Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Entrevista: Dom Orani

Edição nº 1497 - 25 Dezembro de 2015

O cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta esteve em Sacramento pela segunda vez, no último dia 16, para o encerramento das celebrações dos 20 anos de ordenação sacerdotal do pároco, Pe. Sérgio Márcio de Oliveira, amigo do cardeal desde os tempos em que trabalharam juntos em São José do Rio Preto.  Acompanhado pelo jovem sacerdote, ordenado há dois anos, Márcio Luiz da Costa, natural do Rio de Janeiro, que veio pela primeira vez ao Triângulo/Alto Paranaíba, ambos foram recebidos na Basílica do Ssmo. Sacramento Apresentado pelo Patrocínio de Maria, como os primeiros peregrinos no Ano Santo da Misericórdia.
Dom Orani chegou à cidade na tarde de quarta-feira 16 retornou ao Rio na madrugada seguinte. Após a concelebração eucarística com Pe. Sérgio e mais 20 sacerdotes da região, pernoitou em Uberaba, e, às 5h da  manhã de quinta, embarcou no vôo para o Rio. Mas houve tempo para uma coletiva com o imprensa.

 

ET – Agradecendo a oportunidade, Dom Orani, iniciamos com uma pergunta de um paroquiano. 'Qual o papel do cardeal dentro da Igreja, além da eleição do Papa'?
Dom Orani -
Os cardeais somos conselheiros do Papa, temos presença não só na eleição, mas também nas congregações, nos pontifícios e nos conselhos romanos e, também, quando o Papa solicita, num consistório, que é uma reunião para dar assistência ao  nas suas decisões. O Papa tem os consistórios ordinários, que são as reuniões de cardeais presentes em Roma, e os consistórios  extraordinários, quando se reúnem todos os cardeais do mundo. Então, nossa responsabilidade não é só a eleição do Papa, mas estarmos juntos ao Santo Padre, nas suas necessidades, preocupações e no seu cuidado com toda a igreja.

ET - Cardeal é o último titulo antes do Papa?
Dom Orani -
Sim. Cardeal é um título que, antes de ser Papa, é o último que existe na Igreja, mas ele não muda a essência. Eu por exemplo, sou um padre que me tornei bispo e sou arcebispo do Rio de Janeiro, que tenho o título de cardeal. Todos os título, exceto o de padre, que é por ordenação, todo bispo, arcebispo, cardeal são nomeados pelo Papa.

ET - Retornando a Sacramento, após sua primeira visita para a inauguração da Basílica, desta vez, para festejar com o velho amigo, Pe. Sério, seus 20 anos de sacerdócio. Que mensagem o Sr. está trazendo ao pároco e aos sacramentanos?
Dom Orani -
Primeiro, de agradecer o dom da vida e da vocação, porque celebrar um jubileu de sacerdócio é sempre uma oportunidade de agradecer a Deus, pelo dom que Deus lhe deu de poder servir a Igreja ao lado povo. E, para o povo de Sacramento, a importância dessa proximidade de valorizar os dons e a graça que tenho, na presença do padre e, pedir que rezem pelas vocações.

ET – Uma pergunta de um assinante, Dom Orani. É difícil ser cardeal numa cidade como o Rio de Janeiro, onde vemos tanta violência?
Dom Orani -
Primeiro, a dificuldade não é só para o cardeal, em todo lugar do mundo tem violência. Ocorre que o  Rio é muito visado, visibilizado e visualizado pela mídia e tudo o que acontece é divulgado. Existe, sim, a violência, mas existe também muita coisa boa no Rio de Janeiro. E, não por ser cardeal, mas por ser arcebispo da cidade,  a gente tem uma grande responsabilidade, somos uma liderança que temos de ter voz nas várias situações que existem na cidade, as preocupações com a segurança, a vida, a dignidade da pessoa e, ao mesmo tempo, com as orientações cristãs que fazem com que as coisas mudem.

ET - Durante esse tempo em que o Sr. está no Rio já sofreu algum tipo de violência?
Dom Orani -
Sim, já fui assaltado duas vezes, mas não sou exceção na cidade, muitos são assaltados, não só no Rio de Janeiro. Temos que ver que temos construído no mundo e, também no Brasil, uma sociedade em bases que têm levado a uma maior violência, a uma maior insatisfação. Há problemas sérios. Cabe a nós repensarmos, reexaminarmos que tipo de sociedade estamos construindo, em que há tantas exclusões, tantas insatisfações e violência. Que caminhos temos tomado nas escolhas que temos feito.

ET - Na sua visita ao Brasil, o Papa Francisco recomendou aos bispos das dioceses mais agitação. Disse ele: 'Eu quero agito nas dioceses. Saiam às ruas como fez Jesus. Se a Igreja não sai às ruas ela se converte numa ONG'. As dioceses ficaram mais agitadas depois da visita do Papa, Dom Orani?
Dom Orani -
Essa missão da Igreja de evangelizar é própria dela desde que Jesus enviou os seus discípulos para anunciar o evangelho, de casa em casa, de cidade em  cidade. E, a cada época, é necessário retomá-la. O Papa Francisco retomou alguns aspectos que achava importantes para o nosso tempo, e um deles é a Misericórdia e o outro, a  Missionariedade,   isto é, para não ficar fechado na sacristia e ir evangelizar de casa em casa, ir às ruas. E eu vejo que a motivação que o Santo Padre tem dado tem levado muita gente, jovens, adultos, idosos, casais, solteiros a irem evangelizar. Por exemplo, nossa arquidiocese enviou, dia 13, domingo passado, 90 jovens para evangelização num morro do Rio de Janeiro. Então, vemos que há muita motivação e disponibilidade em relação a isso. A palavra do Papa tem motivado a renovação daquilo que a Igreja deveria ser, que é uma Igreja Missionária.
 
ET - Hoje, para cuidar da Terra, como nos sugere o Papa Francisco, através da encíclica 'Cuidado da Casa Comum', exige-se uma conversão ecológica global. Diz ele que esse propósito jamais será alcançado se não amarmos efetivamente a Terra como nossa Mãe...  Após a encíclica, após a COP 21, qual o papel prático que a Igreja está tendo junto aos seus fieis para 'cuidar de nossa casa comum'?
Dom Orani -
No Brasil, temos na campanha da Fraternidade vários temas sobre a ecologia, a água, a terra e que têm dado excelentes resultados. Agora, com a palavra do Santo Padre, na Laudato Si, teremos muito mais ainda. Temos já na Igreja, a Pastoral da Ecologia, a Pastoral da Terra e outras pastorais ligadas à preocupação com o meio ambiente, a casa comum, como lembra o Papa. E isso tem chamado as pessoas à conversão, isto é, a serem mais responsáveis  com a limpeza, saber utilizar a água, a não  poluir, ou seja, nas questões do dia a dia do cristão, em relação à casa comum. Mas, infelizmente, o mundo com a sua ganância, a preocupação apenas com o dinheiro, tem levado a uma exploração desenfreada da natureza que tem dado problemas na questão ecológica. A Igreja, como profeta que é, tem chamado a atenção para que se mude essa mentalidade, de apenas usufruir da terra sem respeitá-la, porque a Terra, como diz o Papa, é herança do futuro, ou seja, temos a obrigação de conservá-la para os filhos e netos, as futuras gerações, uma terra que seja habitável.

ET - Foi preciso um Francisco para voltar lá no século XII e buscar São Francisco (1182/1226) que já cantava esse cuidado com o Cântico das Criaturas, louvando e agradecendo a Deus pelo “Irmão Sol, Irmã Lua”... Perguntamos: A encíclica papal representa uma redescoberta de  Francisco de Assis?
Dom Orani -
Essa questão de respeito à Terra, vem desde o antigo Testamento. Naquele tempo, a cada sete dias, havia um dia de descanso. A cada sete anos, havia o ano sabático, em que não se plantava, era o ano de a terra descansar. Então, essa tradição judaico-cristã, muito antiga, foi sendo esquecida... Esses cuidados foram abandonados e precisam ser rememorados, retomados e é isso que o Papa tem feito,  e o mesmo aconteceu com São Francisco. Na época do Concílio Vaticano II, surgiram muitas comunidades, grupos religiosos e de leigos inspirados em São Francisco, todos com o intuito de reavivar o franciscanismo na sua origem, de maneira prática. O  Papa, por se chamar Francisco, quis retomar e chamar toda a Igreja a preocupar-se com o pobre  e a casa comum, dentro desse trabalho redescoberto na Igreja,  por pessoas que vivem o franciscanismo, além da Ordem Franciscana. O Papa, assumindo essa responsabilidade, torna mais visível esse assunto, tanto do cuidado com a casa comum, como com a vida dos mais necessitados, os excluídos.

ET - Mais uma pergunta de um assinante. Como cardeal, além de votar no Concílio para escolha do Papa, o Sr. pode também ser votado e escolhido. Dom Orani, o Sr. tem vontade de ser Papa da Igreja Católica?
Dom Orani -
Não, nem um pouco. Na eleição, o Espírito Santo inspira os cardeais a escolherem aquele que for dirigir a igreja, mas eu vejo que não sou a pessoa que deseja ou queira ser Papa. É uma grande missão, importantíssima, de grande responsabilidade... E os cardeais saberão escolher alguém capaz para isso.
 
ET - Outra pergunta de leitor antes de encerrarmos: Quais os principais problemas que a Igreja Católica Apostólica Romana enfrenta hoje e o que podemos fazer, como leigos, para ajudar?
Dom Orani
- A grande necessidade hoje é a educação das pessoas na fé, aprofundar a fé e vivê-la, colocá-la em prática. E qualquer leigo é chamado a fazer isso, a ter esclarecimento, porque no meio de tanta confusão de ideias, as pessoas não sabem porque é necessário ter certo tipo de atitudes, por que agir dessa ou daquela forma. Então, o principal problema é a falta de conhecimento que nos ajude a ter convicções baseadas e alicerçadas. E não só teoricamente, mas aplicadas na família, na sociedade, no trabalho, etc. Nos tempos de hoje, com tantas ideias que pululam, levam-se muitas confusões às pessoas que não são bem formadas. E, segundo, muita gente que está na Igreja não tem o comportamento cristão de amor ao próximo, de perdão, de coerência com a fé, isto é, não têm uma verdadeira vivência cristã.

ET - Nós vamos terminar, Dom Orani, agradecendo e perguntando se o Rio de Janeiro continua lindo?
Dom Orani -
Muito lindo. É uma beleza. É a única cidade em que você está parado no congestionamento, mas está vendo o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, a Lagoa Rodrigo de Freitas, enfim, coisas bonitas. O Rio tem a sua beleza e seu povo muito cristão e muito aberto à graça de Deus.

       *        *         *