) me procurou e pediu para ler os manuscritos e logo de cara censuraram três  capítulos. Eles até fizeram uma proposta para publicação pela Bibliex, de uma pequena tiragem, mas sem os três capítulos. Não tive interesse. Eu lhes respondi: 'Publicar o que todo mundo já sabe, não me interessa'. Assim música e pesquisa ficam como hobby. Mas essa pesquisa já me rendeu participações em programas com o Jô Soares, 'Espaço Aberto', do Chico Pinheiro e 'Aquarela do Brasil', do Jayme Monjardin.

 

ET - Se Pistóia te lembra cruzes, guerra, sangue, censura... Sacramento te lembra o quê?

Gribel - Tudo o que não é cruz, sofrimento, censura... Sacramento me lembra 'Os Corujas', música, amizades verdadeiras, madrugadas... Meu amor pela cidade é imenso. Diria até uma fixação, um hobby. Mantenho uma página no feicebuque exclusivamente para falar com os amigos de Sacramento, são mais de 40 pessoas, diariamente. Acompanho a cidade, a vida dos amigos, trocamos ideias. Sei dos canteiros, dos lixões, das escolas fechadas...  

 

ET - Vejo que você 'curte', mas não faz comentários...

Gribel - Não, não dou opiniões, apenas me divirto e vejo que a comunidade continua ativa como nunca. No meu tempo brigávamos por conta da meia entrada no cinema do Dr. Amur... Eu me lembro que me contavam sobre um grupo de estudantes da ODUS, a Organização dos Universitários de Sacramento, que fez o enterro simbólico do prefeito da época, queimando um caixão em praça pública... Mas encaro todas essas manifestações, a exceção de toda a violência, tudo é muito salutar, um direito legítimo de manifestação do pensamento, isso se chama democracia. 

 

ET - Que coisa, né, éramos todos taxados de 'subversivos', por uma militância aberta, manifestações inteiramente pacíficas, sem quebradeiras, sem 'black blocs'...

Gribel - Mas o país vivia os horrores do AI 5, que é de 68, por isso a década de 70 foi apelidada de 'os anos de chumbo'... Eu era ainda adolescente, mas sentia aquela influência. Você e outros foram referência na questão de minha politização. Afinal, eu era uma pessoa que não queria saber dessas questões, mas a convivência me ajudou a criar uma consciência política. Aí, saí de Sacramento, fui para Brasília...


ET - E como foi viver na corte sob o jugo da ditadura militar?

Gribel - Lá, eu me envolvi em diversos movimentos e ainda hoje estou convicto de que Sacramento me ajudou muito nisso também. Sacramento ainda é uma referência para mim e será por toda minha vida. Acho que os melhores momentos da minha vida foram os seis anos que passei em Sacramento. 


ET - Olha, foi muito bom te ver. Qualquer dia a gente se encontra outra vez, com mais tempo, até prá cantar, “E madrugada, eu na cidade em plena rua, o céu negro uma pequena lua, mil estrelas a contar...” (WJS)