Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Entrevista: O Curinga

Edição nº 1560 - 03 de Março de 2017

O ex-semininarista Curinga, Antonio Carlos dos Santos, 58, sacramentano, volta e meia está na cidade curtindo a família, a mãe Maria José, o pai Eurípedes Sebastião dos Sajtos (Nico Doceiro) é falecido. Dos 13 irmãos, dez ainda vivos, alguns morando em Sacramento. “Então, não tem como não vir a Sacramento pelo menos uma, duas vezes ao ano”, justifica em entrevista ao ET, recordando os bons tempos em que foi seminiarista na cidade e em Aparecida, até que foi flechado pelo cupido... 

Fez a vida como Segurança do Trabalho nos arredores de Aparecida, mas há oito anos está no Piauí.

Vocação e Padre Saul

“Nós morávamos numa chácara, que era do Azizinho. Família católica, de missa dominical. De manhãzinha, mesmo morando na zona rural, papai e mamãe pegava a meninada toda e nos trazia a pé para a missa, uns três, quatro quilômetros. E eu ficava encantado com Pe. Saul e pensava: 'quero ser padre'. Em casa, toda noite rezávamos o terço e eu já com nove anos, puxava o terço. Azizinho vendeu a fazenda para o  padre Saul e assim que ele se apresentou como dono da fazenda, mamãe conversou com ele sobre meu interesse. Ele veio ter comigo e perguntou se eu queria Sacramento ou Uberaba e é claro que eu queria ficar aqui com os redentoristas. Só aqui em Sacramento foram cinco anos”.

 

Os colegas de sala

 Curinga recorda que padre Magalhães era o diretor do Seminário do Santíssimo Redentor na época e no ano seguinte chegou padre Alberto Pasquoto. “Naquela época eram vários sacramentanos no seminário: Fausto, Ninfo (Bingo), Nelsinho (Nelson Santana), Paim, Mário Luiz (Gato, que foi ordenado padre, depois desistiu), Marcos Jerônimo, Luiz Carlos Santana, Divizinha, Osvani, (que é padre diocesano). Mas havia outros seminaristas de fora, como o Darci, Wilson, Otavinho, José  Carlos (Queixada), Pedro Donizete (Japonês), Natanael (Santo e Capeta)... Éramos uma turma grande”, destaca e lista também os professores da época. 

 

Professsores

“- É importante destacar que a nossa turma, de 1970 a 1974, foi a última de internos a estudar no seminário, com o curso regular do antigo ginásio, da 5ª à 8ª série. Os novos seminaristas passaram a estudar na Escola Coronel. Os professores da cidade iam lecionar lá e me lembro de todos: dona Doralice (História), Padre Magalhães (Português), o promotor Ivan Chaves Ivo (Francês), Walmor (Artes/Teatro, Educação Física), dona Cristina Mc Sorley (Inglês), dona Leda Melo (Geografia), Élade do laboratório (Ciências) e Sérgio Furtado (Matemática).

A  Sandra Almeida era a secretária. A formação religiosa ficava por conta, primeiro do padre Magalhaes e já no meu segundo ano chegaram os missionários, Pe. Alberto e Pe. Everson. Padre Alberto chegou da França e veio para Sacramento.  Terminado o ginasial, no ano de 1974, Curinga fui para o Seminário Santo Afonso, em Aparecida, cursar o segundo grau e lá fiquei  dois anos e meio...”.

 

Flechado pelo Cupido

Os estudos continuaram dentro do Santo Afonso. Fez o 1º ano do Colegial, o 2º e metade do 3º ano quando, de repente, foi flechado pelo Cupido. Antonio apaixonou-se por Maria José, a Majô. “Apaixonei-me pela mãe de meus filhos, Carlos Augusto e Sofia. Minha vocação era outra. Eu estava iniciando o terceiro ano. Depois de conversar muito com meu orientador espiritual, Pe. Luiz Carlos de Oliveira, decidi sair. A Majô trabalhava na editora Santuário. Eu tinha 22 anos, ela 34, quando nos casamos na Igreja Santa Rita.  Pe.  Alberto estava celebrando nosso casamento, quando Pe. Júlio Negrizzolo chegou e concelebrou. Fomos morar em Moreira César.  Ficamos casados 16 anos, tivemos um casal de filhos lindos, que já nos deram um casal de netos. Somos separados, mas somos amigos”.


Coringa, o saci do baralho

E apelido era o que não faltava entre os seminaristas. “Na época, o coringa no baralho  era um sacizinho e eu era o único seminarista negro. Em um desses jogos, o Bené me botou o apelido e pegou. Esse apelido vem desde 1970. Naquela época não tinha essas coisas de preconceito que tem hoje. Eu nunca levei para esse lado e todo mundo me chama de Curinga, com ‘u’ mesmo”, recorda, lembrando que deixou de ser padre, mas continuou cuidando das pessoas. 

“- Profissionalmente, minha vida é cuidar dos outros. Digo que Deus me tirou da parte espiritual, em termos, e me colocou para cuidar das pessoas fisicamente.  Fui sargento do Exército em Lorena, durante seis anos. Depois, fiz o curso de Técnico em Segurança do Trabalho e cursei faculdade de Direito. Morei no Vale do Paraíba por 35 anos e meus filhos ainda moram em Moreira César”. 

 

De São Paulo para o Piauí

Aposentando-se pelo INSS, depois de 37 anos de contribuição, entre o Exército e a Segurança do Trabalho, Curinga empregou-se na Odebrecht como chefe de Segurança de Trabalho, trabalhando nas obras da região sudeste. Em 2004, passando férias com amigos da empresa que moravam no Piauí, foi conhecer Teresina. 

“Foi o primeiro passeio que fiz na vida. Eu viajava muito, mas visitando parentes. O mais era trabalhar, trabalhar... E como eu gostava muito de Geografia, alimentava esse sonho de viajar. E a oportunidade chegou. Eu estava numa obra na Petrobrás e houve um recesso de 15 dias no final do ano, quando todos os nordestinos voltavam às suas casas, às expensas da empresa. Mas eu paguei a passagem e foi maravilhoso. Fui tratado como um rei lá, cada dia na casa de um”, conta, revelando que mais uma vez foi 'flechado'. 

 

Mais uma vez flechado

“- E lá me apaixonei pelo lugar  e pela Silvana que conheci no primeiro dia em que cheguei. Logo que chegamos, a Silvana, amiga de vários colegas de trabalho, logo se  interessou e fomos apresentados... Resultado: há oito anos estamos juntos. Moramos num  distrito, município de Nossa Senhora de Nazaré, próximo a Campo Maior e a 80 km de Teresina”, informa.

Além de um novo amor, no Piauí, Curinga realizou um outro sonho. “Eu estava me preparando para aposentar e queria ter uma terrinha. Queria uma terra, mas não aquela do cemitério (risos).  Eu queria retomar minhas raízes, ir morar na roça. E lá achei terra barata, e comprei um sítio, onde moramos. Fui transferido para uma obra no Piauí e continuei trabalhando na empresa, enquanto Silvana administra o sítio. Temos verduras,  frutas nativas como o caju, coco, siriguela, umbu, limão, guariroba, pequi e criação de galinha. Lá é uma região de semi-cerrado, e fica a 15 km de Campo maior”. 

 

A religiosidade

“A religiosidade ainda é mantida. Quando morava no estado de São Paulo nunca abandonei minha igreja, era uma pessoa engajada. Hoje, mantenho a mesma religiosidade e espiritualidade, mas a frequência não é a mesma. Onde moramos há missa uma vez por mês. Quando eu estou no trecho, como estive nessa última obra, 120k distante da cidade, o padre ia celebrar no canteiro de obras uma vez  por mês. Mas na obra, em qualquer profissão que exerci, o espírito de servir sempre foi forte em mim. As pessoas me procuram para trocar ideias, pra falar de suas angústias...”, diz.

E, sempre vou a Aparecida e encontro por lá vários padres da minha época e ex-colegas de seminário como padre Darci, Pe. Inácio, hoje provincial; Dom Majela, que é bispo. E, infelizmente perdemos muitos, como o padre Arthur Bonotti, que celebrou a missa da minha primeira comunhão aqui, Magalhães, Beltrame que pregou muitos retiros para nós, seminaristas . Estive aqui com eles, na festa dos 50 anos do seminário. E, os ensinamentos dos redentoristas me acompanham pela vida toda. Tempo bom aquele, lembro-me até hoje da peça Alienados que fizemos aqui e levamos para Aparecida”. 

 

Voltar a Sacramento

Para Curinga, voltar a Sacramento duas ou três vezes por ano é uma bênção. “Aqui estão minhas origens. Sou muito grato á família em que nasci e ao seminário. Tudo o que sou devo à minha família e aos redentoristas e, deixo um agradecimento especial aos meus pais e irmãos, que me ensinaram os caminhos da verdade e do amor. A dona Benedita que me ensinou as primeiras letras do alfabeto.  

Um agradecimento especial também a pessoas que sempre me incentivaram, apoiara e foram presença na minha vida. A minha   Madrinha Oralda Manzan; famílias Loyola/Crema; Padre Saul; Dona Lili, Sr.Waldemar Carneiro e suas filhas Márcia e Mariângela; Família Vicente Félix;  Padre. Alberto Pasquotto e a muitos outros amigos. Sou muito grato a todos”.